A violência contra a mulher apresenta números alarmantes no Brasil e no mundo. De acordo com o Atlas da Violência 2023, somente em 2021, 3.858 mulheres foram mortas de forma violenta, numa média de mais de 10 feminicídios por dia.
A violência sexual, de todas as formas, é uma grave violação dos direitos humanos, e estimam-se 822 mil casos de estupro por ano no Brasil, mais de 80% em mulheres.

Violência obstétrica: definição
Junto com esse cenário, houve uma construção social do termo “violência obstétrica”. A violência obstétrica consiste na apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher pelos profissionais de saúde, que se exterioriza por meio do tratamento violento, abuso de medicalização e da patologização dos processos naturais, que acarretam na perda de autonomia e na capacidade de decidir livremente sobre seu corpo.
A violência obstétrica pode ocorrer por meio da violência psicológica, violência física e até a violência sexual.
Algumas práticas que podem ser consideradas violência obstétrica: xingamentos, humilhações, comentários constrangedores em razão da cor, da raça, da etnia, da religião, da orientação sexual, da idade, da classe social, do número de filhos etc.; episiotomia sem necessidade, sem anestesia ou sem informar à mulher; ocitocina sem necessidade; manobra de Kristeller; lavagem intestinal durante o trabalho de parto; amarrar a mulher durante o parto ou impedi-la de se movimentar; impedir a mulher de se alimentar e beber água durante o trabalho de parto; proibir o acompanhante que é de escolha livre da mulher; cirurgia cesariana desnecessária e sem informar à mulher sobre seus riscos; entre outras.
Algumas pesquisas indicam que em torno de 25% de gestantes no Brasil já enfrentaram situações consideradas como violência obstétrica.
O uso do termo “violência obstétrica”, é muito criticado por entidades médicas, uma vez que traz uma carga pejorativa e social que tem, comprovadamente, prejudicado, estigmatizado e, inclusive, afastado dessa assistência a imensa maioria de médicos, que são éticos, responsáveis e empáticos com as dificuldades dessas mulheres.
Nesse artigo, manteremos o termo, pela falta de um melhor e pelo foco ser uma análise dos profissionais de saúde em meio a situações como essa.
Papel dos profissionais de saúde diante da violência obstétrica
Enfrentar a violência obstétrica exige que os profissionais de saúde de todos os níveis de atenção assumam uma responsabilidade para além das rotinas de pré-natal e do entendimento médico da gestação e parturição.
Além de entender as causas e dimensões estruturais, abordar as desigualdades e promover cuidados respeitosos são essenciais para melhorar a equidade e a qualidade da saúde da população.
O foco deve ser o enfrentamento ao abuso e aos maus-tratos e a defesa do parto seguro e respeitoso. Fundamentalmente, qualquer ação ou omissão que resulte em violência contra a mulher, deve ser prontamente denunciada e fortemente combatida.
Cabe lembrar que o médico possui responsabilidades ética, civil, administrativa e penal bem definidas na assistência à saúde e no atendimento de emergências.
Da mesma forma, todos os envolvidos na assistência à gestante, ao parto e ao recém-nascido, sejam ou não profissionais de saúde, assumem as responsabilidades pelos seus atos, inclusive em danos causados por eventuais atrasos na assistência especializada ou mesmo exercício ilegal da medicina.
Além disso, é importante discutir e melhorar aspectos cruciais com problemas graves na realidade nacional, como a questão estrutural, a falta de leitos, maternidades, recursos humanos, organização e segurança de carreira e equipes multiprofissionais completas, as dificuldades relacionadas aos laboratórios, nos exames de sangue e complementares, e impacto disso na assistência.
Como denunciar casos de violência contra a mulher
Apesar de existir alguns dispositivos legais que tratem sobre violência obstétrica, sendo ainda a Lei nº 11.108, a mais específica sobre o momento do parto, não há uma que tipifique essa prática, no Brasil. Fica assim uma lacuna no tratamento dado à violência obstétrica no que concerne às devidas reparações e punições cabíveis em decorrência dessa prática.
Nesse cenário, é possível elencar as seguintes vias de punição: a responsabilidade civil, a responsabilidade penal e a de ordem ética através dos concelhos regionais e do conselho nacional de medicina.
Há uma série de órgãos responsáveis por apurar os casos de violência contra a mulher, incluindo a violência obstétrica. A denúncia pode ser feita na própria instituição de saúde em que a vítima foi atendida; é possível também ligar para o disque 180, disque 136 ou para 08007019656 da Agência Nacional de Saúde Suplementar para reclamar sobre o atendimento do plano de saúde.
Ainda é possível acionar o Conselho Regional de Medicina ou o Conselho Regional de Enfermagem e até a Defensoria Pública ou Advogado particular em caso de ação judicial de reparação por danos morais e/ou materiais.
E, para apurar a existência de algum crime, como lesão corporal ou homicídio, por exemplo, a vítima deve procurar a polícia ou o Ministério Público. Nesse caso o Ministério Público estadual irá atuar para responsabilizar possíveis infratores e zelar para que outras mulheres não venham a sofrer o mesmo tipo de violência.
Conclusões
A violência obstétrica é uma temática que se tornou pauta recentemente, e necessita de incrementos nas estratégias para seu enfrentamento.
É possível verificar que tal violência obstétrica tem uma raiz histórica, marcada por questões de gênero, classe e raça, na qual essas características somadas com as relações de poder, levam a situações de abuso, violação da liberdade e de subjugação do outro.
É necessário que a sociedade, os gestores e profissionais de saúde assumam compromissos para o combate à violência obstétrica.
Autoria

Ênio Luis Damaso
Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).
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