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Cardiologia3 outubro 2025

Meia de compressão para prevenção síncope vasovagal 

Estudo randomizado averiguou o potencial terrapêutico de meias de compressão na prevenção da síncope vasovagal (VVS)
Por Juliana Avelar

A síncope é uma condição comum: até 30% a 40% dos adultos de meia-idade apresentam algum episódio sincopal ao longo da vida. A síncope vasovagal (VVS) é o tipo mais comum, representando aproximadamente dois terços das visitas ao departamento de emergência relacionadas à síncope. Embora a VVS seja geralmente considerada benigna, episódios recorrentes podem diminuir significativamente a qualidade de vida, prejudicar carreiras e aumentar o risco de lesões físicas.  

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Recomendações não farmacológicas para prevenção da VVS, como aumento da ingestão de líquidos e sal, bem como a realização de manobras físicas de contrapressão ao início dos pródromos visam neutralizar a hipovolemia central. Outra terapia frequentemente prescrita com foco no acúmulo venoso são as meias elásticas de compressão (ECS).  

Estudos iniciais sugerem que a compressão pode prevenir quedas da pressão arterial em ortostatismo e aumentar o volume sistólico, mas as evidências ainda eram limitadas. 

Nesse contexto, foi publicado recentemente no JACC um ensaio clínico randomizado (COMFORTS-II) projetado para avaliar a efetividade de ECS até a coxa na prevenção de episódios recorrentes de VVS. 

Métodos 

Ensaio clínico randomizado, multicêntrico, paralelo 1:1, cego e controlado por placebo.  

População 

O diagnóstico de VVS foi baseado em características clínicas compatíveis e história típica de acordo com as diretrizes clínicas vigentes. Indivíduos de 18 a 65 anos, que apresentaram pelo menos 2 episódios de VVS no último ano e pontuação ≥ 2 no Calgary Syncope Symptom Score, foram elegíveis para participação. 

Principais critérios de exclusão: hipotensão ortostática (queda de pressão arterial ≥ 20/10 mmHg) ou taquicardia postural (aumento da frequência cardíaca ≥ 30 bpm) durante teste de ortostase ativa (~5 minutos); história de hipersensibilidade do seio carotídeo, crises epilépticas ou arritmias; valvopatia grave; cardiomiopatia hipertrófica; doença arterial coronariana obstrutiva; insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; úlceras nos pés; pé diabético; insuficiência venosa crônica; insuficiência renal; e gestação. 

Intervenções 

Os participantes do grupo ativo receberam ECS até a coxa, abertas nos dedos, que aplicavam pressão de 25 a 30 mmHg na perna (30–40 mmHg no tornozelo). O grupo placebo recebeu ECS até a coxa, idênticas na aparência, mas que aplicavam no máximo 10 mmHg.  

Os participantes foram orientados a usar as ECS o máximo possível durante as horas de vigília, especialmente em períodos de ortostatismo prolongado ou sedentarismo sem apoio adequado dos pés, mas removê-las ao deitar.  

Além das ECS, todos receberam vídeos educativos e consulta com enfermeiro especialista na visita basal, discutindo gatilhos, pródromos, sintomas, história natural e riscos associados à VVS. Foram treinados a realizar manobras de contrapressão e a deitar ao perceber sintomas prodrômicos. Foram ainda aconselhados a ingerir 2 a 3 litros de líquidos/dia e cerca de ½ colher de sopa (≈10 g) de sal por dia, dando preferência a bebidas com eletrólitos (sucos, laticínios) em vez de líquidos rapidamente eliminados (água, chá). 

Os participantes foram acompanhados por 12 meses após a randomização. Os desfechos coprimários foram: 

  1. proporção de participantes com pelo menos 1 recorrência de VVS; 
  2. tempo da randomização até a primeira recorrência (sobrevida livre de VVS). 

Desfechos secundários incluíram a frequência de episódios recorrentes e a adesão ao tratamento. 

Resultados 

De março de 2022 a agosto de 2023, 266 participantes foram recrutados (idade média: 39 ± 14 anos; 57,5% mulheres). A Figura 1 apresenta o fluxograma do ensaio para triagem, inclusão, randomização e seguimento.  

No grupo ECS ativo, 39 (29,1%) participantes apresentaram recorrência de VVS, comparado a 46 (34,8%) no grupo placebo, mas sem diferença estatisticamente significante. A 

A análise de sobrevida também não indicou diferença no tempo livre de VVS entre ECS ativo e placebo.  

Durante o período de seguimento, 56 participantes apresentaram mais de 1 episódio recorrente de VVS. No total, 331 episódios de VVS foram adjudicados no ensaio, sendo 156 episódios no grupo ECS ativo comparados a 175 episódios no grupo placebo. Entre os participantes que apresentaram pelo menos 1 episódio recorrente, o número mediano de episódios foi 2  no grupo ECS ativo vs 2,5 no grupo placebo (P = 0,839). 

O número de participantes que descontinuou o uso das ECS sem apresentar episódio recorrente de VVS foi 42 (31,3%) no grupo ativo vs 36 (27,3%) no grupo placebo. Notavelmente, 10 participantes (5 em cada grupo) apresentaram recorrência de VVS durante o seguimento após a data em que decidiram suspender o uso das ECS. 

