Em casa de ferreiro, o espeto é de pau.
Em casa de médico, o check-up é atrasado.
A ironia é cruel — e real. A profissão que mais fala sobre prevenção é, curiosamente, uma das que menos a pratica.
Passamos o dia pedindo aos pacientes que façam exames, vacinem-se, caminhem, durmam bem, bebam água e evitem o estresse. Mas quando o expediente termina (ou emenda no próximo plantão), somos os primeiros a ignorar o próprio conselho.
Quantos de nós sabemos exatamente o nível de vitamina D do paciente, mas não lembramos quando fizemos o nosso último hemograma? Quantos alertam sobre burnout damos aos pacientes, mas vivemos cronicamente cansados? Quantos vezes recomendamos pausas, mas olhamos com culpa para qualquer tentativa de descanso?

A desculpa é sempre a mesma: falta de tempo
E sim, o tempo é curto. Mas, muitas vezes, o que falta não é tempo — é prioridade. É difícil aceitar que, enquanto cuidamos de vidas, podemos estar negligenciando a nossa. E há algo de paradoxal (para não dizer hipócrita) nisso: queremos prolongar a vida dos outros, mas encurtamos a nossa com descuido.
O autocuidado, para médicos, não é uma questão estética ou moda de bem-estar: é coerência profissional. Cuidar de si é, de certo modo, uma forma de respeito à própria medicina — porque não existe boa prática clínica sem boa saúde física e mental.
Imagine um mundo em que o médico que prescreve prevenção é também o paciente modelo daquilo que ensina. Um mundo em que a agenda do consultório inclui um espaço fixo para o próprio check-up, e a frase “estou bem” não seja apenas automática.
Não estou querendo fazer um mundo de faz-de-conta, mas quero te lembrar de cuidar de si, colega. Porque, no fim, ninguém consegue cuidar bem de quem quer que seja se estiver constantemente à beira do colapso.
Faça o seu checklist
Então, antes de abrir o prontuário do próximo paciente, vale a pena abrir o próprio.
- Exames de rotina feitos?
- Vacinas em dia?
- Sono em ordem?
- Coração (emocional e físico) funcionando bem?
Que tal pôr em prática aquela MEV que você orientou ao último paciente? 150min de atividade física por semana, alimentação adequada, sono restaurador.
Prevenção não é só uma orientação. É um espelho.
E talvez esteja na hora de olharmos para ele com a mesma atenção que damos aos outros.
Autoria

Ester Ribeiro
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