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Cardiologia21 julho 2025

Síndrome cardiovascular-renal-metabólica: Como manejar?

Revisão analisou as evidências de ensaios clínicos randomizados para intervenções específicas no estilo de vida em todos os estágios da síndrome CKM
Por Juliana Avelar

A síndrome cardiovascular–renal–metabólica (CKM) representa as interrelações e disfunções interconectadas de múltiplos sistemas orgânicos e contribui para o aumento da morbimortalidade. Recentemente definida pela American Heart Association, a natureza progressiva desse distúrbio multissistêmico é refletida por uma estrutura contínua que varia do estágio 0 da síndrome CKM (saudável) ao estágio 4 (doença cardiovascular estabelecida).

Apesar da disponibilidade de tratamentos farmacológicos direcionados aos componentes metabólicos, renais e cardiovasculares da síndrome CKM — especialmente nos estágios avançados —, a magnitude da síndrome CKM exige terapias sustentáveis e custo-efetivas, amplamente acessíveis. Intervenções no estilo de vida, incluindo alimentação, atividade física e modificação comportamental, oferecem abordagens potencialmente eficazes tanto na prevenção quanto no tratamento ao longo dos estágios da síndrome CKM.

No entanto, ainda existem lacunas importantes de conhecimento quanto à implementação dessas intervenções, especialmente ao longo dos diferentes estágios da síndrome CKM. As diretrizes reconhecem a importância das intervenções não farmacológicas, mas faltam recomendações específicas para terapias de estilo de vida ao longo dos estágios da CKM.

O texto de hoje é baseado no painel de especialistas recentemente publicado no JACC, que buscou descrever o papel das intervenções no estilo de vida no manejo da síndrome CKM, com foco em evidências provenientes exclusivamente de ensaios clínicos randomizados.

Síndrome cardiovascular-renal-metabólica: Como manejar?

Manejo específico por estágio da síndrome CKM

Estágio 0: prevenção de fatores de risco metabólicos

O estágio 0 da síndrome CKM representa um perfil saudável, livre de fatores de risco relacionados à CKM.

O objetivo nesse estágio é manter esses parâmetros ideais de saúde (prevenção primordial), reduzindo ao máximo o risco de progressão para estágios subsequentes.

Estágio 1: abordando obesidade e risco

O estágio 1 da síndrome CKM é caracterizado por adiposidade excessiva ou disfuncional, manifestando-se como sobrepeso ou obesidade, obesidade abdominal ou tolerância glicêmica diminuída, sem fatores de risco metabólicos adicionais ou doença renal crônica. Os critérios diagnósticos incluem IMC ≥ 25 kg/m² (ou ≥ 23 kg/m² para indivíduos de ascendência asiática), circunferência da cintura ≥ 88 cm em mulheres e ≥102 cm em homens (com limites menores de ≥ 80 cm e ≥ 90 cm, respectivamente, para asiáticos), glicemia de jejum entre 100 e 124 mg/dL ou HbA1c entre 5,7% e 6,4%.

No contexto de intervenções de estilo de vida, a estratégia inicial para manejo da adiposidade excessiva se baseia na restrição calórica e melhora na qualidade da dieta. Ensaios clínicos com restrição calórica moderada (~1.200 a 1.500 kcal/dia) associada à modificação comportamental resultaram em ~8,5 kg de perda de peso em 20 semanas. Dietas muito hipocalóricas (< 800-1.000 kcal/dia) associadas a intervenção comportamental podem induzir redução de ~20 kg em 12 a 16 semanas.

Em relação à composição da dieta, Foster et al. demonstraram que uma dieta low-carb, rica em proteínas e gorduras, levou a ~4% de redução adicional de peso comparada a uma dieta high-carb e low-fat em 6 meses. Contudo, em 12 meses não houve diferença significativa. No estudo CALERIE, uma dieta low-carb levou a perda de peso semelhante à dieta convencional, desde que o déficit calórico fosse semelhante.

A perda de peso também foi avaliada como estratégia para prevenir hipertensão no estágio 1 da CKM. No Trial of Hypertension Prevention (Fase II), indivíduos com sobrepeso/obesidade e pressão “normal-alta” (< 140/90 mmHg) foram randomizados para intervenção de perda de peso e redução de sódio, combinação de ambos ou cuidado usual. Intervenções ativas levaram a redução modesta de peso em 6 meses (1-4,5 kg), com atenuação ao longo de 3 anos. Ambas as intervenções reduziram PAS e incidência de hipertensão.

Reduzir sódio é estratégia eficaz para reduzir a PA em indivíduos sem hipertensão. No entanto, modificar um único nutriente é difícil. Adotar padrões alimentares saudáveis, como dietas ricas em frutas, vegetais e laticínios com baixo teor de gordura, pode ser mais prático. Esse padrão dietético reduziu a PA em adultos no estudo DASH. No subgrupo sem hipertensão (n=326), a dieta reduziu PAS e PAD. No estudo DASH-Sodium, demonstrou-se que a redução adicional de sódio sobre a dieta DASH potencializou o efeito na redução da PA.

