A prática de transplantes de órgãos ou partes do corpo humano remonta à antiguidade. Durante séculos, tentativas de transplantar órgãos de animais para humanos resultaram em desfechos fatais, devido ao desconhecimento dos princípios que hoje regem a complexidade dos transplantes.
Com o avanço da medicina, especialmente nas áreas de biologia celular e farmacologia, tornou-se possível realizar transplantes com níveis crescentes de sucesso, tanto a partir de doadores vivos quanto de doadores falecidos. Contudo, o tema ainda suscita debates públicos sobre questões éticas, legais e bioéticas.
Destrinchando os artigos do CEM
O Capítulo VI do Código de Ética Médica (CEM) aborda de forma específica os aspectos éticos relacionados à doação e transplante de órgãos, por meio de quatro artigos. O texto estipula que médicos integrantes da equipe de transplante não devem participar do diagnóstico de morte nem da decisão de interromper métodos artificiais de manutenção da vida dos possíveis doadores.
Além disso, proíbe-se qualquer forma de envolvimento no comércio de órgãos ou tecidos. Quanto aos doadores vivos, o código proíbe a remoção de órgãos em indivíduos considerados incapazes, salvo nos casos previstos pela lei, e enfatiza que o médico deve esclarecer todos os envolvidos sobre os riscos e procedimentos inerentes aos transplantes.
Uma preocupação central do CEM é evitar a exploração de doadores, especialmente por meio de coação em momentos de vulnerabilidade. A legislação brasileira estabelece protocolos rigorosos para garantir que os doadores estejam plenamente conscientes dos riscos e benefícios do procedimento, assegurando que a doação seja voluntária e consentida.
O doador vivo, por exemplo, pode desistir do ato a qualquer momento, sem necessidade de justificativa, reforçando o respeito à autonomia. Adicionalmente, a lei proíbe doações que comprometam a integridade física do doador, como a remoção de ambos os rins.
Em relação a menores de idade ou pessoas incapazes, o consentimento para a doação não possui validade legal. Nos casos de doadores falecidos, a remoção de órgãos só pode ocorrer após consentimento explícito dos responsáveis legais.
Diagnóstico de morte
Outro ponto de debate envolve os critérios para diagnóstico de morte. Questões éticas surgem, sobretudo, em casos de morte encefálica, cuja confirmação é regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
O diagnóstico de óbito deve ser feito com base em critérios claros e bem definidos. A literatura destaca casos emblemáticos, como o ocorrido em Barcelona, em 1986, no qual um legista recusou-se a certificar o óbito de um motorista ao constatar a ausência dos dois rins, já transplantados. Esse exemplo ilustra a importância de que membros da equipe de transplante não interfiram no processo de avaliação do óbito, garantindo a imparcialidade do diagnóstico.
Além disso, certos órgãos, como coração e pulmões, possuem um intervalo extremamente curto entre o diagnóstico de morte e o transplante (até 2 horas), o que pode gerar tensões quando se busca cumprir os protocolos exigidos.
Conclusão
No Brasil, a coordenação da captação e distribuição de órgãos é realizada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que utiliza o Cadastro Técnico Único (CTU) para gerenciar a fila de espera. A prioridade na alocação de órgãos é determinada com base na gravidade do estado clínico e na compatibilidade entre doador e receptor.
Os transplantes de órgãos são um marco no avanço da medicina, mas também trazem consigo desafios éticos e legais complexos. O CEM e a legislação brasileira desempenham papel crucial na garantia de práticas éticas, protegendo tanto os direitos dos doadores quanto dos receptores.
Ao mesmo tempo, casos emblemáticos e questões bioéticas ressaltam a necessidade de um contínuo aprimoramento nos protocolos e discussões sobre o tema, assegurando que a prática de transplantes permaneça alinhada aos princípios de respeito à vida e à dignidade humana.
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