As doenças cardiovasculares (CV) constituem a maior causa de morte e incapacidade no mundo1. Entre os fatores de risco chamados “clássicos”, encontram-se o diabetes mellitus (DM), hipertensão, tabagismo, dislipidemia, idade e história familiar (sendo os quatro primeiros os chamados fatores de risco modificáveis). Diversos escores de risco CV têm sido desenvolvidos no sentido de se estimar o risco de eventos CV e, com isso, delinear melhor as estratégias de prevenção e rastreamento. Porém, será que existiria um escore global de avaliar a saúde, e não o risco, do ponto de vista CV?
Pensando nisso, um painel de especialistas organizados pela American Heart Association criou uma pontuação capaz de avaliar e mensurar a saúde CV de um indivíduo2. Essa pontuação, ou “8 essenciais”, consiste em 4 domínios compreendendo medidas antropométricas/laboratoriais e 4 domínios compreendendo hábitos de vida. São eles: pressão arterial (PA), peso, glicemia e colesterol não HDL (4 medidas), tabagismo, atividade física, dieta e sono (4 hábitos). Apesar de serem componentes importantes, fatores psicossociais e determinantes socioeconômicos não foram incorporados na pontuação pelo painel, embora se reconheça sua influência potencial sobre todos os domínios (ex: indivíduos deprimidos tendem a se exercitar menos e dormir pior; pessoas em situação de pobreza ou vulnerabilidade tendem a ter dietas inadequadas e menos acesso à atenção em saúde para controle de PA e glicemia, etc). Para cada um desses itens, é dada uma pontuação de 0 a 100, sendo ao total a soma de todos os itens. Seguem alguns detalhamentos (vide Tabela):
Dieta
Recomenda-se a dieta estilo DASH (Dietary Approach to Stop Hypertension), sendo a pontuação a depender de quanto se segue tal padrão. A dieta DASH consiste basicamente em dieta rica em frutas e verduras, grãos inteiros e carne de peixe, além de pobre em sódio e bebidas açucaradas.
Exercício
São recomendados como padrão-ouro de boa saúde CV (portanto, pontuação máxima no escore) pelo menos 150 minutos por semana de atividade física no mínimo moderada. Em crianças e adolescentes, a recomendação mínima é de 420 minutos por semana, em virtude das particularidades neste grupo etário. Importante lembrar que indivíduos que se exercitam pouco numa idade jovem têm menor probabilidade de se engajarem em atividade física regular à medida que envelhecem, razão pela qual é importante se incentivar tal hábito precocemente.
Tabagismo
Como esperado, a recomendação é de total abstinência de exposição à nicotina, incluindo cigarros eletrônicos e fumo passivo. Indivíduos que pararam de fumar há mais de 5 anos ganham maior pontuação em relação aos fumantes ativos e os que pararam < 5 anos, mais um motivo pelo qual a intervenção precoce deve ser encorajada.
Sono
Pela sua proximidade com saúde CV, incluindo PA, resistência à insulina e eventos isquêmicos CV, o sono foi incorporado como métrica no último guideline. São recomendados 7 a 9 horas diárias de sono em adultos. Embora não esteja contemplada na pontuação pelo seu caráter muito subjetivo, a qualidade do sono também importa. Nesse sentido, não só perguntar quanto o indivíduo dorme por noite, mas também é importante saber se o sono é ou não reparador e rastrear possíveis sinais de apneia do sono.
Pressão arterial (PA)
O nível considerado ótimo de PA em adultos é < 120/80 mmHg, embora não se sabe ao certo se o tratamento farmacológico é benéfico a qualquer indivíduo com níveis acima destes. Pacientes que estão sob tratamento têm um desconto na pontuação. Ou seja, é mais saudável quem tem PA ótima como característica “natural” em relação a quem a atingiu somente após tratamento medicamentoso, razão pela qual a prevenção da hipertensão tem um caráter importantíssimo.
Glicemia
A pontuação máxima é dada para indivíduos sem história de DM e que tenham glicemia de jejum < 100 mg/dL e hemoglobina glicada (HA1c) < 5,7%. Devido à sua importância no diagnóstico dos distúrbios do metabolismo glicêmico, a HbA1c foi incorporada ao guideline mais recente. Assim como para a PA, ainda é incerto se o tratamento do DM visando a um alvo de HbA1c normal é benéfico (embora este panorama possa mudar com o advento dos novos medicamentos antidiabéticos capazes de reduzir risco CV).
IMC
O valor considerado como meta para boa saúde CV é de < 25 kg/m2 (em crianças e adolescentes deve-se considerar o percentil para cada faixa etária). O painel não faz observação alguma sobre peso muito baixo, apesar da associação bem estabelecida com maior mortalidade ser observada nos dois extremos de IMC.
Colesterol
Em virtude da facilidade de medida, pouca influência pelo jejum e indicação indireta do colesterol LDL quando este não pode ser estimado com acurácia, o guideline optou por recomendar como métrica o colesterol não-HDL. A pontuação ideal é < 130 mg/dL (isso não quer dizer que este seja o alvo terapêutico, que está muito mais relacionado ao risco CV global e à presença de doença aterosclerótica subclínica).
Diante dessas recomendações, múltiplas facetas podem ser trabalhadas na busca de tais metas. Importante que o guideline ressalta o papel das comunidades e políticas públicas além do profissional de saúde propriamente dito. Por exemplo, intervenções como controle de sódio em comunidades e cuidados à hipertensão em locais de grande frequentação, como barbearias, já se mostraram eficazes no controle dos fatores de risco e redução de eventos CV3,4. Apesar de a métrica em si não ser prefeita, já é um caminho no sentido de se reforçar a intervenção e prevenção em estágios da vida quando as doenças ou fatores de risco CV e suas graves consequências ainda sequer ocorreram. Futuras pesquisas devem refinar tais métricas, quais intervenções são mais úteis e como elas se associam ao risco CV ao longo da vida.
Tabela. As oito métricas para se alcançar a saúde cardiovascular ideal. DASH = dietary approach to stop hypertension; HbA1c = hemoglobina glicada 5
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