As doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito no Brasil e no Mundo, e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o principal fator de risco. Dados nacionais indicam, inclusive, crescimento da prevalência de HAS, diabetes e obesidade na última década! Portanto, combatê-las tem grande impacto na redução do risco cardiovascular.
Estudos mostram que, mesmo com progresso recente, a maioria dos pacientes hipertensos não está controlado. A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou no seu Congresso Brasileiro, em 2020, as novas diretrizes para o seu diagnóstico e tratamento. O documento está bastante completo e didático e vale a leitura completa para os clínicos e cardiologistas.
A diretriz traz como prevalência nacional de HAS entre 20-25%, conforme a região, sendo ainda maior quando levado em consideração, pacientes com PA elevada sem uso de medicação e aqueles que são medicados. Estes números chegam a 30-35% da população brasileira.
O primeiro passo na HAS é a avaliação do paciente, que compreende:
- Medir corretamente a pressão arterial
- Pesquisar sinais de causas secundárias
- Estimar o risco cardiovascular
A medida da PA para o HAS
A medida da pressão arterial é o primeiro desafio. A diretriz enfatiza a importância da medida correta. Apesar de simples, estudos mostram que os médicos ainda falham muito, mesmo aqueles que estudaram há pouco tempo sobre o assunto! E, ao contrário da crença comum, os aparelhos automáticos mais novos (de braço e não de punho), calibrados e validados, apresentam maior acurácia na medida da PA que os nossos velhos aneroides! Esse dado foi ratificado em estudo recente, agora em 2019, e esta é a 1ª diretriz que traz essa recomendação “ipsis litteris”. A exceção são os pacientes com fibrilação atrial, cuja medida oscilométrica tem menos validação científica.
O método mais usado ainda é a medida de consultório, mas a MAPA e a MRPA têm maior acurácia para diagnóstico e prognóstico. Por definição, a medida deve ser feita três vezes na consulta e pelo menos em mais uma consulta. A primeira medida deve ser descartada e o médico deve utilizar a média das duas últimas como valor de referência. No paciente com HAS estágio 3 e/ou de alto risco, não é necessária uma segunda consulta e você está autorizado a começar o tratamento de imediato.
Além disso, a nova diretriz reforça a recomendação para as medidas domiciliares, seja por MAPA ou pela MRPA, como forma de obtermos valores mais próximos da vida real, do dia a dia, bem como engajar o paciente no autocuidado e tratamento. Em 2018, a SBC atualizou suas diretrizes de MAPA/MRPA e os valores de referência. Até 25% dos pacientes com HAS no consultório têm efeito do jaleco branco e sua PA em casa está normal!
Um destaque da nova diretriz é a definição de hipertensão arterial sistêmica. Ela volta a utilizar o termo “pré-hipertensão”, pois em grupos de maior risco cardiovascular esta será novamente a meta de tratamento. Seguindo o padrão europeu, a diretriz define:
- PA ≥ 140/90 mmHg = hipertensão
- PA sistólica 130-139 e/ou diastólica 85-89 = pré-hipertensão
- PA sistólica 120-129 e/ou diastólica 80-84 = normal
- PA < 120/80 mmHg = “ótima”
Causas secundárias
Apesar dos livros de semiologia apresentarem diversas “pistas” de causas secundárias, o mais comum é a suspeita quando há:
- Hipertensão em paciente jovem
- Hipertensão resistente ou de difícil controle
- Piora da função renal
- Suspeita de apneia do sono
- Drogas que podem aumentar a PA, como descongestionantes nasais, corticoides e anticoncepcionais.
Nestes cenários, o primeiro passo é avaliar a função renal e se há estenose renovascular. Se os exames forem negativos, prossegue-se à investigação hormonal (feocromocitoma e hiperaldosteronismo) e avaliação da síndrome de apneia obstrutiva do sono.
Estratificação de risco
É recomendado o uso de um escore para estimar o risco cardiovascular, que leve em consideração o valor da PA basal e o conjunto de fatores de risco para eventos cardiovasculares (IAM, AVC ou morte). Na Europa, eles utilizam o SCORE, mas no Brasil a SBC recomenda o escore de risco global – e a nova diretriz reforça o uso deste escore, disponível gratuitamente online e por App. Além disso, informações da história, exames físico e complementares ajudam a refinar a classificação de risco. Na diretriz 2020, é dada ênfase à busca de marcadores de aterosclerose subclínica e lesão de órgão alvo como forma de refinar a avaliação de risco. A velocidade da onda de pulso e a dilatação mediada por fluxo, como formas de avaliação da rigidez vascular e disfunção endotelial, são encorajadas, apesar de ainda pouco disponíveis comercialmente. Por outro lado, menos ênfase foi dada às medidas da pressão aórtica central, exceto em jovens hipertensos.
