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A diretriz do último congresso da European Society of Cardiology (ESC 2019) sobre dislipidemia é, como todos os textos deles, bem didático e completo. Há diversas figuras que ajudam muito a entender as orientações. Uma característica ainda própria desse modelo europeu é sempre procurar trazer dicas e recomendações mesmo onde a evidência científica não seja tão robusta, tornando mais prático do dia a dia o emprego da diretriz. No nosso texto, temos o resumo e as principais novidades.
Onde tudo começa: na estratificação do risco cardiovascular
Em linha com nossa reportagem sobre “prevenção primária das doenças cardiovasculares”, a dislipidemia não pode ser vista como uma doença isolada, mas sim no conjunto com os demais fatores de risco para aterosclerose, sua principal complicação. Por isso, na consulta, é necessária além da história e do exame físico, informações sobre histórico familiar de cardiopatia, pressão arterial, perfil lipídico, glicemia e hemoglobina glicada, função renal, tabagismo e hábitos de vida.
Agora, você deve separar condições de alto e muito alto risco que já são evidentes nessa etapa: renais crônicos avançados, diabetes melito de longa data e doença cardiovascular estabelecida (neste último caso, a profilaxia é secundária e sempre devemos usar estatina), entre outras (veja tabela abaixo). Caso o seu paciente não se enquadre nessas situações, siga para a próxima etapa.
A partir destes dados, o médico deve utilizar uma calculadora e estimar o risco cardiovascular (RCV). Essas calculadoras são indicadas para pacientes > 40 anos de idade. Os europeus recomendam o SCORE, mas ele é validado apenas por lá. Aqui no Brasil, a SBC utiliza o escore de risco global, baseado na equação de Framingham, e a American Heart calibrou o seu ASCVD risk. Não há consenso de qual delas é mais precisa. Então, escolha um e use.
Ao final, o paciente deverá ser classificado em uma dessas categorias:
Categoria | Critérios de Inclusão |
Muito alto risco | Doença aterosclerótica (mesmo se assintomática)
Obstrução arterial ≥ 50% DM: com lesão de órgão-alvo e/ou ≥ 3 fatores de risco e/ou DM1 duração > 20 anos DRC estágios ≥ IIIb SCORE ≥ 10% Hipercolesterolemia familiar com aterosclerose subclínica ou outro fator de risco “major” |
Alto risco | Fator de risco isolado muito alterado, como PA ≥ 180/110 mmHg ou LDL ≥ 190 mg/dl
Hipercolesterolemia familiar sem fatores de risco associados DRC estágios II e IIIa Diabetes sem lesão órgão-alvo e (≥ 10 anos ou fator de risco associado) SCORE 5-10% |
Risco intermediário | DM < 10 anos de duração + idade jovem (tipo 1 < 35 anos ou tipo 2 < 50 anos)
SCORE 1-5% |
Baixo risco | SCORE < 1% |
Nos pacientes de perfil intermediário, há dúvida sobre o real benefício das estatinas. Por isso, pode ser necessário complementar as informações, em busca da presença ou não de aterosclerose subclínica. As opções disponíveis são:
- US com espessura intimal carotídea ou femoral;
- Albuminúria;
- Proteína C reativa;
- Lipoproteína(a) e ApoB;
- Escore de cálcio.
Destas, o escore de cálcio é o mais validado e ganha a preferência como recomendação número 1. Mas a diretriz europeia traz vários elogios à dosagem de Lipoproteína(a) e ApoB-100.
Como tratar
Aqui, a diretriz é clara: trace uma meta e use a estatina necessária para alcançá-la. Qualquer outro tratamento só entra depois da estatina estar no máximo! Neste caso, a primeira opção adjuvante é o ezetimibe 10 mg e a segunda, após associação estatina + ezetimibe, são os inibidores PCSK9.
Metas de LDL e recomendações de tratamento como profilaxia primária:
Outras dicas da diretriz:
- Adeus ao jejum nos exames de sangue para lipidograma!
- Como regra geral, a meta nos pacientes de risco alto ou muito alto é reduzir o LDL em > 50% e para níveis menores aos mostrados na tabela acima, o que for maior.
- Ratificando nossa reportagem prévia, a diretriz recomenda ômega-3 para triglicerídeos entre 150-400 mg/dl em pacientes de alto risco cardiovascular. O estranho é que, ao contrário das diretrizes brasileira e americana, eles mantiveram o fibrato como opção se TG > 200 mg/dl.
- Acima de 75 anos, o benefício da estatina é menor e há de se considerar o grau de fragilidade. Como regra geral, a estatina fica indicada nas situações de alto e muito alto risco.
Referências bibliográficas:
- Mach F, etal. 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk: The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and European Atherosclerosis Society (EAS). European Heart Journal, ehz455, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehz455
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