Estágio 2: abordando fatores de risco metabólicos e DRC

O estágio 2 envolve indivíduos com fatores de risco metabólicos como hipertrigliceridemia (≥ 135 mg/dL), hipertensão, síndrome metabólica, DM2 ou DRC. A modificação do estilo de vida é particularmente crítica, sobretudo para hipertensão e DM2.

Os efeitos hipotensores da dieta DASH e restrição de sódio foram observados mesmo entre hipertensos. Perda de peso, aumento de atividade física e moderação no consumo de álcool também são recomendados. Esses efeitos foram avaliados no estudo PREMIER com 810 adultos com PA elevada e sem medicação. Intervenções comportamentais com aconselhamento regular resultaram em redução da PAS após 6 meses comparado ao grupo que recebeu apenas informações educativas.

Contudo, a adição da dieta DASH não teve efeito estatisticamente significativo adicional. No estudo DEW-IT, os efeitos foram replicados em hipertensos medicados. As dietas DASH ricas em carboidratos reduziram PA e LDL, mas também HDL e não alteraram triglicerídeos, o que levantou questionamentos sobre seu impacto cardiovascular. No estudo OmniHeart, substituir carboidratos por proteínas (50% vegetais) ou gorduras insaturadas (principalmente monoinsaturadas) melhorou PA e perfil lipídico.

Samaha et al. mostraram que dieta low-carb reduziu peso em 6 meses comparado a dieta low-fat, mas a diferença desapareceu em 12 meses. Isso está em linha com Foster et al. O estudo Look AHEAD incorporou dieta low-fat hipocalórica (1.200-1.800 kcal/dia, < 30% de gorduras) + > 175 min/semana de atividade física. Apesar de não reduzir eventos cardiovasculares, resultou em perda de peso, melhora na aptidão cardiorrespiratória e controle glicêmico, com efeito atenuado ao longo do tempo.

Outro recurso é o treinamento físico. No estudo HART-D, combinação de exercício aeróbico e resistência reduziu HbA1c significativamente. Isoladamente, os métodos não foram eficazes. O grupo combinado também melhorou aptidão, massa gorda e circunferência abdominal.

Os efeitos cardiovasculares da intervenção dietética foram avaliados no estudo PREDIMED, com adultos com DM2 ou ≥3 fatores de risco CV. Grupos randomizados: dieta mediterrânea + azeite extravirgem; dieta mediterrânea + nozes; controle (dieta low-fat). Após 4,8 anos, os dois grupos mediterrâneos (41% da energia de gordura) tiveram menor risco de eventos CV comparado ao grupo controle (37% gordura).

Estágio 3: abordagem da doença cardiovascular subclínica

O Estágio 3 da síndrome CKM é caracterizado pela presença de doença cardiovascular subclínica em indivíduos com adiposidade excessiva ou disfuncional, fatores de risco metabólicos ou doença renal crônica.

O estudo DISCO-CT (Dietary Intervention to Stop Coronary Atherosclerosis in Computed Tomography) incluiu 97 pacientes submetidos à angiotomografia para avaliação de doença arterial coronariana suspeita, com achados de aterosclerose subclínica ou doença arterial coronária não obstrutiva com < 70% de estenose em pelo menos dois segmentos de artérias coronárias. Os participantes foram randomizados para intervenção DISCO-CT ou controle, ambos com terapia médica otimizada. Os participantes da intervenção receberam plano nutricional individualizado e 6 sessões de aconselhamento, com incentivo à adesão à dieta e aos objetivos de atividade física. A intervenção reduziu mais significativamente o volume de placas não calcificadas em comparação ao grupo controle, sendo que placas não calcificadas estão associadas a maior risco de eventos cardiovasculares.

Os benefícios cardiovasculares observados com o treinamento físico em estágios anteriores da síndrome CKM podem ser estendidos ao estágio 3, especialmente em indivíduos com risco elevado de desenvolver IC. Hieda et al avaliaram os efeitos do treinamento físico em indivíduos com hipertrofia ventricular esquerda, avaliada por ressonância magnética cardíaca ou ecocardiografia, além de biomarcadores cardíacos elevados. Os participantes alocados para o treinamento de alta intensidade receberam programas personalizados com treinador e monitor de frequência cardíaca. O grupo controle participou de aulas em grupo de yoga ou alongamento, ou exercícios domiciliares. Após 1 ano de seguimento, o grupo intervenção apresentou aumento da aptidão física e redução da rigidez miocárdica.

Estágio 4: abordagem da doença cardiovascular clínica

O Estágio 4 da síndrome CKM é caracterizado pela presença de doença cardiovascular clínica, como doença arterial coronária, acidente vascular cerebral, doença arterial periférica, insuficiência cardíaca ou fibrilação atrial, em indivíduos com adiposidade excessiva ou disfuncional, fatores de risco metabólicos e/ou doença renal crônica.