O que é importante ao final? Que você consiga enxergar se o paciente é de baixo, moderado ou alto risco, porque é essa medida que irá orientar a intensidade e os objetivos do tratamento. Pacientes de baixo risco terão como meta a PA < 140/90, ao passo que os de alto risco têm por objetivo uma PA < 130/80 mmHg.
O segundo passo na avaliação do hipertenso é o tratamento, que falaremos a seguir.
Tratamento
Uma vez que você tenha feito o diagnóstico e a estratificação de risco, chegou a hora de iniciar o tratamento:
Medidas não farmacológicas: destaque para dieta hipossódica e com padrão DASH, rica em verduras/frutas/fibras, bem como a prática regular de exercícios físicos. Lembrando que a dieta seria até mais normossódica que hipossódica, com 5 g sal / 2g sódio ao dia! Um reportagem recente mostrou o excesso do consumo de sal como o vilão mais comum na alimentação mundial!
O tabagismo também deve ser interrompido e o consumo de álcool moderado. Já em relação ao café, há polêmica: em doses moderadas, não parece afetar o risco cardiovascular, e há até estudos associando-o a menor mortalidade. Mas doses excessivas, como encontrado em energéticos, podem aumentar o risco de hipertensão e arritmias.
Medidas farmacológicas: há três classes de drogas para primeira linha – iECA (ou BRA), bloqueadores dos canais de cálcio e tiazídicos. Em negros e idosos, as combinações com anlodipino e hidroclorotiazida são mais eficazes.
- Meta: Como regra geral, a meta da PA é < 140/90 mmHg. No fim de 2017, os americanos trouxeram polêmica e vêm sugerindo um novo valor de corte para diagnóstico de HAS: 130/80!! Claro que o tema está em debate e não foi totalmente aceito pelas demais sociedades da área. A ESC, em 2018, manteve o ponto de corte para diagnóstico de hipertensão em 140/90 mmHg, mas convergiu com a americana no objetivo do tratamento: pacientes de maior risco devem ter como meta PA < 130/80 mmHg. A diretriz 2020 da SBC faz o mesmo: a meta é PA < 140/90 mmHg (hipertensos em geral) ou < 130/80 mmhg (alto risco), mas EVITAR < 120/70 mmHg, para evitar efeitos colaterais da hipotensão diastólica.
- Resistência: Alguns pacientes podem não atingir a meta, mesmo com o uso de três anti-hipertensivos, na dose máxima tolerada, incluindo um diurético. É a chamada “hipertensão resistente”. É importante avaliar a adesão, pesquisar o efeito do jaleco branco e se, de fato for “HAS resistente verdadeira”, associar a 4ª droga: espironolactona. Valorize a medida correta e a adesão ao tratamento:
- Use MAPA ou MRPA para afastar o efeito do jaleco branco;
- Meça a adesão ao tratamento e facilite a vida do paciente: posologia simples e de baixo custo.
Idosos apresentam peculiaridades e a meta da PA deve ser individualizada, levando em consideração cognição, frailty e expectativa de vida. Na diretriz brasileira, os idosos são divididos em dois grupos:
- Idoso hígido, boa expectativa de vida: meta < 140/90 mmHg.
- Idoso frágil ou com muitas comorbidades: meta < 160/90 mmHg.
Em gestantes, o tratamento da HAS tem peculiaridades:
- É preciso avaliar se há critérios de pré-eclâmpsia grave, nas quais o tratamento é uma urgência hipertensiva. Toda gestante com PA ≥ 160/100 mmHg é uma urgência!
- As drogas para uso durante a gestação são metildopa, nifedipino e hidralazina. O labetalol, muito badalado em livros-texto, não está disponível no Brasil.
Lembrar de, na pré-eclâmpsia, usar o AAS entre a 12a e a 37a semana de gestação.
Referência bibliográfica:
- Diretriz apresentada no Congresso Brasileiro de Cardiologia 2020.
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