Exercer a Medicina é uma atividade excepcional. Nossa profissão está sujeita a milenares ditames éticos, tratada por muitos como uma espécie de semi-sacerdócio, com os mais elevados graus de exigência moral.
Em contrapartida, ela nos proporciona ampla liberdade prática, um campo aberto para a ação individual, tendo em vista as misteriosas peculiaridades de cada paciente. Uma prática sob tensão, seus limites residem na consciência de cada médico, nem o mais invasivo aparato moderador seria capaz de superá-la.

Panorama médico contemporâneo
Acrescente a essa dinâmica o imenso sistema público, as insaciáveis operadoras de saúde, a sedutora indústria farmacêutica, o exaustivo paradigma da prática baseada em evidências, a profusão de recém-formados lançados ao mercado, e você terá o panorama médico contemporâneo.
Vamos aos poucos nos habituando ao universo corporativo, reuniões administrativas, controle de qualidade, metas de produtividade, feedback atrás de feedback. Atribuições que nos foram acrescentadas ao longo dos anos, tornando nossa rotina muito mais complexa, subtraindo um tanto da imponência original da profissão e acrescentando demandas corporativas ao nosso bom e velho juramento hipocrático.
A cultura de segurança em saúde e a padronização do cuidado tornou nossa prática mais confiável e eficiente. Cabe destacar que somos recompensados de diversas outras formas ao exercermos dedicadamente nossa prática: a gratidão dos pacientes e seus familiares, o status social que a natureza do ofício nos proporciona e, sobretudo, a percepção tão nítida que temos do bem que fazemos ao próximo, mesmo quando ninguém mais pode percebê-lo, nos enaltecem entre os demais profissionais.
Quanto ganha em média um médico no Brasil?
O Portal Afya tem divulgado anualmente dados muito consistentes a respeito de nosso panorama financeiro, e os números não vão nada mal: a renda líquida média mensal reportada na pesquisa publicada em 2024 foi de R$ 22.933,00, cifras 18,6% superiores ao ano anterior.
Para trazer um pouco de perspectiva, isso corresponde a mais de 17 salários mínimos, no valor do ano da pesquisa, com incremento anual acima da inflação. Entre outros dados interessantíssimos, é importante destacar que nós também trabalhamos bastante, com média de 51 horas semanais, que temos um padrão financeiro elevado e estável, com taxas de desemprego baixíssimas, apenas 3% dos entrevistados estavam desempregados em busca de atuação em Medicina.
Alguém poderia sustentar que o médico brasileiro não ganha dignamente? Ao que consta, somos uma das classes que menos deveria se preocupar com questões financeiras. É certo que tomamos decisões de enorme responsabilidade, é justo que almejemos prosperar individualmente, e é fundamental que exijamos respeito à nossa profissão. Mas nem tudo se paga com dinheiro, em especial quando se trata de atividades superiores, como a Medicina se propõe a ser.
Ademais, se lutamos por valorização, é prezando principalmente pelo bem daquele que confia sua vida às nossas mãos, do paciente que merece um profissional disposto, um ambiente seguro e uma real oportunidade de ser cuidado.
O médico que trabalha com dignidade poderá sempre viver com dignidade, e a Medicina seguirá, como sempre seguiu, sustentada pelas vocações que enxergam além de seus ganhos financeiros.
Autoria

Filipe Fernandes Justus
Conteudista de Gastroenterologia do Whitebook e Portal Afya. Médico especializado em Clínica Médica, Gastroenterologia e Hepatologia pelo HC-FMUSP. Atua em ensino médico e assistência ambulatorial e hospitalar.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.