A síncope é uma síndrome clínica associada à perda transitória da consciência e representa aproximadamente 1% a 2% das apresentações em departamentos de emergência (DE).
Profissionais de saúde precisam diagnosticar e estratificar o risco dessa população para identificar pacientes com maior risco de eventos cardiovasculares ou morte. Acontece que os exames diagnósticos têm baixo rendimento e frequentemente não identificam a etiologia subjacente. Como resultado, as taxas de internação hospitalar por síncope são altos, o que resulta em custos significativos de saúde, com 36,6% dos pacientes ainda recebendo alta sem um diagnóstico.
A monitorização prolongada do ECG de forma externa é frequentemente realizada em casos de síncope inexplicada e é recomendada quando há suspeita de síncope de origem arrítmica. Tecnologias de monitorização comumente utilizadas incluem o Holter e os registradores implantáveis de eventos (ILRs). No entanto, o acesso a esses serviços costuma ser demorado.
Há evidências crescentes de que a maioria dos eventos arrítmicos em pacientes de risco moderado a alto pode ser identificada em até 15 dias após a apresentação inicial ao DE por síncope e, portanto, a monitorização deve ser iniciada o mais próximo possível da visita inicial.
Novos monitores cardíacos ambulatoriais são não invasivos, resistentes à água, sem fios ou cabos. O estudo randomizado e controlado ASPIRED é o primeiro estudo de grande porte a aplicar um desses dispositivos imediatamente após o episódio de síncope (ou seja, ainda no DE) e realizar a monitorização por um período prolongado (duas semanas).
O estudo recrutou 2.234 adultos com 16 anos ou mais que se apresentaram com síncope ainda inexplicada após avaliação inicial. O objetivo primário era determinar se a intervenção reduzia o número de episódios de síncope autorreferidos após 1 ano, em comparação com a monitorização padrão. O estudo também avaliará se a estratégia aumenta a detecção e o diagnóstico em comparação com a prática convencional.
A hipótese do ASPIRED era de que aplicar a monitorização cardíaca contínua precocemente, na visita inicial, seria a melhor estratégia para detectar, diagnosticar, tratar e excluir arritmias cardíacas subjacentes em pacientes com síncope inexplicada. O grupo controle recebeu o cuidado padrão para pacientes com síncope inexplicada em cada centro participante, incluindo alguma forma de monitorização convencional local, como telemetria com fio, Holter ou ILR.
O objetivo do presente estudo foi explorar a usabilidade e aceitabilidade da intervenção de monitorização ambulatorial tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde.
Métodos
Este estudo qualitativo coletou dados por meio de entrevistas telefônicas semiestruturadas individuais. Foram recrutados pacientes e profissionais de saúde de quatro departamentos de emergência do NHS do Reino Unido (dois na Escócia e dois na Inglaterra). A coleta de dados ocorreu entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2024, por meio de entrevistas telefônicas semiestruturadas.
Resultados
Foram recrutados 43 participantes de 4 hospitais (2 na Inglaterra e 2 na Escócia). Desses, 30 (69,8%) completaram as entrevistas (20 pacientes, 10 profissionais de saúde – HCPs), 12 (27,9%) não puderam ser contatados para agendar a entrevista e 1 (2,3%) recusou participar após o contato. A maioria dos pacientes participantes era do sexo masculino (n=13, 65%), com idade mediana de 66 anos (IQR 17), e 60% (n=12) relataram apenas um episódio de síncope. Um paciente relatou mais de cinco eventos sincopais. Entre os profissionais de saúde, havia 2 médicos consultores da emergência (20%), 5 médicos residentes em emergência (50%), 1 residente em medicina interna (10%) e 2 associados médicos (20%).
Tema principal 1: eficácia
O tema da eficácia reflete as percepções de pacientes e profissionais de saúde sobre o quão efetiva foi a intervenção na melhoria do manejo da síncope.
O manejo da síncope foi frequentemente descrito pelos profissionais como semelhante à resolução de um quebra-cabeça. Apesar do uso universal de diretrizes ou protocolos para nortear decisões clínicas, os HCPs relataram que decisões como admissão ou alta hospitalar nem sempre são diretas. Acreditavam que a aplicação de um dispositivo de monitoramento prolongado ambulatorial antes da alta poderia melhorar significativamente a tomada de decisão clínica, a continuidade do cuidado e a experiência do paciente, além de acelerar o seguimento, quando necessário.
Tranquilidade para o paciente
Os pacientes dos grupos controle e intervenção expressaram uma gama de emoções em relação à síncope e à visita ao pronto-socorro, com predominância de preocupação quanto à gravidade da causa subjacente e à possibilidade de novos episódios. Pacientes do grupo controle relataram medo persistente de novos episódios após a alta, devido à ausência ou demora no início do monitoramento contínuo, além de uma sensação de que os profissionais de saúde não estavam preocupados com sua condição. Esse medo foi menos presente no grupo intervenção, pois havia a percepção de que receberiam ajuda mais rapidamente do que se dependessem exclusivamente do médico de atenção primária.
