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Cirurgia1 abril 2024

Cirurgia em gestantes: novas evidências

A cirurgia eletiva não obstétrica geralmente é evitada em gestantes e no pós-parto imediato.
Por Felipe Victer
Quando o assunto é cirurgia de emergência em grávidas, sempre gera algumas controvérsias e dúvidas de como agir nessa situação. Boa parte desse temor vem de experiências recentes, onde a falta de cuidados na cirurgia com a paciente gestante levou a malformações, como no caso da talidomida, ou até mesmo abortos e partos prematuros. Talvez o grande vilão histórico da propedêutica médica na gestante seja a radiação ionizante. Presente em diversos métodos radiológicos, pode ser um pouco mais deletéria quanto mais recente for a gestação. Porém mesmo assim, as doses utilizadas em todos os métodos de exame são inferiores ao limite aceitável pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia.
Idade gestacional semanalDose fetal estimada (mGy)Efeito
0-250-100Morte do embrião ou nenhuma consequência
2-8200Anomalias oculares, esqueléticas e genitais
8-15200-250 60 - 310- Restrição do crescimento - Dano intelectual
16 - 25200 250 - 280- Microcefalia - Dano intelectual
Fonte: Adaptado do artigo original
Dose Fetal (mGy)Risco de câncer na infância
Radiação Basal do ambiente1 em 500
Rx de Abdome ou Pelve0,1 - 11 em 100.000 - 1 em 10.000
TC Pulmão0,11 em 100.000
TC de abdome e pelve10-501 em 1000 - 1 em 200
Fonte: Adaptado do artigo original

Evidências

Os métodos tradicionalmente relacionados às urgências abdominais podem ser utilizados em qualquer trimestre da gestação. Mesmo que seja seguro a utilização, não significa que deva ser utilizado indiscriminadamente, o racional permite um uso progressivo de métodos diagnósticos até que se feche o quadro. Retardar um diagnóstico de uma patologia abdominal, apenas pelo temor do uso da radiação ionizante na gestante é uma das piores condutas. O artigo publicado no British Journal of Surgery relembra tópicos importantes com opiniões de especialistas através de um consenso de Delphi.

Algumas destas perguntas são destacadas a seguir:

Pergunta: Em uma paciente com dor na fossa ilíaca direita, qual a modalidade de imagem ideal no primeiro, segundo e terceiro trimestre, para o diagnóstico de apendicite? Recomendação: Deve-se iniciar a investigação de suspeita de apendicite com US ou RM, independente do trimestre, no entanto TC deve ser utilizada caso permaneça a dúvida ou estejam indisponíveis.
  • Nível de Evidência: II
  • Grau de recomendação: A
  • (67% concordam fortemente — 33% concordam)
Pergunta: Em uma pessoa grávida com apendicite, o tratamento operatório ou não operatório, possui um melhor desfecho para evitar perda fetal ou trabalho de parto prematuro? Recomendação: O tratamento operatório é recomendado sobre um tratamento não operatório.
  • Nível de evidência: III
  • Grau de Recomendação: B
  • (89% concordam fortemente — 11% concordam)
Alguns estudos demonstraram resultados semelhantes do tratamento não operatório e operatório em pacientes não grávidas. Resultados semelhantes puderam ser encontrados quando analisado o subgrupo de pacientes grávidas submetido ao tratamento não operatório da apendicite aguda. No entanto, apesar de alguns dados conflitantes, o retardo da apendicectomia por uma falha do tratamento não operatório leva a consequências muito piores para o feto e para a mãe com uma razão de chance para parto prematuro ou aborto de 2,62 (95% IC 1,17- 4,00; p < 0,001). Pergunta: Qual o melhor tratamento para uma paciente grávida com colecistite aguda, independente do trimestre, colecistectomia videolaparoscópica ou antibióticos? Recomendação: Paciente grávida com colecistite aguda, deve ser tratada com colecistectomia por vídeo, independente do trimestre.
  • Nível de Evidência: III
  • Grau de recomendação: B
  • (33% concordam fortemente — 56% concordam)
Uma grande análise retrospectiva, avaliou o tratamento de 23.939 pacientes grávidas nos EUA no período de 2003 a 2015, que apresentaram colecistite aguda. Destas, 60% foram tratadas com colecistectomia videolaparoscópica. Cada dia de atraso da realização da colecistectomia foi associado a um aumento do risco fetal RR 1,17; (p < 0,001). Um segundo estudo encontrou que o tratamento clínico da colecistite estava associado a 27,6% de complicações materno-fetal, enquanto a colecistectomia 8%, com p < 0,001. Pergunta: Se uma paciente grávida apresentar hipersensibilidade ou hérnia encarcerada durante a gravidez, deve-se realizar o reparo primário com ou sem tela? Recomendação: Paciente grávida com internação por hérnia umbilical ou ventral primária deve ser tratada da mesma forma que uma paciente não grávida. Se o reparo cirúrgico for indicado, o reparo com sutura aberta é uma boa escolha.
  • Nível de Evidência: III
  • Grau de recomendação: B
  • (63% concordam fortemente — 18% concordam)
Existe uma escassa literatura a respeito do tema, de como tratar hérnia encarcerada dolorosa durante a gestação. Felizmente o número de encarceramentos é baixo durante esse período, e uma meta-análise europeia encontrou apenas 71 casos de tratamento operatório de gestantes com hérnia encarcerada/estrangulada. Assim o tratamento de pacientes grávidas quanto a indicação de urgência e pelo tipo de reparo torna-se semelhante a paciente não grávida. O uso da laparoscopia pode ser utilizado a depender de cada caso e da experiência do centro.

Para levar para casa

Emergências cirúrgicas nas grávidas são sempre dramáticas pois podem envolver consequências para um futuro filho. No entanto elas ocorrem e devem ser diagnosticadas e tratadas à semelhança da não grávida. Retardar um tratamento indispensável é a pior opção para o feto.
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Referências bibliográficas

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