A insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção (FEVE) levemente reduzida ou preservada, ou seja, FEVE > 40%, é responsável por aproximadamente 50% dos pacientes que vivem com IC. Os antagonistas do receptor mineralocorticoide (ARM) esteroidais demonstraram reduzir a morbidade e mortalidade em pacientes com IC com FEVE reduzida, já em casos de IC com FEVE preservada, no estudo TOPCAT, a espironolactona não demonstrou evidência de benefício, contudo, análises post-hoc revelaram que parte dos pacientes do estudo possivelmente não tinham IC.
A finerenona, um antagonista do receptor mineralocorticoide (ARM) não esteroidal com propriedades físico-químicas diferentes dos esteroidais (mais seletivo ao receptor, meia-vida mais curta e tem distribuição balanceada no rim e miocárdio).
FINEARTS-HF
Na sessão HOTLINE 7 do ESC 2024 foram apresentados três estudos sobre os ARMs em pacientes com IC. O primeiro deles foi o FINEARTS-HF (Finerenone in Heart Failure with Mildly Reduced or Preserved Ejection Fraction), estudo randomizado, duplo-cego, placebo-controlado que buscou testar se a Finerenona reduziria morte CV e desfechos negativos de IC em pacientes com IC e FEVE>40%, sintomáticos (NYHA ≥II), bom BNP elevado, cardiopatia esquerda estrutural (hipertrofia de VE ou aumento de átrio esquerdo) e em uso de diuréticos até 30 dias da randomização. As doses de Finerenona (10 e 20 ou 20 e 40 mg) eram otimizadas até o máximo tolerado e de acordo com a função renal (eGFR ≤ 60ml/min usou no máximo 20 mg). A média de seguimento foi 2.6 anos.
Os desfechos primários (DP) foram morte CV e eventos totais de IC (hospitalizações/visitas a emergência) e os desfechos secundários (DS) foram: Eventos totais de IC, Classe NYHA em 12 meses, Qualidade de vida pelo escore KCCQ-TSS em 6, 9 e 12 meses, Composto de desfechos renais (injúria aguda, início de diálise ou transplante renal) e Mortalidade por todas as causas. Cerca de 6 mil pacientes foram randomizados para Finerenona ou placebo, média de 72 anos, 45% mulheres, 69% NYHA II, FEVE média 53%, eGFR 62 ml/min, 41% diabéticos, 87% em uso de diuréticos de alça, 70% em uso de IECA ou BRA, 14% em uso de iSGLT2.
O estudo foi positivo para o DP com redução de 16% de eventos (RR 0.84, IC95% 0.74-0.95, p 0.007) e, também para os DS: Total de eventos de IC [RR = 0.82 (95% CI, 0.70–0.94), p = 0.006)], Morte CV [HR = 0.93 (95% CI, 0.78–1.11)], Morte por todas as causas [HR = 0.93 (95% CI, 0.83–1.06], aumento de 8 pontos no KCCQ (apesar de ter havido melhora na classe funcional NYHA). O benefício foi consistente em todos os subgrupos pré-especificados, incluindo as diferentes faixas de FEVE e em pacientes que usavam iSGLT2 no início do estudo. O pesquisador não citou a taxa de pacientes que passaram a usar iSGLT2 durante o estudo, sendo um viés importante a se considerar, tendo em vista as evidências recentes de benefício CV desta classe de medicação. Não houve aumento significativo do potássio sérico e tampouco complicações renais.
FINEHEART
Outro estudo do mesmo grupo de pesquisa foi o FINEHEART (Finerenone in Heart Failure and Chronic Kidney Disease with Type 2 Diabetes: the FINE-HEART Pooled Analysis of Cardiovascular, Kidney, and Mortality Outcomes), agora em uma análise global de do efeito da Finerenona em pacientes com IC, diabetes tipo 2 (DM2) e/ou DRC. Estudos prévios que demonstraram algum benefício da medicação em DRC e DM2 porém, não tinham poder para demonstrar redução de mortalidade. Este estudo foi uma análise pré-especificada observacional prospectiva de todos os pacientes incluídos nos estudos FINEARTS-HF, FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD, resultando na análise de 18991 pacientes.
FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD
Para complementar as características dos pacientes já descritas para o estudo anterior, nos estudos FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD, os critérios de inclusão foram ter diabetes tipo 2 (DM2) ou DRC não-dialítica e a média de seguimento foi 2.6 anos e 3.4 anos, respectivamente. A média de idade foi de 67 anos, 72% homens, IMC médio 31, 44% eGFR ≥ 60 ml/min, HbA1c média 7.3, FEVE média 37%, 81% DM2, 84% DRC, 9% em uso de iSGLT2, 93% em uso de IECA/BRA. Em toda a população, 1.974 pacientes tinham apenas IC, 1588 tinham IC+DRC, 1139 IC+DM, 11983 DM+DRC e 2307 IC+DRC+DM. O DP foi morte CV e, os DS foram morte por todas as causas, hospitalização por IC e o composto de desfechos renais (declínio sustentado da eGFR ≥50%, eGFR < 15ml/min/1,73m2 de forma sustentada, diálise crônica ou transplante renal ou morte devido à insuficiência renal).
O DP foi neutro para mortes CV comprovadas (HR 0.89; 95% CI 0.78-1.01; P=0.076), no entanto, quando incluídas as mortes de causa indeterminada nas mortes CV o estudo foi favorável a medicação (HR 0.88; 95% CI 0.79-0.98; P=0.025). Quanto aos DS, houve benefício geral para todos: Mortalidade por todas as causas (HR 0,91; IC de 95% 0,84-0,99, P=0,027), Hospitalização por IC (HR 0,83; IC de 95% 0,75-0,92, P<0,001) e composto renal (HR 0,80; IC de 95% 0,72-0,90, P<0,001). Também não houve eventos adversos e hipercalemia significativos.
Mensagem prática
Diante desses estudos, podemos concluir que em pacientes com IC e FEVE levemente reduzida ou preservada, a finerenona reduziu o risco de morte cardiovascular e eventos totais por IC e melhorou qualidade de vida, abrangendo também o grupo de DM2 e renais crônicos não dialíticos, podendo ser uma droga potencial para IC com FEVE > 40% juntamente com os iSGLT2.
Autoria

Sara Del Vecchio Ziotti
Graduação em Medicina e Clínica médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo
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