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Cardiologia25 julho 2025

Relação da PCR ultrassensível com placas vulneráveis de alto risco após IAMSSST

Estudo investigou a associação entre níveis basais de hsCRP e a prevalência de características de placas de alto risco não obstrutivas e aos eventos cardiovasculares
Por Juliana Avelar

A inflamação é central no desenvolvimento e progressão da aterosclerose, estando associada a um risco aumentado de eventos cardiovasculares, independentemente dos níveis de colesterol. A proteína C-reativa de alta sensibilidade (hsCRP) é um reagente de fase aguda que atua como marcador de inflamação sistêmica. No estudo CANTOS, o anticorpo monoclonal seletivo contra a interleucina-1β, canaquinumabe, reduziu os níveis de hsCRP e os eventos cardiovasculares.

Em uma subanálise do CANTOS, pacientes tratados com canaquinumabe que alcançaram concentrações de hsCRP < 2 mg/L apresentaram uma redução de 31% tanto na mortalidade cardiovascular quanto na mortalidade por todas as causas. Por outro lado, essa redução não foi observada em indivíduos tratados com canaquinumabe que mantiveram concentrações de hsCRP ≥ 2 mg/L.

Como marcador de inflamação sistêmica, a hsCRP pode ser utilizada para triagem e reclassificação de risco em pacientes com doença cardiovascular. Em um estudo com 502 pacientes com doença arterial coronariana documentada por angiografia, randomizados para tratamento com estatinas em intensidade moderada ou alta, a ultrassonografia intravascular (IVUS) foi realizada na linha de base e repetida após 18 meses. A redução dos níveis de hsCRP durante o seguimento correlacionou-se de forma independente com a regressão do volume de ateroma.

Em outro estudo utilizando IVUS em pacientes com síndrome coronariana aguda ou angina estável, níveis basais de CRP > 3 mg/L associaram-se a eventos cardiovasculares maiores (MACE) durante 12 meses de seguimento.

Hoje o destaque é para o estudo PROSPECT II, publicado recentemente no JACC, o qual mostrou que a combinação de espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS) e IVUS foram capazes de identificar lesões coronarianas não obstrutivas (placas vulneráveis) responsáveis por desfechos cardíacos adversos futuros.

O objetivo desta subanálise do PROSPECT II foi investigar se os níveis basais de hsCRP estavam associados à prevalência de características de placas de alto risco não obstrutivas e aos eventos cardiovasculares futuros.

Métodos

O PROSPECT II foi um estudo prospectivo, multicêntrico, patrocinado por investigadores, que recrutou pacientes em 14 centros de 3 países.

Foram incluídos pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (STEMI) ou sem supradesnivelamento do segmento ST (NSTEMI), ocorrido nas últimas 4 semanas, após intervenção coronária percutânea (ICP) bem-sucedida de todas as lesões limitantes de fluxo.

A coleta de amostras de sangue, incluindo hsCRP, foi realizada na linha de base. A avaliação fisiológica das lesões foi realizada em todas as lesões não culpadas (NCLs) não tratadas, com estenose visual ≥ 40%, que poderiam ter revascularização adiada. Lesões hemodinamicamente significativas foram tratadas com implante de stent.

A imagem intravascular foi então realizada nos 6 a 10 cm proximais de todas as três artérias coronárias, utilizando um cateter combinado NIRS e IVUS.

Todos os pacientes foram acompanhados clinicamente aos 1, 6 e 12 meses, e anualmente depois, por uma mediana de 3,7 anos

As análises angiográficas foram realizadas em todas as lesões com estenose de diâmetro ≥ 30% em cada vaso epicárdico e em ramos com diâmetro ≥ 1,5 mm, utilizando um algoritmo automatizado de detecção de bordas.

Lesões culpadas foram definidas como os segmentos tratados, incluindo 5 mm proximal e distal às bordas do stent. Lesões não culpadas (NCLs) foram definidas por IVUS como segmentos não tratados com carga de placa ≥ 40% e comprimento ≥ 2 mm.

Desfechos

O principal objetivo deste estudo foi descrever a associação entre os níveis basais de hsCRP e a morfologia das placas não culpadas.

Como a PCR frequentemente se eleva de forma acentuada após STEMI, esta análise incluiu apenas pacientes com infarto sem supradesnivelamentoST.

Com base em estudos prévios e nas recomendações dos Centers for Disease Control e da American Heart Association, os níveis de hsCRP foram categorizados como:

  • Baixo: < 1 mg/L
  • Intermediário: ≥ 1 a ≤ 3 mg/L
  • Alto: > 3 mg/L

Foram analisadas as associações da hsCRP com dois tipos distintos de morfologia de NCL de alto risco:

  1. Presença de pelo menos uma característica focal de alto risco (maxLCBI4mm ≥ 324,7, carga de placa ≥ 70%, área luminal mínima ≤ 4 mm ou combinação dessas características).
  2. Extensão média da aterosclerose pancoronária (LCBI total e percentual de volume de placa por paciente).

