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Cardiologia30 dezembro 2025

Revascularização completa x apenas do vaso culpado pós IAM em idosos com DRC 

Estudo avaliou se os benefícios da revascularização completa guiada por parâmetros fisiológicos são consistentes em pacientes idosos com IAM
Por Juliana Avelar

A doença renal crônica (DRC) é um fator de risco bem estabelecido para morbidade e mortalidade cardiovascular. Grandes estudos de demonstraram uma associação independente entre declínio da função renal e desfechos cardiovasculares adversos. Pacientes com DRC apresentam maior prevalência de doença arterial coronariana, aterosclerose acelerada e calcificação vascular, fatores que contribuem para maior risco de infarto do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral. Além disso, a DRC complica a tomada de decisão clínica relacionada a intervenções invasivas devido ao maior grau de calcificação vascular, maior complexidade dos procedimentos e aumento do risco de complicações periprocedimento, como lesão renal aguda associada ao contraste.  O estudo FIRE (Functional Assessment in Elderly MI Patients with Multivessel Disease) randomizou pacientes idosos com IAM e doença multiarterial, para revascularização completa guiada por fisiologia ou estratégia apenas do vaso culpado. O ensaio demonstrou que a revascularização completa reduziu significativamente eventos isquêmicos.   

A subanálise de hoje avaliou o papel prognóstico da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) a fim de determinar se os benefícios da revascularização completa guiada por fisiologia são consistentes entre diferentes estágios de DRC.  

Sobre o FIRE

O FIRE foi um estudo multicêntrico, randomizado, que comparou a eficácia da revascularização miocárdica completa guiada por avaliação fisiológica com uma estratégia apenas do vaso culpado em idosos com IAM e doença multiarterial. Pacientes randomizados para revascularização completa guiada por fisiologia realizaram avaliação funcional das lesões não culpadas. Todas as lesões consideradas funcionalmente significativas foram tratadas. Em contraste, pacientes alocados à estratégia apenas do vaso culpado não foram submetidos à revascularização das lesões não culpadas. Ambos os grupos receberam terapia médica otimizada conforme diretrizes. 

Os critérios de elegibilidade incluíram: idade ≥75 anos, admissão por IAM com ou sem supradesnivelamento do segmento ST, ICP bem-sucedida da lesão culpada e presença de pelo menos uma lesão não culpada em artéria coronária com diâmetro ≥2,5 mm e estenose de 50% a 99%. Critérios de exclusão incluíram incapacidade de identificar uma lesão culpada claramente, presença de lesão não culpada no tronco da coronária esquerda, revascularização cirúrgica planejada ou prévia, e expectativa de vida <1 ano. 

A função renal pré-admissão foi avaliada sistematicamente durante a hospitalização índice, antes da exposição ao contraste, sendo registrada no formulário eletrônico do estudo. A TFGe foi calculada pela fórmula CKD-EPI. 

Devido ao número limitado de eventos em alguns subgrupos, estágios 4–5 (TFGe < 30 mL/min/1,73 m²) foram agrupados em todas as análises. Para comparar revascularização completa vs vaso culpado, a população foi estratificada em 2 grupos: função renal normal (TFGe ≥ 60 mL/min/1,73 m²) e função renal reduzida (TFGe <60 mL/min/1,73 m²).  

O desfecho primário foi um composto de morte, IM, AVC ou revascularização coronária motivada por isquemia. Um desfecho secundário chave foi o composto de morte cardiovascular ou IM em 3 anos. Outros desfechos incluíram os componentes individuais do desfecho primário e sangramentos BARC tipos 3, 4 ou 5. A ocorrência de lesão renal aguda também foi avaliada.  

Resultados 

O estudo incluiu 1.445 pacientes idosos com IAM. No total, 662 pacientes (45,8%) apresentavam TFGe <60 mL/min/1,73 m², enquanto 783 (54,2%) tinham TFGe ≥60 mL/min/1,73 m². Pacientes com TFGe reduzida eram significativamente mais idosos e tinham maior prevalência de hipertensão, diabetes, doença arterial periférica e fibrilação atrial, além de maior frequência de IAM prévio.  

