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Cardiologia20 outubro 2017

iECA vs BRA: as diferenças são clinicamente relevantes?

Pesquisadores têm cada vez mais encontrado diferenças nos mecanismos fisiopatológicos e especula-se que isso possa ter influência e relevância clínica.

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Você provavelmente aprendeu na faculdade que iECA e BRA são similares em eficácia e tanto um como outro podem ser escolhidos. Mas na vida real, pesquisadores têm cada vez mais encontrado diferenças nos mecanismos fisiopatológicos e especula-se que isso possa ter influência e relevância clínica. Vamos começar com uma breve revisão do sistema renina.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) está ligado diretamente à fisiopatologia da lesão de órgão-alvo na HAS e no DM e, portanto, tem grande destaque no tratamento destas doenças. Tradicionalmente, o SRAA “sistêmico” tem sido visto como um sistema endócrino envolvido na regulação do equilíbrio hidrossalino e na regulação da pressão arterial. Contudo, evidências recentes demonstram a presença de um SRAA “local” ou tissular, com ações autócrinas e parácrinas, que participa de vários mecanismos da homeostase, como crescimento celular, formação da matriz extracelular, proliferação vascular, função endotelial e controle da apoptose.

A renina é uma enzima proteolítica sintetizada, armazenada e liberada pelo aparelho justaglomerular. A primeira etapa na sua produção é a formação da preprorenina. Ainda no meio intracelular, o fragmento “pre” é clivado e forma-se a prorenina; ele funciona como “sinalizador” e guia a molécula no seu percurso intracelular. A prorenina é novamente clivada e resulta na renina, a forma ativa da enzima. A renina é um ponto chave na ativação “sistêmica” do SRAA, uma vez que é a partir dela que todo o sistema é iniciado.

Tanto a prorenina quanto a renina podem ser detectadas na circulação, mas, em indivíduos hipertensos, a concentração de prorenina pode chegar a 100 vezes a da renina. Ao contrário do que se pensava inicialmente, a prorenina é biologicamente ativa. Receptores intracelulares estão presentes em células mesangiais e na parede vascular e têm relação com produção de colágeno e fibrose intersticial. Acredita-se que a prorenina tenha participação importante no SRAA tissular renal e seja um dos principais mecanismos de nefropatia em pacientes diabéticos

Os principais estímulos “sistêmicos” para a secreção da renina são as variações na PA (barorreceptor renal), na concentração de sódio na mácula densa e a ativação do sistema nervoso simpático (através dos beta-receptores). Pela via “tradicional” do SRAA, o angiotensinogênio, sintetizado no fígado, é convertido pela renina em angiotensina-1, que é biologicamente inativa. A angiotensina-1 pode servir de substrato a diferentes tipos enzimáticos. A principal é a enzima conversora de angiotensina (ECA) tipo 1, ou simplesmente ECA, que cliva a angiotensina-1 em angiotensina-2.

Mais do autor: ‘AAS na prevenção primária: recomendações e riscos’

Apesar da atividade da ECA ser uma etapa limitante da ativação do SRAA sistêmico, a angiotensina-2 também pode ser formada, ao nível tecidual, por outras vias enzimáticas, como as quimases, e pela ação do receptor de prorenina no meio intracelular. É por isso que mesmo pacientes em uso crônico de inibidores da ECA (iECA) podem ter níveis detectáveis de angiotensina-2 na circulação. As angiotensinas 1 e 2 também servem de substrato para algumas enzimas, como as endopeptidases e as aminopeptidases, responsáveis pela formação de outros peptídeos, como angiotensina-(1-9), a angiotensina-3, de ação semelhante à angiotensina-2, a angiotensina-4 e a angiotensina-(1-7).

A angiotensina-2 tem quatro tipos de receptores, chamados AT-1 a 4. O mais importante é o AT1, responsável por seus efeitos sistêmicos: vasoconstrição arterial sistêmica e da arteríola eferente no glomérulo renal, com aumento da pressão intraglomerular, aumento da reabsorção de sódio no túbulo proximal do néfron, e secreção de aldosterona. O resultado é a retenção hidrossalina e o aumento da PA.

Deste modo, a ativação do SRAA, através da ação do receptor AT1 da angiotensina-2, é um dos principais mecanismos causais e perpetuadores de HAS. Além disso, a angiotensina-2 participa diretamente no desenvolvimento das lesões de órgão-alvo nestes pacientes, uma vez que está associada com disfunção endotelial, progressão das placas de aterosclerose, hipertrofia e remodelamento do ventrículo esquerdo, apoptose miocitária e resistência insulínica.

A angiotensina-2 tem papel importante na disfunção endotelial e na progressão da aterosclerose. A angiotensina-2 leva à produção de radicais livres de oxigênio, apoptose celular, redução da síntese e biodisponibilidade do óxido nítrico, proliferação de fibroblastos e deposição de colágeno intersticial. O resultado de tantas lesões é disfunção endotelial e resposta inflamatória. Por conseguinte, fica fácil de entender o aparecimento de lesões de órgão-alvo, como HVE, doença arterial coronariana e nefropatia, e a sua instabilização, como, por exemplo, no AVC, IAM e morte cardiovascular.

Contudo, existem outras vias “alternativas”, porém biologicamente ativas, no SRAA. A ECA também atua na degradação da bradicinina e na inativação do peptídeo angiotensina-(1-7). A bradicinina e a angiotensina-(1-7) têm efeitos fisiológicos opostos à angiotensina-2: promovem vasodilatação arterial e redução da PA. Acredita-se que parte dos efeitos clínicos dos iECA provenha não só da inibição da formação de angiotensina-2, mas também do aumento nas concentrações de bradicinina e angiotensina-(1-7)!

Deste modo, o SRAA deve ser visto como um sistema com duas vias “opostas” e contra-regulatórias entre si. Uma, mediada pela ECA e angiotensina-2, promove hipertensão, inflamação e disfunção endotelial. A outra, pela ECA-2 e angiotensina-(1-7), com redução da PA, da inflamação e melhora da função endotelial.

Apenas os iECA promovem aumento das concentrações de bradicinina e angio-(1-7). Diversos autores sugerem que as propriedades vasodilatadora e antiagregante plaquetária dessas substâncias têm efeitos biológicos relevantes e, portanto, iECA e BRA não poderiam ser considerados equivalentes. Esta inclusive foi a base do estudo com sacubitril na ICFER!! Em uma meta-análise recente, observou-se uma redução na mortalidade global e cardiovascular com o uso de iECA em pacientes diabéticos, mas não com o uso de BRA.

Em outra meta-análise pelo método “bayesiano”, também foi sugerido que os iECA tenham resultados superiores aos BRA em pacientes diabéticos. E, por fim, os dois grandes estudos mostrando que a inibição do sistema renina melhora o prognóstico de pacientes com alto risco cardiovascular foram realizados com iECA: HOPE (ramipril) e EUROPA (perindopril). Por outro lado, um estudo recente na revista Heart mostrou que o uso de BRA esteve associado com menor risco de eventos cardiovasculares em uma população com aterosclerose estabelecida e, portanto, maior risco cardiovascular. A crítica é que trata-se de um estudo observacional, com risco de um fator confundidor oculto.

Portanto, ainda não há uma resposta definitiva se iECA é ou não melhor que BRA e fica à critério clínico a decisão. No Brasil especificamente, não esqueça de levar em conta custo, posologia e adesão ao tratamento!

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