A telemedicina, modalidade de atendimento médico realizada através de uma chamada à distância (comumente por vídeo) é uma modalidade de cuidado médico que vem sendo investigada e aprimorada há décadas. Com o advento da pandemia da covid-19, seu uso passou a ser incentivado e necessário para levar atendimento a diversos pacientes que de outra forma não poderiam o receber.
Dados do CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) mostram que ao menos 50% da população brasileira utilizou a modalidade em 2021.
Com o maior uso da tecnologia, diversos estudos vêm sendo realizados, tanto de forma prospectiva como retrospectiva para investigar a segurança e eficácia da modalidade.
Telemedicina no Congresso da Endocrine Society 2024
No congresso de 2024 da Endocrine Society, que aconteceu em junho, foram debatidos dados de um estudo retrospectivo conduzido na University of Pittsburgh School of Medicine in Pittsburgh, liderados pela Dra. Margareth Zuppa, uma das co-autoras.
O estudo comparou o acesso ao atendimento médico de pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doenças cardiovasculares durante dois períodos: pré-telemedicina (1º de janeiro de 2018 a 15 de março de 2020) e pós-telemedicina (16 de março de 2020 a 30 de junho de 2022).
Após a análise de registros médicos eletrônicos de 9.546 adultos, atendidos entre janeiro de 2018 e junho de 2022, as autoras verificaram que desses, 1.725 pacientes receberam atendimento endocrinológico durante o período do estudo.
Antes da telemedicina, os pacientes com maior probabilidade de receber atendimento endocrinológico eram aqueles que moravam a uma distância menor da clínica de endocrinologia, em bairros mais acessíveis a pé, com maior status socioeconômico, mais jovens, com mais comorbidades.
No entanto, após o avanço da telemedicina, a raça e o status socioeconômico do bairro tiveram menos impacto no acesso aos cuidados de endocrinologia em comparação com o período pré-telemedicina, enquanto a idade mais jovem teve uma relação mais forte com o recebimento desses cuidados, favorecendo a hipótese de que a telemedicina pode desempenhar um papel na democratização ao acesso à saúde na endocrinologia.
Telemedicina em outros congressos
No congresso da American Diabetes Association (ADA), em 2021, foram apresentados dados de uma metanálise de 32 estudos publicada em 2020, envolvendo 5.108 pacientes, que avaliou o impacto da telemedicina comparado aos atendimentos presenciais em pacientes gestantes diabéticas (diabetes gestacional, DM2 e DM1) em hemoglobina glicada (HbA1C), controle glicêmico e desfechos obstétricos.
O resultado foi favorável às pacientes que foram seguidas por telemedicina, mostrando redução na glicada em -0,7%, menores glicemias antes e 1h após as refeições, levando a melhores desfechos na gestação, tais como menor taxa de cesáreas (RR 0,82 – ou seja, risco 18% menor), menor risco de macrossomia (RR 0,49), menor índice de hipoglicemia neonatal (RR 0,67) e de pré-eclâmpsia (RR 0,48).
Antes da pandemia
Outro estudo retrospectivo revelou que o atendimento por telemedicina para pacientes com diabetes tipo 1 no Alabama resultou em mesmo nível de controle glicêmico, mesma segurança, maior economia aos pacientes, menor tempo gasto (sobretudo em deslocamentos) e maior satisfação total.
Os dados também mostram impacto parecido no diabetes tipo 2.
Limitações
Como em todas as situações, dentro da endocrinologia também existem situações onde a avaliação presencial é necessária. Inclusive, um estudo publicado em 2023 no JAMA, na contramão de outras evidências, mostrou que o seguimento misto ou presencial pode ser discretamente superior no impacto no controle glicêmico após 1 ano, apesar do estudo ter vários fatores confundidores.
De qualquer forma, serve de alerta para entendermos que ocasionalmente o atendimento presencial será necessário, como por exemplo, para o exame dos pés em indivíduos com diabetes ou para um exame físico mais minucioso no caso de hipóteses mais complexas como na síndrome de Cushing ou numa suspeita de tireotoxicose, por exemplo.
A Endocrine Society liberou, em 2022, um “guia” para o atendimento adequado em telemedicina em endocrinologia enquanto reúne evidências para elaborar um guideline sobre o assunto
Normas no Brasil
Após diversas evidências apontando para a segurança da modalidade de atendimento, o Conselho Federal de Medicina, em 2022, estabeleceu a resolução nº 2.314/2022, que regulamentou de forma definitiva a telemedicina no Brasil, revogando a resolução anterior (1.643/2002) e estabelecendo o caráter perene da telemedicina no país.
Na prática
Na prática, diversos serviços oferecem o atendimento em endocrinologia via telemedicina, tanto no cenário privado como público. Existem programas via SUS, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI), onde empresas e organizações de saúde prestam serviços ao SUS, ofertando profissionais qualificados e especialistas às regiões no norte, nordeste e centro-oeste que não teriam a pronta disponibilidade do especialista ou que necessitaria de um deslocamento muito grande para uma simples consulta.
Isso já é realidade no nosso país, ainda que pouco comentado. Além disso, consultas particulares frequentemente ocorrem dessa forma. Tal modalidade permite o atendimento de pessoas que estejam morando fora do país mas que desejam seguimento com médicos brasileiros, algo não incomum.
A quebra de barreiras geográficas permite autonomia não somente aos pacientes como também aos médicos que atendem nessa modalidade, permitindo mais flexibilidade em deslocamentos e até mesmo menores custos com consultórios, no caso das experiências autônomas.
Conclusões e perspectivas
A telemedicina veio para democratizar o acesso aos cuidados em saúde, sendo uma ferramenta capaz de promover a quebra das barreiras geográficas, possibilitando o acesso a especialistas em centros desprovidos e também ampliando a oferta de profissionais aos quais os pacientes podem procurar, uma vez que é possível consultar um médico há milhares de quilômetros da sua casa.
As evidências na endocrinologia são muito positivas. É preciso, claro, atentar às limitações, como situações onde é necessário complementar o atendimento com uma avaliação presencial, mas trata-se de uma revolução tecnológica que pode trazer impactos muito positivos no sistema de saúde como um todo.
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