Você já se viu completamente perdido em uma matéria difícil, com a sensação de que nada fazia sentido, até que um colega mais experiente se senta ao seu lado e, em poucos minutos, consegue explicar aquele conteúdo de um jeito tão simples que parece que a luz finalmente acendeu?
Essa cena é bastante comum nos corredores de faculdades de medicina – e não por acaso. A troca de conhecimento entre colegas tem se mostrado uma das ferramentas mais poderosas (e subestimadas) no processo de formação médica.
Mas será que aprender com colegas é tão eficaz quanto ter aula com professores experientes? Essa foi exatamente a pergunta que motivou um grupo de pesquisadores a investigar o tema de forma sistemática. E as respostas que eles encontraram podem mudar a forma como estudantes e docentes veem o aprendizado no curso de medicina.
Professor vs. colega na preparação para provas médicas
Publicado recentemente, o estudo “Comparison of Online Peer-Assisted Learning and Faculty-Led Teaching for Short Answer Questions” avaliou a eficácia de dois métodos de ensino no contexto médico:
- Peer-Assisted Learning (PAL) – quando alunos mais experientes ensinam os mais novos;
- Faculty-Led Teaching – ensino tradicional conduzido por professores da faculdade.
Os participantes foram divididos aleatoriamente em três grupos:
- Um grupo controle, que não recebeu nenhuma intervenção;
- Um grupo que assistiu a aulas on-line dadas por estudantes do quarto ano de medicina;
- Um grupo que teve as mesmas aulas, mas ministradas por professores clínicos.
O foco era preparar os alunos para resolver questões dissertativas (short answer questions), um formato comum e desafiador em avaliações médicas.
Resultados principais
- Desempenho acadêmico semelhante entre os grupos PAL e Professor;
- Percepção de qualidade superior atribuída às aulas dadas por professores;
- Os alunos consideraram o ambiente de aprendizado conduzido por docentes como mais “organizado, profundo e interativo”.
Mas… por que isso importa tanto?
Porque o estudo mostra que, em termos de resultados objetivos, os alunos que aprenderam com colegas foram tão competentes quanto os que aprenderam com professores. Ou seja, o ensino entre pares pode ser uma alternativa eficaz – especialmente em cenários onde o tempo e a disponibilidade dos professores são limitados.
Contudo também aponta que a experiência subjetiva dos alunos ainda favorece o ensino tradicional, sugerindo que o papel do professor não está ameaçado.
Leia mais: Metodologias ativas na educação médica no Brasil
E na prática? O que isso significa para estudantes e professores?
Para estudantes de Medicina:
- Você aprende mais do que pensa quando ensina: quando você explica algo para um colega, ativa áreas do cérebro relacionadas à consolidação de conhecimento. Ensinar é uma forma poderosa de revisar.
- Estude em grupo, mas com propósito: grupos de estudos são eficazes, mas é importante ter objetivos claros, um roteiro e alternar quem ensina o quê. Isso evita que os encontros virem apenas desabafos sobre o quanto a matéria está difícil.
- Aprender com quem já passou pelo desafio ajuda muito: colegas mais velhos têm não só o conhecimento, mas o “caminho das pedras”. Eles sabem o que mais cai na prova, como aquele professor cobra determinado conteúdo e quais são os erros comuns.
- Não tenha vergonha de perguntar: com colegas, muitas vezes nos sentimos mais à vontade para perguntar o que parece “básico demais” para levar à aula. Essa liberdade pode fazer toda a diferença no aprendizado.
Para professores:
- Você é indispensável: o estudo não desvaloriza o professor – pelo contrário, mostra que a experiência e a profundidade de quem domina a ciência médica são vistas como diferenciais importantes pelos alunos.
- Você pode ensinar mais… ensinando a ensinar: ao incentivar que seus alunos mais experientes conduzam tutorias ou monitorias, você amplia o alcance do ensino. E ao orientá-los nesse processo, transforma esse ensino entre pares em algo estruturado e de alta qualidade.
- Integre os dois mundos: que tal combinar aulas expositivas com sessões de estudo em grupo lideradas por alunos, sob supervisão docente? Isso pode potencializar a aprendizagem e desenvolver habilidades importantes como liderança, comunicação e empatia.
Limitações do estudo
Os pesquisadores apontam que:
- O tempo de intervenção foi curto e focado em questões dissertativas. Será que os resultados seriam os mesmos com outras metodologias ou disciplinas?
- A autoavaliação da experiência de aprendizado foi baseada em percepções subjetivas, o que pode variar bastante entre alunos.
- O contexto on-line pode influenciar nos resultados – talvez presencialmente, as diferenças entre PAL e professores fossem maiores (ou menores!).
Além disso, ficam algumas perguntas em aberto:
- Qual o impacto a longo prazo desse tipo de ensino?
- Ensinar colegas ajuda o estudante “professor” a aprender mais também?
- Será que alunos com diferentes estilos de aprendizagem respondem de formas distintas a cada abordagem?
Leia também: Dicas do médico experiente: como escrever um bom artigo científico?
Conclusão
Não vamos dividir os times entre “ensino de verdade com professor” e “ajuda improvisada entre colegas”, ok? A verdade é que, no ensino médico (e na vida), o aprendizado é potencializado quando unimos esforços.
Aprender com colegas mais experientes pode tornar a jornada menos solitária e mais leve. Aprender com professores experientes ajuda a aprofundar e organizar o conhecimento. E, idealmente, um reforça o outro.
Professores devem se enxergar também como mentores, que incentivam os alunos a se ajudarem mutuamente. E alunos podem ver no ensino entre pares não um “plano B” ou o final das matérias mais desafiadoras, mas uma estratégia complementar poderosa desde o início.
Se a medicina é feita em equipe, o ensino dela também pode (e deve) ser.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.