Paciente do sexo feminino, 42 anos, em bom estado geral, sem queixas, deu entrada para admissao no centro cirurgico para realizacao de colecistectomia videolaparoscopica eletiva. Durante visita pré- anestésica paciente relatava apenas ter hipertensão arterial controlada com anti hipertensivo oral, sem outras comorbidades. Negava asma, bronquite, diabetes, alergias medicamentosas ou alimentares ou complicações anestésicas anteriores. Ao exame físico apresentava-se corada, hipohidratada (+/4+), acianótica, anictérica, afebril, com enchimento capilar satisfatório. Eupneica e eucardica. Sinais vitais FC: 98 bpm, PA: 143 X 76 mmHg, Spo2 98% em ar ambiente.
A equipe anestésica optou por realizar anestesia geral veno inalatória com pré-anestésico com midazolan 15 mg SL, uma vez que a paciente encontrava-se um pouco ansiosa.
No centro cirúrgico paciente encontrava-se algo sonolenta porém responsiva aos comandos verbais. Realizado venóclise em MSE com jelco 18G e iniciado indução com pré- oxigenação com O2 a 100% em máscara de Hudson.
Sinais vitais antes da indução eram FC 67 bpm, PA 115 X 67 mmHg e SpO2 98%.
Realizado indução com fentanila 250 mcg, propofol 150 mg e atracúrio 35 mg. Intubação realizada sem intercorrências na primeira tentativa. Acoplada ao respirador mecânico e iniciado sevorane para manutenção da anestesia por via inalatória.
Realizado analgesia preemptiva com dipirona e tenoxicam e profilaxia para náuseas e vômitos pós operatórios com ondansetrona e antibioticoterapia profilática com cefazolina.
No momento que a equipe anestésica estava colocando a paciente em posição cirúrgica, começou a apresentar hipotensão súbita com PA mínima de 65 X 40 mmHg, taquicardia com FC de 125 bpm e hipercarbia com parâmetro de obstrução no capnógrafo. Houve queda da saturação com SpO2 de 92% e discreto eritema em região torácica e membros.
Hipótese diagnóstica
Paciente logo após indução apresentando queda brusca da pressão arterial com taquicardia e broncoespasmo junto com aparecimento de urticária, devemos pensar imediatamente em reação alérgica anafilática a alguma medicação administrada.
A anafilaxia intraoperatória é uma complicação rara, porém grave, que deve ser diagnosticada precocemente e tratada de forma adequada,pois pode levar o paciente a óbito. Consiste, na maioria das vezes, em uma reação de hipersensibilidade mediada por imunoglobulinas E (Ig E) que estimulam a liberação de histamina e triptase na corrente sanguínea pelos mastócitos e basófilos.
Na anafilaxia não há a necessidade de exposição a grande quantidade de alérgenos.
Em casos de anestesia geral, onde o paciente não pode relatar sintomas, deve-se levar em consideração casos de hipotensão severa, refratária, sem causa aparente e padrão obstrutivo na canografia, que pode ser sinal de um broncoespasmo. Nem sempre ocorre urticária ou eritema ou edema de mucosas.
Alguns fatores são considerados de risco como presença prévia de atopia, asma, alergias,múltiplas exposições a medicações, e doenças como angioedema hereditário e mastocitose sistêmica.
Como diagnóstico diferencial podemos citar obstrução do tubo traqueal ou do sistema de ventilação, pneumotórax, infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo, entre outras.
O diagnóstico e tratamento devem ser realizados de forma rápida e eficaz com suspensão imediata de todas as drogas que estão sendo administradas, manutenção das vias aéreas com alto fluxo de oxigênio, hidratação vigorosa e administração de epinefrina EM TODOS OS CASOS, sem exceção, de preferência por via endovenosa.
Pode-se também administrar broncodilatadores como Salbutamol inalado ou venoso e para tratamento tardio, corticoides e anti-histamínicos, lembrando que esses possuem início de ação prolongado.
Os bloqueadores neuromusculares são medicações muito relacionadas a casos de anafilaxia, principalmente o atracúrio, pois atua liberando diretamente histamina e representa uma das principais causas de reações alérgicas graves em anestesia.
No caso acima, a reação foi classificada como anafilaxia grave. Paciente evoluiu bem após tratamento imediato com suspensão de todos os agentes anestésicos, ventilação com O2 a 100% e administração de adrenalina e broncodilatador inalado.
A cirurgia foi suspensa e reagendada e paciente permaneceu 24 em unidade fechada para acompanhamento e obteve alta assintomática.
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