Quando o assunto é
cirurgia de emergência em grávidas, sempre gera algumas controvérsias e dúvidas de como agir nessa situação. Boa parte desse temor vem de experiências recentes, onde a falta de cuidados na cirurgia com a paciente gestante levou a malformações, como no caso da talidomida, ou até mesmo abortos e partos prematuros.
Talvez o grande vilão histórico da propedêutica médica na gestante seja a radiação ionizante. Presente em diversos métodos radiológicos, pode ser um pouco mais deletéria quanto mais recente for a gestação. Porém mesmo assim, as doses utilizadas em todos os métodos de exame são inferiores ao limite aceitável pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia.
Idade gestacional semanal | Dose fetal estimada (mGy) | Efeito |
0-2 | 50-100 | Morte do embrião ou nenhuma consequência |
2-8 | 200 | Anomalias oculares, esqueléticas e genitais |
8-15 | 200-250
60 - 310 | - Restrição do crescimento
- Dano intelectual |
16 - 25 | 200
250 - 280 | - Microcefalia
- Dano intelectual |
Fonte: Adaptado do artigo original
| Dose Fetal (mGy) | Risco de câncer na infância |
Radiação Basal do ambiente | | 1 em 500 |
Rx de Abdome ou Pelve | 0,1 - 1 | 1 em 100.000 - 1 em 10.000 |
TC Pulmão | 0,1 | 1 em 100.000 |
TC de abdome e pelve | 10-50 | 1 em 1000 - 1 em 200 |
Fonte: Adaptado do artigo original
Evidências
Os métodos tradicionalmente relacionados às urgências abdominais podem ser utilizados em qualquer trimestre da gestação. Mesmo que seja seguro a utilização, não significa que deva ser utilizado indiscriminadamente, o racional permite um uso progressivo de métodos diagnósticos até que se feche o quadro. Retardar um diagnóstico de uma patologia abdominal, apenas pelo temor do uso da radiação ionizante na gestante é uma das piores condutas.
O artigo publicado no British Journal of Surgery relembra tópicos importantes com opiniões de especialistas através de um consenso de Delphi.
Algumas destas perguntas são destacadas a seguir:
Pergunta: Em uma paciente com dor na fossa ilíaca direita, qual a modalidade de imagem ideal no primeiro, segundo e terceiro trimestre, para o diagnóstico de apendicite?
Recomendação: Deve-se iniciar a investigação de suspeita de apendicite com US ou RM, independente do trimestre, no entanto TC deve ser utilizada caso permaneça a dúvida ou estejam indisponíveis.
- Nível de Evidência: II
- Grau de recomendação: A
- (67% concordam fortemente — 33% concordam)
Pergunta: Em uma pessoa grávida com apendicite, o tratamento operatório ou não operatório, possui um melhor desfecho para evitar perda fetal ou trabalho de parto prematuro?
Recomendação: O tratamento operatório é recomendado sobre um tratamento não operatório.
- Nível de evidência: III
- Grau de Recomendação: B
- (89% concordam fortemente — 11% concordam)
Alguns estudos demonstraram resultados semelhantes do tratamento não operatório e operatório em pacientes não grávidas. Resultados semelhantes puderam ser encontrados quando analisado o subgrupo de pacientes grávidas submetido ao tratamento não operatório da apendicite aguda. No entanto, apesar de alguns dados conflitantes, o retardo da apendicectomia por uma falha do tratamento não operatório leva a consequências muito piores para o feto e para a mãe com uma razão de chance para parto prematuro ou aborto de 2,62 (95% IC 1,17- 4,00; p < 0,001).
Pergunta: Qual o melhor tratamento para uma paciente grávida com colecistite aguda, independente do trimestre, colecistectomia videolaparoscópica ou antibióticos?
Recomendação: Paciente grávida com colecistite aguda, deve ser tratada com colecistectomia por vídeo, independente do trimestre.
- Nível de Evidência: III
- Grau de recomendação: B
- (33% concordam fortemente — 56% concordam)
Uma grande análise retrospectiva, avaliou o tratamento de 23.939 pacientes grávidas nos EUA no período de 2003 a 2015, que apresentaram colecistite aguda. Destas, 60% foram tratadas com colecistectomia videolaparoscópica. Cada dia de atraso da realização da colecistectomia foi associado a um aumento do risco fetal RR 1,17; (p < 0,001).
Um segundo estudo encontrou que o tratamento clínico da colecistite estava associado a 27,6% de complicações materno-fetal, enquanto a colecistectomia 8%, com p < 0,001.
Pergunta: Se uma paciente grávida apresentar hipersensibilidade ou hérnia encarcerada durante a gravidez, deve-se realizar o reparo primário com ou sem tela?
Recomendação: Paciente grávida com internação por hérnia umbilical ou ventral primária deve ser tratada da mesma forma que uma paciente não grávida. Se o reparo cirúrgico for indicado, o reparo com sutura aberta é uma boa escolha.
- Nível de Evidência: III
- Grau de recomendação: B
- (63% concordam fortemente — 18% concordam)
Existe uma escassa literatura a respeito do tema, de como tratar hérnia encarcerada dolorosa durante a gestação. Felizmente o número de encarceramentos é baixo durante esse período, e uma meta-análise europeia encontrou apenas 71 casos de tratamento operatório de gestantes com hérnia encarcerada/estrangulada. Assim o tratamento de pacientes grávidas quanto a indicação de urgência e pelo tipo de reparo torna-se semelhante a paciente não grávida. O uso da laparoscopia pode ser utilizado a depender de cada caso e da experiência do centro.
Para levar para casa
Emergências cirúrgicas nas grávidas são sempre dramáticas pois podem envolver consequências para um futuro filho. No entanto elas ocorrem e devem ser diagnosticadas e tratadas à semelhança da não grávida. Retardar um tratamento indispensável é a pior opção para o feto.