A adesão ao tratamento com ECS, representada como o número médio de dias por semana e de horas por dia em que as meias foram usadas, não mostrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos ativo e placebo ao longo do seguimento. 

Importante destacar que, entre os participantes que apresentaram recorrência de VVS, 12 (31%) de 39 no grupo ECS ativo e 14 (30%) de 46 no grupo placebo estavam usando ECS no momento do primeiro episódio recorrente (P = 0,973). 

Além disso, entre todos os episódios de VVS registrados no estudo (n = 331), incluindo múltiplos episódios em participantes com mais de uma recorrência, 51 (33%) de 156 no grupo ativo e 79 (45%) de 175 no grupo placebo ocorreram durante o uso de ECS (P = 0,021). 

Meia de compressão para prevenção síncope vasovagal 

Meias de compressão. Imagem de bublikhaus/freepik

Discussão: meia de compressão para prevenção síncope vasovagal  

Neste ensaio randomizado, controlado por placebo e cegoo uso de ECS até a coxa não demonstrou benefício clínico em comparação ao controle placebo quanto à redução de recorrência, melhora da sobrevida livre de VVS ou diminuição da frequência de episódios. Embora a adesão não tenha sido completa, aproximadamente dois terços dos participantes em cada grupo continuaram usando as ECS durante os 12 meses. Esses achados sugerem que prescrever meias de compressão até a coxa não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes de VVS. Essa falta de efetividade pode decorrer do fato de que ECS até a coxa aumentam principalmente o retorno venoso das pernas, enquanto grande parte do acúmulo venoso gravitacional ocorre em veias da coxa, pelve e abdome. 

A justificativa fisiológica para o uso de ECS no manejo da VVS baseia-se em sua capacidade de aumentar o retorno venoso, reduzindo o acúmulo sanguíneo nos membros inferiores, o que poderia ajudar a manter a pressão arterial e prevenir a síncope. Embora alguns estudos anteriores sobre ECS no tratamento da VVS tenham relatado efeitos hemodinâmicos favoráveis, eles foram limitados por tamanhos amostrais pequenos e realizados apenas no contexto do tilt test. 

Interessante notar que, embora as ECS pareçam ineficazes para VVS, medicações que aumentam o tônus vascular periférico e o volume circulante — portanto elevando a pressão arterial sistólica — mostraram reduzir a recorrência de VVS. Considerando que a VVS resulta de uma cascata multifatorial de fenômenos autonômicos e hemodinâmicos, essas observações sugerem que intervenções que atuem em múltiplos aspectos da homeostase circulatória (isto é, retorno venoso, tônus vascular, volume circulante e regulação autonômica) podem ser necessárias para alcançar redução significativa nos episódios de VVS. 

Embora a análise primária tenha sido negativa, resultados exploratórios indicam sinais de que as ECS podem ser úteis em certos aspectos. Primeiro, uma menor proporção do total de episódios de VVS ocorreu durante o uso de ECS no grupo ativo. Segundo, houve uma interação significativa entre o número de episódios prévios de VVS e a efetividade do tratamento, mostrando uma redução mais pronunciada na recorrência de VVS entre participantes que já haviam apresentado maior número de episódios antes do ensaio. Isso sugere que, embora as ECS não melhorem significativamente a sobrevida livre de VVS, elas poderiam ter efeito benéfico na redução do número total de episódios em longo prazo, especialmente com melhor adesão.  

Limitações do estudo 

Apesar de ser o primeiro grande ensaio clínico a testar a efetividade da prescrição de terapia compressiva para prevenção de VVS espontânea e em vida real, o estudo apresenta algumas limitações importantes: 

  1. Adesão incompleta às ECS – cerca de um terço dos participantes descontinuou as meias durante o ensaio, e os demais não as usaram diariamente. Embora as taxas de adesão tenham sido semelhantes entre os grupos, não podemos excluir a possibilidade de que maior adesão poderia ter resultado em diferenças mais expressivas entre os grupos. 
  2. Número de eventos abaixo do esperado – o ensaio não atingiu o número projetado de eventos. Assim, é possível que, com maior poder estatístico, diferenças menores, mas clinicamente relevantes, pudessem ter sido detectadas. 
  3. Tipo de compressão utilizado – há forte evidência de que roupas compressivas até a cintura e cintas abdominais são necessárias para lidar com o acúmulo venoso pélvico e esplâncnico-mesentérico em condições de intolerância ortostática.  
  4. Possível viés de seleção – a exclusão de indivíduos que já haviam utilizado ECS antes do ensaio pode ter introduzido viés. Embora esse critério tenha sido adotado para reduzir o risco de quebra do cegamento, pode ter levado à inclusão de participantes para os quais os médicos assistentes suspeitavam que ECS não seriam eficazes, por fatores não mensurados. 

Conclusões 

Este ensaio randomizado e controlado por placebo não apoia o uso rotineiro de ECS até a coxa na prevenção universal de VVS recorrente. Apesar de não reduzirem significativamente as taxas globais de recorrência, observou-se possível benefício em pacientes com maior histórico de síncope, sobretudo naqueles com recorrências frequentes e desencadeadas por ortostatismo prolongado. 

O estudo não exclui a utilidade de terapias compressivas mais amplas (cintura e abdome), que podem atuar sobre o acúmulo venoso pélvico e esplâncnico. Investigações futuras devem explorar a efetividade dessas abordagens na prevenção de síncope vasovagal (VVS).

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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