A deficiência de ferro é frequente em pacientes com insuficiência cardíaca (IC), com uma prevalência de 30-80% e, associa-se a aumento da mortalidade e hospitalizações. Ensaios clínicos randomizados de ferro intravenoso em pacientes com deficiência de ferro e IC, especialmente com fração de ejeção reduzida (ICEFer), demonstraram melhora dos sintomas, da capacidade funcional e da qualidade de vida, mas o efeito em eventos clínicos duros como morte ainda é incerto.
Foram apresentados no ESC 2023 trabalhos sobre este tema. O HEART-FID trial e a metanálise dos estudos CONFIRM-HF, AFFIRM-AHF e HEART-FID.

HEART-FID trial
O HEART-FID trial, estudo multicêntrico de diversos países, randomizado e placebo-controlado, avaliou o efeito da Carboximaltose férrica (FCM) em um composto hierárquico de mortalidade, hospitalizações por IC e distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos (TDC6) em pacientes ambulatoriais com ICFEr crônica e deficiência de ferro. O estudo incluiu 3.065 pacientes com ICFEr (fração de ejeção ≤40% em 24 meses ou ≤30% em 36 meses de triagem), deficiência de ferro, classe funcional NYHA II a IV e em máxima terapia para IC tolerada por ≥2 semanas antes da randomização.
Foram incluídos pacientes com e sem anemia e randomizados 1:1 para receber FCM intravenoso ou placebo, além da terapia usual para IC. As doses foram administradas aos 0 e 7 dias e depois, a cada 6 meses com base nos índices de ferro e níveis de hemoglobina. O desfecho primário foi um composto hierárquico de mortalidade por todas as causas em 12 meses, hospitalizações por IC aos 12 meses e mudança no TDC6 desde o início até 6 meses. O desfecho secundário superior (“top end point”) foi um composto do tempo até a primeira hospitalização por IC ou morte cardiovascular durante o tempo de seguimento. Os desfechos secundários adicionais incluíram morte cardiovascular. A idade média foi 69 anos, sendo 34% eram mulheres.
Especificamente, aos 12 meses, 131 (8,6%) e 158 (10,3%) pacientes morreram nos grupos FCM e placebo, respectivamente, e houve 297 e 332 hospitalizações por IC, respectivamente. A mudança média no TDC6 aos 6 meses foi de 8±60 metros e 4±59 metros nos grupos FCM e placebo, respectivamente. O principal resultado da comparação teve um valor p de 0,019 que não atendeu ao pré-especificado nível de significância de 0,01 necessário para o sucesso regulatório da medicação no FDA. A proporção de vitórias para o geral composto, comparando FCM com placebo, foi de 1,10 ([IC] de 99% 0,99 a 1,23; p=0,019). Embora isto indicasse 10% a mais de “vitórias” com o FCM, não atendeu ao pré-especificado nível de significância.
Para o desfecho secundário principal superior de tempo até a primeira hospitalização por IC ou morte cardiovascular durante todo o período de acompanhamento, houve menos eventos no grupo FCM do que no grupo placebo (16,0 versus 17,3 eventos por 100 pacientes-ano) com um HR de 0,93 (IC 96% 0,81 a 1,06). Para o desfecho secundário de morte cardiovascular, houve um HR de 0,86 (IC 96% 0,72 a 1,03), sem diferença estatística. Já as análises para mudança no TDC6 mostraram um aumento de mais de 20% das chance de ter pelo menos 10 ou 20 metros de melhora no TDC6 com a FCM em comparação com placebo, OR de 1,24 (IC 95% 1,08 a 1,44) para melhora ≥10 metros em 6 meses e OR de 1,27 (IC 95% 1,09 a 1,49) para melhora ≥20 metros em 6 meses. Assim este trial confirmou a segurança da CMF intravenosa em pacientes com ICFEr e, apesar de sugerir os benefícios potenciais da FCM, os resultados não atingiram seu objetivo de eficácia.
Metanálise
Nesse contexto clínico, a metanálise dos estudos CONFIRM-HF, AFFIRM-AHF e HEART-FID veio avaliar os efeitos da FCM em hospitalizações recorrentes por IC. O estudo reuniu dados individuais dos participantes de três estudos randomizados e controlados por placebo que usaram a FCM em pacientes adultos com IC e deficiência de ferro por pelo menos 52 semanas de acompanhamento. Houve dois desfechos primários de eficácia:
- Composto do total de hospitalizações cardiovasculares e morte cardiovascular;
- Composto do total hospitalizações por IC e morte cardiovascular.
Ambos os desfechos foram avaliados por 52 semanas. Os principais desfechos secundários incluíram componentes individuais do desfecho composto. Nos três ensaios, um total de 4.501 pacientes com ICFer e deficiência de ferro foram randomizados para FCM (n=2.251) ou placebo (n=2.250). A idade média da população total era de 69 anos, 63% eram homens e a FEVE média era 32%.
A terapia com FCM reduziu significativamente o desfecho composto coprimário de total de hospitalizações cardiovasculares e morte cardiovascular em comparação com placebo, com uma rate ratio (RR) de 0,86 (95% [IC] 0,75 a 0,98; p=0,029). Houve uma tendência de redução do desfecho composto coprimário de total de hospitalizações por IC e morte cardiovascular, mas não obteve significância estatística (RR 0,87; IC 95% 0,75 a 1,01; p=0,076). A terapia com FCM foi associada a uma redução de 17% do risco relativo de hospitalizações cardiovasculares (RR 0,83; IC 95% 0,73 a 0,96; p=0,009) e uma redução relativa de 16% na taxa total hospitalizações por IC (RR 0,84; IC 95% 0,71 a 0,98; p=0,025). Novamente, não houve efeito significante sobre a mortalidade. Nas análises de subgrupos, os pacientes no tercil de saturação de transferrina mais baixa (TSAT<15%) tiveram maior benefício do ferro para o desfecho composto de hospitalizações cardiovasculares totais ou morte cardiovascular do que aqueles com TSAT basal mais elevado (interação p=0,019). O tratamento com FCM foi seguro e bem tolerado.
Considerações finais
Dessa forma, as evidências atuais mostram benefícios da reposição de ferro venoso em pacientes com deficiência de ferro e ICFer para reduzir hospitalizações por IC e por outras causas cardiovasculares, sem benefício em sobrevida.
Autoria

Sara Del Vecchio Ziotti
Graduação em Medicina e Clínica médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.