Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é condição de alta prevalência na população e está associada a aumento do risco de doenças cardiovasculares (DCV). Alguns estudos recentes mostraram resultados neutros na redução de eventos cardiovasculares com o tratamento da SAOS com CPAP (continuous positive airway pressure).
Surgiu então o interesse em identificar diferentes fenótipos da população com SAOS, que teriam maior suscetibilidade para desenvolver DCV, e há alguma evidência que o risco parece ser maior nos pacientes que tem sonolência diurna excessiva (SDE).
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O escore de cálcio coronário é um marcador de aterosclerose subclínica bem estabelecido e forte preditor de doença coronária. Apenas dois estudos avaliaram a progressão do escore de cálcio coronário e SAOS, com resultados conflitantes.
Baseado nisso, foi feito um estudo para avaliar a associação entre SAOS e a incidência de aterosclerose subclínica usando o escore de cálcio, assim como se algumas características da SAOS teriam maior relação com risco de DCV.
Métodos do estudo e população envolvida
Os participantes foram obtidos a partir de uma coorte brasileira chamada ELSA-Brasil, formada por adultos de 35-74 anos. Os pacientes analisados nesse estudo foram da sub-coorte de São Paulo, composta por pacientes submetidos à avaliação de sono no início do seguimento e à realização de tomografia com escore de cálcio em dois momentos (entre 2010 e 2014 e entre 2016 e 2018).
Algumas definições utilizadas no estudo:
- Presença de aterosclerose (aterosclerose prevalente): escore de cálcio > 0.
- Incidência de aterosclerose: escore de cálcio 0 no exame inicial e > 0 no segundo exame (após 5 anos).
- Progressão de aterosclerose: escore de cálcio no exame inicial > 0 e aumento do valor no segundo exame (em 5 anos).
A avaliação do sono foi feita com a escala de sonolência de Epworth e SDE foi definida como escore > 10. SAOS foi definida como índice de apneia-hipopneia ≥ 15 eventos/hora. Também foi quantificada a duração do sono, a partir da média de 7 dias em uma semana habitual.
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Resultados
Foram avaliados 1.247 indivíduos com escore de cálcio 0 e 319 com escore > 0 no início do estudo. Do total, 32,4% tinham diagnóstico de SAOS e a prevalência de SDE foi 38,2%.
Pacientes com SAOS eram mais velhos, predominantemente do sexo masculino, com maior IMC e maior proporção de hipertensão, diabetes, tabagismo e hiperlipidemia, menor duração de sono, maior pontuação na escala de Epworth e maior escore de cálcio comparado a pacientes sem SAOS. Esse grupo também teve maior prevalência de aterosclerose, porém após ajustes essa associação não se manteve, exceto para o grupo de pacientes com idade entre 34 e 43 anos.
Incidência de aterosclerose foi vista em 12,4%, com associação positiva com SAOS (OR=1,26, IC 95% 1,06-1,48, P=0,007). Após análises, essa associação persistiu apenas para os pacientes com SDE (OR=1,66, IC 95% 1,30-2,12, P<0,001). A incidência foi maior em pacientes com SAOS e SDE comparado a ausência de SAOS e ausência de SDE e a ausência de SAOS e presença de SDE (P<0,05 para todos). Foram feitas análises para avaliar possíveis mediadores da associação entre SAOS e aterosclerose e parece haver influência de três variáveis: pressão arterial (PA) sistólica, PA diastólica e triglicérides.
Também houve associação de SAOS e progressão da aterosclerose (β=1,084, IC95%: 0,032-2,136, P=0.043), assim como de SAOS com SDE e progressão de aterosclerose (β=1,651, IC95% 0,208-3,094, P=0,025).
Comentários
Neste estudo, a prevalência de aterosclerose teve associação com SAOS em pessoas mais jovens, entre 34 e 43 anos. Pessoas com SAOS que tinham SDE tiveram maior incidência de aterosclerose em 5 anos e progressão da aterosclerose, neste caso, independente de SDE. Alguns possíveis mediadores para essa associação foram encontrados: a PA sistólica, PA diastólica e triglicérides. A ocorrência de SDE, na ausência de SAOS não teve relação com aterosclerose.
Os mecanismos de aterogênese relacionados a SAOS ainda não estão completamente esclarecidos e há diversos estudos em andamento, porém parece haver influência de alterações metabólicas e hemodinâmicas e efeitos consequentes à hipóxia intermitente.
A partir desse estudo, SAOS pode ser considerado um potencial fator de risco para aterosclerose subclínica, principalmente quando associado à presença de sonolência excessiva, parâmetro clínico que pode ser utilizado como estratificador de risco.
Talvez os estudos que avaliam o tratamento de SAOS com CPAP e modificações do estilo de vida em relação aos desfechos cardiovasculares, que tiveram resultados neutros até o momento, devam ter como foco essa população, aparentemente de maior risco.
Este artigo foi produzido em parceria com a Elsevier, utilizando os conteúdos baseados em evidências disponíveis na plataforma Clinical Key. Clique aqui para saber mais.
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