A fibrilação atrial (FA) está associada a níveis elevados de diversos biomarcadores, alguns dos quais possuem significado prognóstico. Os avanços nos ensaios de troponina de alta sensibilidade (hs) possibilitaram a detecção de níveis mais baixos do que anteriormente possível, oferecendo informações prognósticas valiosas mesmo em indivíduos sem doença arterial coronariana. Mesmo elevações mínimas nos níveis de troponina, na ausência de doença arterial coronariana, correlacionam-se com pior prognóstico em estudos populacionais.
Níveis elevados de troponina cardíaca podem predizer o surgimento de fibrilação atrial, e estão associados a um risco aumentado de eventos cardiovasculares e mortalidade em pacientes com FA.
O papel dos biomarcadores no manejo da FA é destacado como uma lacuna de evidência nas Diretrizes da ESC. Estudos prévios demonstraram que tanto os bloqueadores dos canais de cálcio quanto os betabloqueadores reduzem significativamente os níveis de hs-TnT e hs-TnI em pacientes com fibrilação atrial após três semanas de tratamento. No entanto, não se sabe se esse efeito é sustentado ao longo do tempo. Assim, foi desenhado um novo estudo, publicado no BMC Cardiovascular Disorders, com o objetivo de investigar os efeitos de seis meses de tratamento com o diltiazem e o metoprolol sobre os níveis de hs-TnI, tanto em repouso quanto durante o exercício.
Métodos
Este estudo foi um subestudo pré-definido de biomarcadores de um ensaio clínico randomizado, prospectivo, de grupos paralelos e cego para o investigador.
Foram incluídos pacientes com 18 anos ou mais, com fibrilação atrial permanente sintomática com duração mínima de três meses e frequência cardíaca de repouso de pelo menos 80 batimentos por minuto (bpm) após suspensão de medicamentos redutores da frequência.
Pacientes com fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) inferior a 40% ou com doença arterial coronariana conhecida foram excluídos.
Após o recrutamento e um período de “washout” de duas semanas sem medicamentos redutores da frequência, os pacientes foram randomizados na proporção de 1:1 para seis meses de tratamento com cápsulas de liberação prolongada de diltiazem 360 mg (Pfizer) ou comprimidos de liberação lenta de metoprolol 100 mg (AstraZeneca/Recordati), ambos administrados uma vez ao dia.
Os profissionais do estudo e os investigadores responsáveis pela avaliação dos desfechos permaneceram cegos quanto à medicação alocada, enquanto os participantes não estavam cegos. As coletas de sangue, avaliações clínicas e teste de exercício cardiopulmonar até exaustão foram realizados no início (sem medicação) e após um e seis meses.
Coleta de sangue e análises laboratoriais
Amostras de sangue venoso (não em jejum) para dosagem de hs-TnI foram coletadas após 30 minutos de repouso em posição supina e no pico do exercício.
Os níveis de hs-TnI foram medidos com o ensaio Atellica®IM High-Sensitivity Troponin I no analisador Atellica®IM 1600 (Siemens), com intervalo de medição de 2,50 a 25.000.000 ng/L. Os resultados abaixo do limite inferior de detecção foram atribuídos ao valor de 2,5 ng/L.
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Resultados
No total, 93 pacientes com fibrilação atrial permanente (28 mulheres, 65 homens) foram randomizados para diltiazem (n = 49) ou metoprolol (n = 44) entre abril de 2016 e abril de 2021.
Os níveis de hs-TnI em repouso eram detectáveis em 96% dos pacientes na linha de base, com um valor mediano de 7,12 ng/L. No grupo do diltiazem, os níveis aumentaram após um mês (p = 0,03), seguidos por uma redução significativa aos seis meses (p = 0,008) em comparação com a linha de base. No grupo do metoprolol, os níveis diminuíram significativamente após um (p < 0,001) e seis meses (p = 0,03). Não houve diferenças significativas entre os grupos na variação dos níveis em repouso de hs-TnI em nenhum dos momentos.
Os níveis de hs-TnI aumentaram significativamente do repouso ao pico do exercício em ambos os grupos de tratamento em todas as visitas. Não houve diferenças significativas entre os grupos no aumento do hs-TnI do repouso ao pico nas visitas de seguimento, embora os níveis fossem numericamente mais altos no grupo do metoprolol.
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Os níveis de hs-TnI no pico do exercício eram detectáveis em todos os pacientes na linha de base, com um valor mediano de 8,38 ng/L. No grupo do diltiazem, os níveis de hs-TnI no pico aumentaram significativamente após um mês (p = 0,02), seguidos por uma redução significativa aos seis meses em relação à linha de base (p < 0,001). No grupo do metoprolol, os níveis diminuíram significativamente após um (p = 0,003) e seis meses (p = 0,004). Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos nos níveis de hs-TnI no pico do exercício nas visitas de seguimento.
Não houve diferenças significativas nos níveis basais de hs-TnI em repouso ou no pico do exercício entre pacientes com FEVE ≥ 50% e aqueles com FE de 40–49%. Também não foram observadas diferenças significativas entre os grupos nas visitas de seguimento em relação aos níveis basais.
Discussão: efeitos do diltiazem e metoprolol na troponina
Seis meses de controle da frequência com diltiazem ou metoprolol reduziram significativamente os níveis de hs-TnI, tanto em repouso quanto durante o exercício, em pacientes com fibrilação atrial permanente. Esses achados confirmam os resultados do estudo RATAF original, indicando um efeito de longo prazo estável, em vez de uma resposta transitória ao início do tratamento.
Os mecanismos para troponina detectável em pacientes com FA sem DAC ou insuficiência cardíaca sistólica ainda não são totalmente compreendidos. Possíveis causas incluem isquemia miocárdica por frequência ventricular elevada, inflamação, alterações na microcirculação e fibrose miocárdica.
A frequência cardíaca tem sido associada aos níveis de TnI em pacientes com FA. Apesar de a média da FC em repouso já estar abaixo do limite mais permissivo (110 bpm), observou-se que a redução adicional da FC coincidiu com a queda da troponina. Embora o estudo RACE II não tenha encontrado diferenças entre controle rigoroso e permissivo, o seguimento foi curto. Não se pode descartar um benefício de controle mais estrito no longo prazo.
Apesar de essa queda na FC coincidir com a queda nos níveis de hs-TnI, essa correlação não foi significativa nesse estudo.
Limitações
Os participantes foram recrutados em uma região específica do leste da Noruega, todos de origem ocidental, e a maioria eram homens. Era necessário comparecer a múltiplas visitas, o que pode ter excluído pacientes com mobilidade reduzida ou outras comorbidades significativas.
O estudo incluiu apenas pacientes com FEVE ≥ 40% e sem DAC conhecida.
Conclusões
Em pacientes com fibrilação atrial permanente, seis meses de tratamento para controle da frequência com diltiazem ou metoprolol reduziram os níveis de hs-TnI tanto em repouso quanto durante o exercício, sem diferenças significativas entre os dois grupos. Estudos adicionais são necessários para determinar se essa redução prolongada nos níveis de troponina se traduzirá em melhora do prognóstico a longo prazo.
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