Apesar da anticoagulação reduzir significantemente o risco de fenômenos tromboembólicos, estudos randomizados e meta-análises mostram que, em pacientes com FA com CHA₂DS₂-VASc ≥ 2, o uso de anticoagulantes reduz a incidência anual de AVC isquêmico de aproximadamente 4% para cerca de 1,3–1,5% ao ano com anticoagulantes orais diretos (DOACs) e 1,5–2,2% ao ano com antagonistas da vitamina K, e esse risco é ainda maior em indivíduos com eventos isquêmicos prévios.
Estudo
Publicado recentemente no JAMA Neurology uma revisão sistemática e meta-análise sobre o risco residual de acidente vascular cerebral (AVC) recorrente em pacientes com fibrilação atrial (FA), apesar do tratamento com anticoagulantes orais. Com base nos resultados obtidos, os autores estimaram que aproximadamente 1 em cada 6 pacientes com FA e AVC prévio terá um novo AVC isquêmico nos cinco anos subsequentes e, entre aqueles que tiveram AVC apesar da anticoagulação, esse número sobe para quase 1 em cada 3, evidenciando um risco residual elevado mesmo com a melhor terapia atualmente disponível.
O estudo teve como objetivo quantificar o risco de AVC isquêmico recorrente em pacientes com FA e histórico prévio de AVC, com foco especial naqueles que tiveram um AVC mesmo sob uso de anticoagulação oral (stroke despite OAC). Foram incluídos 23 estudos envolvendo 78.733 pacientes e mais de 140 mil anos-pacientes de seguimento, com dados até janeiro de 2025. O desfecho primário foi AVC isquêmico recorrente e desfechos secundários a presença de qualquer tipo de AVC (isquêmico ou hemorrágico) e hemorragia intracerebral.
Os resultados mostraram que, mesmo com a utilização generalizada de anticoagulantes orais diretos (DOACs), o risco de recorrência de AVC em pacientes com FA permaneceu elevado. A análise agrupada de 23 estudos, mostrou uma incidência anual de AVC isquêmico recorrente de 3,75% (IC 95%: 3,17% – 4,33%), risco significativamente maior nas coortes observacionais (4,20% ao ano) em comparação com dados derivados de ensaios clínicos randomizados (2,26% ao ano). Em relação a qualquer tipo de AVC, a taxa anual foi de 4,88% (IC 95%: 3,87%–5,90%), a incidência de hemorragia intracerebral foi de 0,58% ao ano (IC 95%: 0,43%–0,73%). No subgrupo de pacientes que tiveram AVC apesar do uso de anticoagulação oral, a taxa anual de AVC isquêmico recorrente foi de 7,20% (IC 95%: 5,05%–9,34%), a taxa de qualquer AVC foi de 8,96% (IC 95%: 8,25%–9,67%), e o risco de hemorragia intracerebral alcançou 1,40% ao ano (IC 95%: 0,40%–2,40%).
Considerações
O estudo sugere que desfechos no mundo real são piores do que aqueles observados em estudos controlados e que o risco global de eventos cerebrovasculares recorrentes é relevante apesar da terapia de anticoagulação oral. As causas que podem justificar são multifatoriais e complexas. Entre as hipóteses possíveis levantadas estão a presença de idade avançada, presença de comorbidades, remodelamento atrial avançado e etiologias concorrentes (aterosclerose e doença de pequenos vasos). Outros aspectos relevantes seriam a baixa adesão ao tratamento, controle inadequado de fatores de risco e presença de processos biológicos não abordados pela anticoagulação (inflamação e atriopatia).
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Mensagem prática
O risco residual de eventos tromboembólicos é algo que deve ser lembrado na prática clínica. Além da prescrição da dose correta dos anticoagulantes orais, devemos ficar atentos aos fatores modificáveis que podem contribuir negativamente com o insucesso da anticoagulação.
Nesse sentido, é fundamental uma avaliação cuidadosa da adesão e um controle mais agressivo da hipertensão arterial sistêmica e da doença aterosclerótica. No mais, aguardemos novas evidências em relação ao uso de biomarcadores que possam ajudar na melhor estratificação do risco residual, como também em relação a publicação de novas evidências envolvendo intervenções complementares à anticoagulação, como a oclusão do apêndice atrial esquerdo, controle precoce do ritmo cardíaco e abordagens farmacológicas direcionadas à inflamação atrial.
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