Nas últimas décadas houve grande avanço no tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST (IAMSST). Alguns estudos mostram resultados conflitantes ao se comparar este tipo de IAM em homens e mulheres.
As mulheres no geral têm menor risco de IAM, porém, algumas diferenças biológicas e no atendimento primário costumam convergir para a maior ocorrência de eventos maiores comparado aos homens. Outros contribuintes para a maior ocorrência de eventos são doenças autoimunes, menopausa precoce, alterações relacionadas a gestação, diagnóstico mais tardio, maior tempo para reperfusão e menor prescrição de tratamento adequado.
Assim, recentemente foi publicada uma metanálise com objetivo de investigar o impacto clínico das diferenças entre os sexos no longo prazo em pacientes com IAMSST submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP).
Métodos do estudo e população envolvida
Foram feitas buscas por estudos randomizados e controlados ou estudos observacionais ajustados que compararam desfechos de longo prazo (> 1 ano) em mulheres e homens submetidos a ICP primária por IAMSST.
O desfecho primário era morte por todas as causas e os desfechos secundários eram morte cardiovascular, recorrência de IAM, trombose de stent e revascularização de vaso alvo no seguimento mais longo disponível.
Resultados
Foram incluídos na análise final 22 estudos observacionais ajustados, com 358.140 pacientes, sendo 169.659 mulheres e 188.490 homens. O seguimento médio foi de 3,3 anos.
As mulheres eram geralmente mais velhas, com idade média de 67 anos e os homens com 59 anos. Hipertensão foi encontrada em 41% das mulheres e 55% dos homens, diabetes em 19% das dos homens e 41% das mulheres e dislipidemia em 16% dos homens e 40% das mulheres. Tabagismo foi mais prevalente nos homens (55% x 34%), assim como doença multiarterial (42% x 37%).
O tempo de isquemia e a mortalidade intra-hospitalar foram maiores nas mulheres, ocorrendo em 11% x 6% dos homens, apesar de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) semelhante (50% nos dois grupos).
O risco de viés foi considerado moderado, de forma consistente. Porém, não parece ter havido viés de publicação e o ajuste para análise de multivariáveis reduziu o risco de heterogeneidade.
Em relação aos desfechos, a análise de seis estudos ajustados para a idade, com 63.351 pacientes mostrou que as mulheres tiveram maior mortalidade em 3,2 anos (HR 1,21; IC95% 1,07-1,37, p < 0,002), com heterogeneidade importante. Porém, após ajustes para variáveis clínicas, considerando 18 estudos, a diferença não se manteve (aHR 1,06; IC95% 0,99-1,14, p =0,10) e houve heterogeneidade importante em ambos os grupos.
Entre os pacientes que foram de alta, não houve diferença na mortalidade no seguimento de longo prazo e, assim, foram feitas análises de metarregressão para avaliar se a maior mortalidade intra-hospitalar teve influência na aparente maior mortalidade das mulheres no longo prazo e o resultado mostrou que não. Assim, provavelmente houve influência de outros fatores.
Em relação aos desfechos secundários houve maior ocorrência de morte cardíaca após ajustes e realização de análise multivariadas (aHR 1,58; IC95% 1,04-2,42, p =0,03), com alta heterogeneidade. Não houve diferença em recorrência de IAM, trombose de stent ou revascularização de vaso alvo.
Comentários e conclusão: diferenças de sexo em pacientes com IAM com supra de ST
Ao longo do tempo, as mulheres com IAM sempre foram consideradas como tendo maior mortalidade nos curto e longo prazos quando comparadas aos homens. O impacto do sexo no prognóstico de longo prazo continua controverso e muitos dos estudos eram unicêntricos, com amostras pequenas ou com falta de ajustes para variáveis de confusão.
Alguns fatores que podem contribuir para desfechos e riscos diferentes na mulher são os menores diâmetros das coronárias, fatores inflamatórios diferentes e maiores taxas de disfunção microvascular, mecanismos muitas vezes não considerados e não documentados nos estudos.
Neste estudo vimos que o tempo isquêmico foi maior nas mulheres, o que leva a atrasos no diagnóstico e tratamento. Ainda, a mortalidade intra-hospitalar não parece ter influenciado os resultados de maior mortalidade no longo prazo, o que torna mais relevantes os fatores relacionados ao sexo feminino.
Esta metanálise de estudos observacionais mostrou que mulheres com IAMSST submetidas a ICP tinham mais fatores de risco cardiovasculares, como diabetes e dislipidemia. Após análises com ajuste de variáveis as taxas de mortalidade foram semelhantes nos grupos de homens e mulheres no seguimento médio de 3,3 anos, porém a mortalidade cardiovascular foi maior nas mulheres, sem maior ocorrência de recorrência de IAM, trombose de stent ou revascularização de vaso alvo.
Esse resultado sugere que realmente tenhamos diferença no prognóstico de longo prazo comparando homens e mulheres, porém mais estudos randomizados e controlados são necessários para investigar o impacto clínico das diferenças em relação aos desfechos de longo prazo.
Autoria

Isabela Abud Manta
Editora médica de Cardiologia da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Atua nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.
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