Pacientes e profissionais concordaram que o fornecimento imediato do monitoramento antes da alta transmitia a mensagem de que os profissionais estavam levando sua condição a sério, e que qualquer novo evento seria registrado, facilitando o diagnóstico e, potencialmente, prevenindo complicações graves.
Necessidade de um protocolo definido
Apesar de reconhecerem os benefícios do monitoramento ambulatorial, os profissionais expressaram preocupação com o impacto na rotina de trabalho, caso fosse implementado em larga escala. A principal preocupação era que o sucesso da intervenção pudesse levar à sobrecarga de recursos, comprometendo sua eficácia.
Tema principal 2: carga
Pacientes que utilizaram o monitor relataram que, em geral, era fácil de usar, embora alguns tenham achado que o dispositivo ficava muito alto no pescoço, tornando-o bastante visível e, em um caso, desconfortável. No entanto, para a maioria, o dispositivo era discreto e não interferia nas atividades cotidianas.
Integração ao fluxo de trabalho atual
Os profissionais consideraram como a intervenção se encaixaria no fluxo de trabalho atual. Acreditavam que colocar e explicar o uso do dispositivo durante a conversa de alta por síncope seria factível, levando tempo equivalente à prescrição de medicamentos e orientações de alta. No entanto, destacaram que tarefas associadas ao dispositivo, como documentação, localização do equipamento e carregadores, poderiam demandar mais recursos.
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Tema principal 3: comunicação e educação
A maioria dos pacientes dos grupos controle e intervenção relatou falta de envolvimento no departamento de emergência (ED) em relação aos exames realizados, discussões sobre o plano de cuidados e decisões de alta. Um paciente relatou ter ouvido que seria liberado para casa enquanto os HCPs, atrás da cortina do seu leito, discutiam que não havia leitos disponíveis para internação. Essa falta de envolvimento também foi sentida na percepção de ausência de orientações adequadas no momento da alta.
Todos os pacientes do grupo intervenção relataram ter recebido instruções verbais sobre o dispositivo. Para alguns, isso ocorreu pessoalmente antes da alta do ED; para outros, por telefone, após o envio do dispositivo para o domicílio. Independentemente do modo de comunicação, os participantes da intervenção sentiram-se, em geral, suficientemente informados verbalmente, e não foram observadas diferenças relevantes na aceitabilidade entre os métodos de entrega da informação.
No entanto, o material escrito em forma de folheto fornecido com o dispositivo foi altamente valorizado. Considerou-se que ele reforçava as informações fornecidas no momento do recrutamento, quando os pacientes podem não estar em condições ideais para compreender e lembrar orientações verbais.
Discussão
Pacientes e profissionais de saúde consideraram que os principais benefícios do dispositivo incluíam sua capacidade de melhorar a tomada de decisão clínica e proporcionar segurança aos pacientes. Os pacientes consideraram o dispositivo de fácil utilização, apesar de alguns problemas técnicos relatados. Os profissionais relataram que ele poderia ser integrado ao fluxo de trabalho, embora fosse necessário estabelecer um caminho bem definido para seu uso apropriado.
Comparado aos monitores Holter, os monitores do tipo patch oferecem várias vantagens importantes: períodos prolongados de monitoramento, maior conforto e adesão por parte do paciente, menor risco de artefatos e interrupções, uso mais simples, maior rendimento diagnóstico e menor custo por diagnóstico.
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Uma revisão sistemática anterior sobre monitoramento de sinais vitais por dispositivos vestíveis relatou experiências mistas por parte dos pacientes, incluindo desconforto físico, preocupações quanto à confiabilidade e receio de que o uso do dispositivo diminuísse o contato com a equipe de enfermagem. Tais preocupações não foram observadas em nosso estudo. Em vez disso, os pacientes relataram maior sensação de segurança e maior envolvimento no próprio cuidado. Isso foi observado independentemente da forma como o paciente chegou ao ED, incluindo o número de síncopes anteriores ou a presença de lesões, o que sugere a adequação do dispositivo para essa população.
Limitações
Entre as limitações, destaca-se a dificuldade em envolver pacientes nas entrevistas. Isso pode ter introduzido viés, já que pacientes mais satisfeitos com o cuidado ou que tiveram experiências positivas podem ter sido super-representados, enquanto aqueles com experiências negativas podem não ter sido incluídos.
Além disso, 60% dos participantes tinham apenas um episódio de síncope no momento da entrevista; portanto, os resultados podem não ser generalizáveis para populações com síncope recorrente e sem diagnóstico.
Conclusões
O monitoramento cardíaco ambulatorial prolongado em um ambiente de ED foi bem aceito por pacientes e profissionais de saúde para o manejo da síncope inexplicada. Este estudo sugere que a implementação bem-sucedida exige enfrentar desafios práticos relacionados a recursos, comunicação e educação. No entanto, oferece uma oportunidade significativa para aumentar a eficiência no manejo da síncope e, principalmente, melhorar o cuidado centrado no paciente no ambiente de emergência.
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