Além disso, foram avaliadas as associações entre hsCRP basal e MACE, definido como o desfecho composto de morte cardíaca, infarto do miocárdio (IM), angina instável ou angina progressiva que exigiu revascularização ou que apresentou progressão rápida da lesão. Esta última foi definida como um aumento na estenose do diâmetro, medido por angiografia quantitativa, ≥ 10%, com uma estenose absoluta ≥ 50% no angiograma de seguimento em comparação com o angiograma basal, ou a presença de nova trombose, ulceração, aneurisma ou flap intimal no angiograma de seguimento (independentemente da progressão da estenose).

Resultados

Entre junho de 2014 e dezembro de 2017, 902 pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) recente foram recrutados. Após a exclusão de 199 pacientes com STEMI, 198 pacientes sem hsCRP basal e 4 pacientes sem imagem das lesões não culpadas, a população final deste estudo foi composta por 501 pacientes com NSTEMI.

A mediana de idade foi de 63 anos. Mulheres representaram 17,4% da amostra (n=87) e 15,2% (n=76) tinham diabetes mellitus.

O valor mediano de hsCRP basal foi de 3,1 mg/L.

Houve diferenças nas características basais entre os grupos de hsCRP. O índice de massa corporal (IMC) foi progressivamente maior nos grupos com hsCRP mais elevado, assim como a prevalência de tabagismo atual ou recente e de história de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório. Por outro lado, infarto prévio e angioplastia prévia foram mais comuns entre os pacientes com hsCRP baixo.

O número de leucócitos foi maior com hsCRP elevado, enquanto os níveis de HDL-colesterol foram inversamente proporcionais ao hsCRP. As medicações na alta hospitalar seguiram as diretrizes e a adesão permaneceu alta aos 2 anos.

Relação da PCR ultrassensível com placas vulneráveis de alto risco após IAMSSST

Associação entre hsCRP e placa de alto risco

O percentual de pacientes com pelo menos uma NCL contendo um índice lipídico máximo (maxLCBI4mm) ≥ 324,7 aumentou proporcionalmente ao nível de hsCRP.

Da mesma forma, a presença combinada de duas características de alto risco — maxLCBI4mm ≥ 324,7 e burden de placa ≥ 70% — também foi mais prevalente nos grupos com hsCRP elevado.

Por outro lado, a mínima área luminal (MLA) isolada, ou combinada com outros critérios de alto risco, não apresentou associação com os níveis de hsCRP.

Na análise multivariada, cada aumento de 1 unidade no logaritmo de hsCRP se associou a um aumento de 33% na chance de apresentar pelo menos uma NCL altamente lipídica.

Foi visto também que um aumento de 1 unidade no logaritmo do hsCRP foi associado a um incremento de 10 unidades no LCBI total normalizado (p=0,002), refletindo maior carga lipídica difusa nas artérias coronárias. Além disso, hsCRP mais alto também se associou a um aumento no volume total de placa (p=0,02).

Associação entre hsCRP e eventos adversos relacionados a NCL (NCL-MACE)

Na análise não ajustada, a taxa de eventos cardiovasculares maiores (MACE) relacionados às NCLs não tratadas, ao longo de 4 anos, não diferiu significativamente entre os grupos de hsCRP:

Sendo assim, hsCRP elevada se associa de forma robusta a maior prevalência de placas de alto risco, com alto conteúdo lipídico e elevado burden, bem como com maior carga lipídica total coronária e maior volume de placa.

Apesar disso, a hsCRP elevada não se associou de forma independente a eventos isquêmicos oriundos de lesões não tratadas.

Limitações do estudo

Primeiro, a PCR foi analisada localmente nos hospitais participantes, em vez de ser processado em um laboratório centralizado. Além disso, as amostras basais foram coletadas em momentos variados em relação ao início dos sintomas. Considerando que os níveis de hsCRP são dinâmicos após uma síndrome coronariana aguda e que apenas uma amostra estava disponível por paciente, essas questões representam limitações importantes deste estudo.

Segundo, a hsCRP pode não ser o marcador mais específico da inflamação associada a eventos cardiovasculares. Uma caracterização mais detalhada da ativação imune poderia ser obtida por meio da análise de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina-1 beta (IL-1β), interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).

Adicionalmente, como em qualquer estudo observacional, não se pode excluir a possibilidade de confusão residual.

Conclusões 

Os achados reforçam a associação entre inflamação, formação de placas de alto risco e risco cardiovascular futuro. Entre pacientes com NSTEMI recente, níveis elevados de hsCRP basal estiveram independentemente associados tanto à aterosclerose de alto risco de distribuição pancoronária, quanto à presença de placas vulneráveis focais de alto risco.

A inflamação sistêmica, refletida pela hsCRP, parece promover um fenótipo de aterosclerose mais vulnerável anatomicamente, porém a tradução disso em risco clínico de eventos depende de fatores adicionais, não completamente capturados pelo estado inflamatório isolado.

A avaliação rotineira do risco inflamatório, associada à análise das características das placas não tratadas por meio de imagem intracoronária, oferece informações prognósticas adicionais, que vão muito além dos fatores de risco tradicionais.

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Referências bibliográficas

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