É muito comum que se valorize produções feitas fora do país. Por um lado, isso pode ser explicado pelo interesse em entender como profissionais de outras culturas e países lidam e pesquisam determinados temas. Por outro, observa-se uma tendência a valorizar produções e estudos estrangeiros em detrimento dos nacionais. Esse fenômeno pode estar relacionado a aspectos históricos, sociais e culturais.
A experiência de conhecer serviços, trabalhos e pesquisas em outros locais permite entrar em contato com diferentes formações, experiências, referências, estruturas e aspectos culturais. Esse tipo de experiência enriquece a formação profissional e pessoal, ampliando repertórios. Sem dúvida, a vivência de outro ponto de vista traz curiosidade e deve ser valorizada.
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Comparações perigosas
Durante esse processo de conhecimento do outro, comumente se estabelece uma forma de comparação com a realidade já vivida e conhecida. Muitas vezes, tal comparação não é justa por envolver muitos fatores que não são passíveis de comparação. Ainda assim, a percepção de que a produção ou formação estrangeira é superior prevalece.
Isso também pode ser justificado por fatores históricos e culturais. Motta et al. relembram como é comum que, mesmo em situações cotidianas, haja manifestações de depreciação daquilo que é nacional, enquanto há uma
grande valorização do estrangeiro.
Os autores comentam como o passado colonial se relaciona à criação da identidade nacional, onde, por muito tempo, a valorização do estrangeiro foi algo a ser alcançado. Exemplos disso incluem a tentativa de reproduzir no Brasil características ou estruturas de cidades europeias, consideradas mais “modernas”. A isso também se segue uma negação da própria estrutura nacional.
Constructo sociocultural
A cultura de baixa autoestima frente ao estrangeiro é um tema complexo e envolve diversos pontos para além da área médica ou acadêmica. Essas características fazem parte do constructo sociocultural brasileiro.
De certa forma, a academia e outros agentes ainda contribuem para perpetuar essa noção. Afinal, observa-se um predomínio da propagação de material científico estrangeiro, que frequentemente possui mais recursos para desenvolver trabalhos publicados com maior impacto.
Contudo, é na interação com o estrangeiro que se percebe que o fazer diferente não significa inferioridade. Pelo contrário, esse momento de comparação se torna mais realista e menos idealizado, permitindo vislumbrar os pontos positivos da própria produção ou formação.
Exemplos concretos
Em eventos como simpósios e congressos, alguns participantes podem notar que um novo artigo apresentado não representa necessariamente uma mudança de paradigma na prática clínica. Não raro, também se descobre que grupos estrangeiros estão elaborando temas de pesquisa semelhantes aos nacionais.
Nesses casos, a troca de informações pode ser benéfica, mas não implica que o grupo estrangeiro esteja fazendo um trabalho “melhor”. Outros exemplos provêm de colegas que tiveram a oportunidade de fazer cursos, estágios ou participar de pesquisas no exterior. Esses depoimentos muitas vezes refletem que suas experiências no universo estrangeiro foram interessantes e trouxeram pontos positivos, mas também ressaltaram que a formação, pesquisa e produção nacional possui boa qualidade e talvez não receba o reconhecimento devido.
O grande perigo de acreditar no contrário é o impacto negativo que a baixa autoestima por comparação pode causar a um grupo de trabalho ou pesquisa, desmotivando-o.
Conclusão
Um passo importante para mudar essa situação é reconhecê-la. A partir daí, seria possível buscar estratégias de mitigação, como a valorização das contribuições nacionais; a partilha das experiências dos colegas que exploraram o estrangeiro; políticas que estimulem o desenvolvimento de novos projetos e de estratégias de aperfeiçoamento – incluindo o contato com grupos estrangeiros.
Valorizar a produção local, fomentar a pesquisa e promover a colaboração internacional de maneira equilibrada são caminhos para fortalecer a autoestima e a confiança na produção nacional.
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