O Lyon Heart Study examinou os efeitos de uma dieta mediterrânea rica em ácido alfa-linolênico sobre eventos cardiovasculares em adultos com infarto do miocárdio recente. Os participantes da intervenção dietética receberam sessão educativa de 1 hora com ênfase em maior consumo de vegetais, pães, peixes, frutas diárias, menor consumo de carne vermelha e substituição de manteiga/creme por óleo de canola (semelhante ao azeite, porém com mais ácido linoleico e alfa-linolênico). O grupo controle recebeu apenas orientações gerais. A dieta mediterrânea reduziu em 73% o risco de morte cardiovascular ou infarto não fatal após média de 27 meses de seguimento. Estudos maiores como PREDIMED (prevenção primária) e Indo-Mediterranean Diet Heart Study apresentaram achados consistentes. O estudo CORDIOPREV confirmou os benefícios cardiovasculares da dieta mediterrânea versus dieta com baixo teor de gordura em 1.002 participantes com DAC estabelecida, com seguimento de 7 anos.

A substituição do sal convencional por substitutos com cloreto de potássio demonstrou benefícios adicionais. No Salt Substitute and Stroke Study, adultos com hipertensão e histórico de AVC ou idade ≥60 anos, o uso de sal com 75% cloreto de sódio e 25% cloreto de potássio reduziu em 14% o risco de AVC fatal ou não fatal, sem aumento significativo de hipercalemia clínica.

Pessoas com DAC estabelecida se beneficiam significativamente da reabilitação cardíaca, que inclui exercício e educação. A reabilitação reduz risco de infarto, hospitalizações e melhora a qualidade de vida. Em pacientes com angina estável e DAC, o exercício combinado com dieta pobre em gorduras reduziu isquemia e progressão da DAC versus cuidado usual. Outros RCTs de intervenções multifatoriais mostraram menor progressão da aterosclerose e menos eventos cardíacos. O EXCITE trial mostrou que o exercício aumenta o fluxo colateral coronariano, mas os impactos clínicos diretos ainda são investigados.

A intolerância ao exercício é uma queixa central na IC, tanto com fração de ejeção reduzida (ICFER) quanto preservada (ICFEP). O treinamento físico melhora significativamente a capacidade cardiorrespiratória em adultos com ICFER e também mostra benefícios em ICFEP. Em casos selecionados de ICFEP com obesidade e diabetes, a perda de peso é benéfica. No estudo SECRET, entre adultos com ICFEP e obesidade, a restrição calórica levou a melhoras similares na capacidade funcional que o treinamento aeróbico, e a combinação teve efeito aditivo.

Obesidade e inatividade física são fatores modificáveis para desenvolvimento de fibrilação atrial (FA). Em RCT conduzido por Abed et al, adultos com FA paroxística ou persistente e IMC >27 kg/m² (média de 33–34 kg/m²) receberam dieta muito hipocalórica e plano de exercícios, reduzindo sintomas e gravidade da FA. Treinamento físico intenso também reduziu sintomas em adultos com FA e IMC médio de 28 kg/m². Efeitos benéficos semelhantes foram observados em avaliações de longo prazo.

Principais informações

Estágio 0:

  • Educação alimentar + atividade física → ⬇ IMC em crianças
  • Exercício isolado → ⬇ IMC de forma modesta

Estágio 1

  • Restrição calórica → ⬇ peso corporal
  • Dieta pobre em gorduras + exercício físico → ⬇ risco de desenvolver diabetes tipo 2
  • Redução de sódio + perda de peso → ⬇ risco de hipertensão
  • Dietas com déficit calórico semelhante têm resultados similares a longo prazo, independentemente da composição de macronutrientes

Estágio 2

  • Dieta mediterrânea → ⬇ eventos cardiovasculares
  • Dieta DASH → ⬇ pressão arterial
  • Exercício aeróbico + resistência → ⬇ HbA1c (isoladamente não foi eficaz)
  • Dietas com proteínas ou gorduras insaturadas (vs. ricas em carboidratos) → ⬇ PA e melhora no perfil lipídico

Estágio 3

  • Dieta estilo DASH + atividade física → ⬇ volume de placas coronarianas não calcificadas
  • Exercício físico de alta intensidade → ⬇ rigidez do miocárdio

Estágio 4

  • Dieta mediterrânea → ⬇ >70% risco de eventos recorrentes em pós-infarto
  • Exercício + dieta pobre em gorduras → ⬇ isquemia miocárdica e progressão da DAC
  • Exercício intenso → ⬇ sintomas de fibrilação atrial
  • Caminhada de alta intensidade → ⬆ distância no teste de caminhada de 6 minutos (em pacientes com claudicação/PAD)
  • Sal com potássio → ⬇ risco de AVC (sem risco aumentado de hipercalemia)

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Referências bibliográficas

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