Pacientes com estágios mais avançados de doença renal apresentaram aumento progressivo no risco do desfecho primário. O hazard ratio aumentou de forma escalonada do estágio KDIGO 3a para os estágios KDIGO 4-5, indicando associação significativa entre piora da função renal e maior risco de eventos adversos. Achados semelhantes foram observados para o desfecho secundário.  

Observou-se menor incidência de eventos adversos maiores no grupo de revascularização completa em todos os estratos de função renal. A revascularização completa guiada por fisiologia reduziu o desfecho primário em pacientes com TFGe <60 mL/min/1,73 m² e tendeu a reduzi-lo em pacientes com TFGe ≥60 mL/min/1,73 m², sem efeito de interação significativo.  

Entre os 1.445 pacientes, 245 (17,0%) desenvolveram lesão renal aguda associada ao contraste (CA-AKI). A incidência de CA-AKI foi maior em pacientes com TFGe <60 mL/min/1,73 m² e aumentou progressivamente ao longo dos estágios KDIGO, com taxas significativamente maiores nos pacientes com disfunção renal mais avançada. Pacientes que desenvolveram CA-AKI apresentaram risco significativamente maior do desfecho composto primário em 3 anos.  

Os achados dessa subanálise confirmaram que a piora da função renal se associa a aumento progressivo do risco de eventos cardiovasculares adversos. Pacientes com função renal comprometida apresentaram taxas significativamente maiores do desfecho primário composto, além de maior mortalidade cardiovascular, infarto do miocárdio e mortalidade por todas as causas. Esses achados são consistentes com estudos prévios identificando a DRC como forte fator de risco cardiovascular, mediado por inflamação crônica, calcificação vascular e aterosclerose acelerada. 

Importante destacar a demonstração de que o benefício da revascularização completa guiada por fisiologia é consistente em todos os níveis de função renal. Embora não tenha sido detectada interação estatisticamente significativa entre TFGe e estratégia de tratamento, o benefício absoluto da revascularização completa pareceu ainda mais pronunciado em pacientes com comprometimento renal, grupo com risco basal maior. Esse achado tem implicações clínicas importantes: apesar da hesitação tradicional em realizar revascularização completa em pacientes com DRC devido ao risco de procedimentos complexos ou nefropatia induzida pelo contraste, esses dados apoiam sua realização mesmo nesse grupo de alto risco. Quando guiada adequadamente por fisiologia, a revascularização completa oferece efeito protetor claro, sem evidência de benefício reduzido em pacientes com disfunção renal. 

Limitações 

Primeiro, embora esta seja uma subanálise pré-especificada de um ensaio randomizado, as análises relacionadas à função renal são observacionais e sujeitas a confundimento residual. Segundo, embora a TFGe tenha sido avaliada pelo método padronizado CKD-EPI na admissão, não foram consideradas flutuações da função renal durante a internação. Terceiro, o número de pacientes com DRC avançada (estágios KDIGO 4-5) foi relativamente pequeno, limitando poder estatístico nesse subgrupo. Por fim, análises de desfechos secundários são exploratórias e apenas geradoras de hipótese, devendo ser interpretadas com cautela. 

Revascularização completa x apenas do vaso culpado pós IAM em idosos com DRC 

Conclusão: revascularização completa x apenas do vaso culpado 

Os resultados dessa subanálise reforçam que a função renal permanece um determinante prognóstico central em pacientes idosos com infarto do miocárdio e doença multiarterial. Pacientes com taxa de filtração glomerular reduzida apresentam risco substancialmente maior de eventos cardiovasculares, incluindo morte cardiovascular. Apesar disso, a presença de doença renal crônica não deve contraindicar a revascularização completa, já que essa estratégica demonstrou benefício consistente em todos os níveis de função renal.  

Vale destacar que a lesão renal aguda associada ao contraste emergiu como um marcador prognóstico crítico, independentemente da estratégia de revascularização, reforçando a importância de estratégias preventivas, como minimização do volume de contraste, otimização da hidratação e cautela com nefrotóxicos.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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Referências bibliográficas

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