O implante valvar aórtico transcateter (TAVI) é um tratamento eficaz e amplamente utilizado para pacientes com estenose aórtica grave. O AVC relacionado com procedimento continua sendo uma complicação imprevisível que aumenta o risco de morte e reduz a chance de retorno à independência funcional. O AVC, nesses casos, pode ser causado por embolia, hemorragia ou colapso cardiovascular com hipoperfusão cerebral.
Os dispositivos de proteção embólica cerebral (CEP) são projetados para evitar que fragmentos liberados durante o procedimento cheguem até o cérebro, reduzindo, assim, o risco de AVC embólico. O dispositivo Sentinel CEP (Boston Scientific) é o único atualmente aprovado para uso clínico nos Estados Unidos e na Europa.
O estudo PROTECTED TAVI investigou o uso de CEP para prevenir AVC nesse cenário e incluiu 51 centros da América do Norte, Europa e Austrália. A inclusão de pacientes foi encerrada após o recrutamento de 3.000 participantes, de acordo com critérios pré-especificados de interrupção, mas a incidência de AVC foi menor que a esperada. A incidência de AVC em até 72 horas não diferiu significativamente entre o grupo CEP e o grupo controle, mas AVC incapacitante ocorreu em menos pacientes designados ao grupo CEP. Assim, o potencial efeito da CEP sobre o AVC justificou uma nova avaliação.
Por isso, hoje vamos abordar um novo estudo (BHF PROTECT-TAVI) publicado recentemente no NEJM, que buscou responder se o uso rotineiro de CEP nos procedimentos de TAVI reduziria a incidência de AVC clínico.
Métodos
Estudo prospectivo, multicêntrico, aberto, randomizado e controlado, com adjudicação cega dos desfechos. Foram incluídos pacientes com estenose aórtica que estavam agendados para TAVI e que, na opinião do médico responsável, eram clinicamente e anatomicamente elegíveis para o uso do dispositivo Sentinel CEP. Os participantes foram randomizados na proporção 1:1 para realizar TAVI com CEP (grupo CEP) ou sem CEP (grupo controle).
Procedimentos do Estudo
O dispositivo Sentinel CEP é geralmente inserido por via percutânea através da artéria radial direita e posiciona filtros na artéria carótida comum esquerda (filtro distal) e na artéria inominada direita (filtro proximal). Os centros clínicos foram considerados aptos para inclusão após treinamento padronizado no uso do dispositivo. Um total de 13 centros já utilizava o dispositivo Sentinel na prática clínica antes do início do estudo. Centros sem experiência prévia receberam treinamento clínico padrão com o fornecimento de 10 dispositivos para essa finalidade.
Não foi exigido exame anatômico prévio do arco aórtico, e a elegibilidade do paciente para inclusão no estudo foi determinada a critério do médico responsável. A implantação completa do dispositivo CEP foi definida como o posicionamento correto de ambos os filtros durante toda a duração do procedimento de TAVI.
A sobrevida livre de AVC após TAVI foi avaliada por meio do Questionário para Verificação de Estado Livre de AVC (Questionnaire for Verifying Stroke-Free Status), aplicado diariamente nas primeiras 72 horas ou até a alta hospitalar.
Desfechos
O desfecho primário foi AVC dentro de 72 horas após o procedimento de TAVI ou antes da alta hospitalar (se a alta ocorresse antes).
Vale destacar que AVC não foi definido apenas por imagem. Foi definido como um novo ou agravado déficit neurológico focal ou global de origem vascular presumida, seja isquêmico ou hemorrágico, que ocorresse após a randomização e que persistisse por mais de 24 horas ou levasse à morte dentro de 24 horas após o início dos sintomas.
Desfechos secundários incluíram morte por qualquer causa; um composto de morte por qualquer causa ou AVC; um composto de morte por qualquer causa, AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT); e complicações vasculares no local de acesso de acordo com os critérios do Valve Academic Research Consortium (VARC-2). Complicações no local de acesso também foram avaliadas entre 6 e 8 semanas após o procedimento de TAVI.
Resultados
Foram randomizados 3.798 participantes no grupo CEP e 3.803 no grupo controle. A idade média dos participantes foi de 81,2±6,5 anos, e 38,7% eram mulheres.
O EUROSCORE médio foi de 2,4%. Sobre as comorbidades: 68% de hipertensão, 20% de diabetes, 8% de AIT, 6% de AVC prévio, 33% de doença coronariana, 13% de insuficiência cardíaca, 33% de fibrilação atrial, 33,5% de doença vascular periférica. O gradiente médio foi de 43 mmHg. A calcificação severa do anel aórtico foi observada em quase a metade dos pacientes.
AVC dentro de 72 horas após o TAVI ou antes da alta hospitalar (desfecho primário) ocorreu em 81 de 3.795 participantes (2,1%) no grupo CEP e em 82 de 3.799 participantes (2,2%) no grupo controle, sem diferença significativa. Não houve diferença também nas incidências de AVC grave, AVC incapacitante ou morte.
AVC incapacitante entre 6 e 8 semanas após o TAVI ocorreu em 1,2% no grupo CEP e em 1,4% no grupo controle. Morte por qualquer causa ocorreu em 0,8% no grupo CEP e em 0,7% no grupo controle. Morte dentro de 8 semanas após o procedimento ocorreu em 2,1% no grupo CEP e em 1,9% no grupo controle.
Eventos Adversos
As complicações clínicas e eventos adversos pareceram ser semelhantes entre os grupos (0,6% no grupo CEP e 0,3% no grupo controle). Complicações no local de acesso antes da alta hospitalar ocorreram em 304 de 3.772 participantes (8,1%) no grupo CEP e em 290 de 3.776 participantes (7,7%) no grupo controle.
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Limitações
O estudo foi conduzido durante a pandemia de covid-19, o que afetou a atividade de pesquisa clínica no Reino Unido. A maioria dos participantes do nosso estudo era branca, e houve sub-representação de participantes de grupos raciais ou étnicos minoritários (asiáticos, negros, mestiços ou outros).
Conclusão
O uso rotineiro do dispositivo de proteção cerebral não reduziu a incidência de AVC em até 72 horas após implante de TAVI, resultado esse consistente com o estudo previamente publicado.
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