No segundo dia do Congresso da European Society of Cardiology (ESC 2025), a diretriz apresentada foi a de miocardites e pericardite. Abaixo encontram-se os principais pontos abordados na apresentação.
Definições
Um ponto extremamente importante foi a abordagem das duas doenças em conjunto, já que frequentemente coexistem, e passaram a ser denominadas como síndrome inflamatória miopericárdica.
Inicialmente foram apresentados alguns pontos em relação a definição e espectro das doenças que podem se manifestar como miocardite isolada, pericardite isolada ou como miopericardite ou perimiocardite.
A apresentação clínica pode ser dividida em aguda, quando tem duração menor que 1 mês, subaguda, quando tem duração entre 1 e 3 meses, crônica, quando dura mais de 3 meses, ou recorrente, quando ocorrem novos sintomas após remissão clínica da doença.
Ainda, pode existir remissão com ou sem alterações residuais, que podem ser relacionadas a sintomas, alterações em eletrocardiograma, biomarcadores ou exames de imagem.
Apresentação clínica
A apresentação clínica da miocardite é extremamente variável e passa por um espectro de possíveis sintomas, que vai desde sintomas inespecíficos e pacientes oligossintomáticos, até dor torácica, arritmias, insuficiência cardíaca, apresentações fulminantes e morte súbita.
As principais causas são as infecciosas, com predomínio dos vírus, porém outras causas podem existir, como as autoimunes e predisposição genética, que deve ser investigada em casos de recorrência.
Diagnóstico
Para o diagnóstico, a ressonância ganhou espaço importante, sendo incorporada aos critérios e são considerados os critérios atualizados de Lake Louise. Assim, o diagnóstico de miocardite pode ser definido, possível ou pouco provável/rejeitado.
- Quando há apresentação clínica compatível e alterações na ressonância cardíaca ou na biópsia endomiocárdica compatíveis, o diagnóstico é definido. Os critérios da biópsia são específicos para cada causa de miocardite.
- Quando há apresentação clínica compatível com pelo menos um critério adicional (sintomas inespecíficos, alterações de ST-T, aumento de troponina, alterações na imagem do eco ou ressonância que não fecham critérios de Lake Louise), o diagnóstico é possível.
- Quando há apenas apresentação clínica, sem critérios adicionais, o diagnóstico é pouco provável.
A decisão entre ressonância cardíaca e biópsia endomiocárdica depende do risco do paciente. Pacientes considerados como de risco baixo ou intermediário podem ser submetidos à ressonância. Pacientes com risco alto, instabilidade hemodinâmica ou risco intermediário sem resposta a tratamento convencional devem realizar biópsia. A definição de risco baixo, intermediário ou alto depende de achados do quadro clínico e de imagem.
Os algoritmos diagnósticos dependem da apresentação clínica. Pacientes com dor torácica com probabilidade alta ou moderada de doença coronária devem excluir síndrome coronariana aguda (SCA), com cateterismo ou angiotomografia. Excluída SCA ou caso a probabilidade seja baixa, avalia-se a presença de red flags para miocardite ou pericardite, estratifica-se o risco do paciente e realiza-se investigação diagnóstica com ressonância ou biópsia.
Pacientes com quadro clínico de IC devem ser avaliados quanto a quadros graves (SCA, emergência hipertensiva, arritmia, alterações mecânicas, embolia pulmonar, infecções, tamponamento). Inicia-se o tratamento para IC e, na ausência dessas condições graves, avalia-se os red flags para miocardite. Se supeita de miocardite fulminante ou paciente de alto risco indica-se biópsia endomiocárdica. Caso paciente de baixo risco realiza-se ressonância.
Pacientes com quadro clínico de arritmia devem ser avaliados quanto à estabilidade hemodinâmica. Se instáveis, avalia-se cardioversão e necessidade de marcapasso e deve-se excluir SCA. Caso pacientes estáveis avalia-se se há red flags para miocardite e, se sim, o risco do paciente. Caso risco alto, indica-se biópsia, caso não alto indica-se ressonância.
Pacientes com miocardite devem ser submetidos à avalição clínica e com biomarcadores após 1 mês e 3 a 6 meses e devem realizar, após, avaliação clínica anual. Avaliação de ritmo com holter ou teste de estresse e exames de imagem com ecocardiograma e/ou ressonância cardíaca deve ser feita em 3 a 6 meses e exames de imagem devem ainda ser repetidos anualmente.
Os critérios diagnósticos de pericardite incluem a suspeita clínica e achados de atrito pericárdico, infra de PR e supra de ST difusos, aumento de PCR, derrame novo ou em piora, edema pericárdico ou realce tardio na ressonância. Quando há pelo menos 2 critérios, a pericardite é definida, quando há apenas 1 é possível e quando não há nenhum é pouco provável/rejeitado.
Na pericardite, a ressonância deve ser realizada quando há suspeita e o diagnóstico não pode ser feito a partir de critérios clínicos.
Quando há critérios de alto risco, o paciente deve ser internado para tratamento. Esses critérios são: sinais e sintomas de tamponamento, febre < 38 graus, pericardite com derrame ou constritiva, falha de tratamento com anti-inflamatórios, pericardite incessante, derrame grande (> 20mm), tamponamento cardíaco na imagem, pericardite extensa na ressonância. Nos demais casos, o paciente pode ser tratado ambulatoriamente.
Tratamento
Em relação ao tratamento da miocardite, os anti-inflamatórios devem ser considerados se houver pericardite associada, para reduzir sintomas, e a colchicina pode ser considerada para reduzir recorrência. Nos casos de IC, recomenda-se o tratamento de acordo com as diretrizes especificas de IC e nos casos de arritmia, recomenda-se betabloqueadores por pelo menos 6 meses.
O tratamento imunossupressor tem indicações específicas e inicia-se com os corticosteroides. Cada etiologia de miocardite tem indicação de medicações específicas.
Já a pericardite deve ser tratada com anti-inflamatórios, como ibuprofeno ou indometacina, associado a colchicina por 3 a 6 meses. Em casos recorrentes ou falha do tratamento inicial pode-se utilizar corticosteroides, anti-IL-1 e uma nova recomendação é o uso de betabloqueadores para pacientes sintomáticos, já com medicações otimizadas e com frequência cardíaca > 75bpm, com objetivo de reduzir sintomas.
Outra nova recomendação é para os casos de pericardite recorrente refratária a tratamento padrão, nos quais pode-se utilizar hidroxicloroquina.
Pacientes com miocardite ou pericardite não devem realizar atividade física por pelo menos um mês e devem ser avaliados individualmente para retornar, sendo o momento considerado ideal quando houver ausência de sintomas e de arritmias.
Conclusões
Essa diretriz é bastante ampla e trouxe a abordagem da miocardite e pericardite, espectros de uma mesma doença inflamatória. Além disso, organizou as formas de abordagem de forma bastante simples, de fácil compreensão e trouxe algumas novas recomendações.
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