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Cardiologia19 setembro 2025

Efeitos da hipertensão pulmonar após TAVI 

Estudo avaliou o impacto da hipertensão pulmonar no prognóstico de pacientes com estenose aórtica (EA) grave submetidos à TAVI
Por Juliana Avelar

A estenose aórtica (EA) é uma das doenças valvares cardíacas mais prevalentes em todo o mundo. Caracterizada pelo estreitamento da válvula aórtica, a EA dificulta o fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo para a aorta, levando a estresse hemodinâmico significativo, hipertrofia ventricular esquerda e, eventualmente, insuficiência cardíaca. Para muitos pacientes, especialmente aqueles com alto risco cirúrgico devido à idade ou comorbidades, o implante valvar aórtico transcateter (TAVI) emergiu como uma alternativa revolucionária e minimamente invasiva à substituição cirúrgica da válvula aórtica (SAVR).  

Sabe-se que a hipertensão pulmonar (HP) é uma comorbidade frequente em pacientes com EA, presente em aproximadamente 30–60% dos casos. A combinação de EA e HP impõe estresse hemodinâmico adicional ao coração, especialmente ao ventrículo direito, podendo agravar os desfechos clínicos após o TAVI. Em pacientes com HP, a insuficiência ventricular direita, a piora da insuficiência cardíaca preexistente e outros eventos adversos podem contribuir para aumento da morbimortalidade após o TAVI. 

Foi publicada recentemente na BMC Cardiovascular Disorders uma revisão sistemática com o objetivo de fornecer, então, uma avaliação sobre o impacto da HP na mortalidade por todas as causas em 30 dias e 1 ano, mortalidade cardiovascular e taxas de complicações em pacientes com EA submetidos ao TAVI.  

Resultados 

Sete estudos de coorte foram incluídos nesta meta-análise, abrangendo um total de 5.042 pacientes. Desses, havia 2.750 pacientes no grupo com HP e 2.292 no grupo sem HP. A idade média dos pacientes no grupo com HP variou de 78,0 a 84,7 anos, enquanto no grupo sem HP variou de 78,9 a 84,2 anos.  

Os achados demonstram que a HP está significativamente associada a aumento da mortalidade por todas as causas em 30 dias e 1 ano, assim como a maior mortalidade cardiovascular em 1 ano, destacando seu papel como um fator de risco crítico nesta população de pacientes. 

O risco elevado de mortalidade observado em pacientes com HP provavelmente reflete a complexa interação fisiopatológica entre EA e HP. O aumento da pressão arterial pulmonar impõe uma carga excessiva ao ventrículo direito (VD), que, quando sobreposto à obstrução do fluxo de saída do ventrículo esquerdo característica da EA, resulta em sobrecarga biventricular. Essa dupla carga hemodinâmica pode acelerar o desenvolvimento de disfunção ventricular direita (DVD), um determinante bem estabelecido de desfechos adversos após o TAVI. Além disso, a HP pode prejudicar o débito cardíaco e a perfusão, diminuindo assim a capacidade do coração de tolerar o estresse do procedimento — particularmente em pacientes idosos e de alto risco. Embora a maioria dos estudos incluídos não tenha relatado explicitamente taxas de insuficiência do VD, pesquisas anteriores indicam que a DVD é mais prevalente entre pacientes com HP e pode contribuir substancialmente para seus piores desfechos pós-TAVI.  

Em pacientes com HP, a resistência vascular pulmonar aumentada impõe uma elevada pós-carga ao VD, e essa sobrecarga pode persistir mesmo após o TAVI, particularmente quando o remodelamento vascular pulmonar é irreversível. Além disso, parâmetros dinâmicos elevados, como os gradientes de pressão transpulmonar e diastólica, podem agravar a sobrecarga do VD e têm demonstrado predizer piores desfechos pós-TAVI. 

Curiosamente, essa metanálise não encontrou diferenças significativas entre pacientes com HP e sem HP em relação a complicações procedimentais maiores, como AVC, eventos de sangramento major, infarto do miocárdio ou implante de marcapasso. Isso sugere que o impacto prognóstico adverso da HP é mais provavelmente impulsionado pelo comprometimento hemodinâmico subjacente, e não por eventos relacionados ao procedimento. 

Esses achados são consistentes com estudos prévios, que demonstraram que, embora a HP possa não aumentar o risco do procedimento em si, ela influencia negativamente a recuperação pós-TAVI e o prognóstico a longo prazo. Além disso, a ausência de diferenças significativas em complicações procedimentais pode refletir melhorias contínuas nas técnicas de TAVI e uma seleção mais refinada de pacientes nos últimos anos, o que provavelmente mitiga os riscos perioperatórios em pacientes com HP. 

Trabalhos recentes demonstram que, em pacientes com EA de baixo fluxo e baixo gradiente submetidos a TAVI, a fenotipagem hemodinâmica invasiva detalhada pode revelar diferenças prognósticas além da classificação binária de HP. Esses achados destacam a importância de considerar subtipos hemodinâmicos ao avaliar o risco nesta população. Estudos que aplicam critérios mais rigorosos de HP ou incluem casos mais graves tendem a relatar piores desfechos, provavelmente devido à maior sobrecarga hemodinâmica.  

Vale destacar que a definição de hipertensão pulmonar variou notavelmente entre os estudos incluídos. Dois estudos definiram HP como pressão arterial pulmonar média > 20 mmHg, três utilizaram um limiar > 25 mmHg, enquanto dois se basearam em estimativas ecocardiográficas com valores de corte de pressão sistólica da artéria pulmonar > 34 mmHg e > 36 mmHg, respectivamente. Essa inconsistência decorre das diferenças na modalidade diagnóstica (invasiva vs. não invasiva) e da evolução das definições nas diretrizes. Essas discrepâncias provavelmente contribuíram para a heterogeneidade clínica e devem ser abordadas em pesquisas futuras por meio de definições padronizadas e relatórios por subgrupos. 

Além da variabilidade nos limiares de HP, existiu considerável heterogeneidade em outros aspectos do desenho do estudo. A via de acesso para TAVI diferiu entre os estudos, com a maioria favorecendo a abordagem transfemoral, enquanto alguns incluíram pacientes tratados via acesso transapical, geralmente associado a maior risco procedimental e que pode influenciar independentemente os desfechos. Além disso, os critérios de seleção dos pacientes variaram, particularmente quanto aos perfis de risco cirúrgico, fração de ejeção do ventrículo esquerdo e comorbidades como doença renal crônica e fragilidade.  

Considerando a idade avançada e a alta carga de comorbidades comuns em coortes de TAVI, é plausível que a interação entre HP e condições coexistentes — como doença arterial coronariana, doença renal crônica ou diabetes — possa aumentar sinergicamente os desfechos adversos. Estudos futuros devem realizar análises estratificadas com base na gravidade da HP, etiologia (por exemplo, pós-capilar vs. pré-capilar) e perfis de comorbidade para identificar melhor subgrupos de alto risco que possam se beneficiar de manejo personalizado ou otimização pré-procedimental. 

Conclusão 

Essa meta-análise demonstrou que a HP está significativamente associada ao aumento da mortalidade de curto e longo prazo em pacientes com EA submetidos a TAVI, enfatizando a necessidade de avaliação cuidadosa e manejo da HP nesta população. Estudos futuros devem explorar terapias direcionadas para otimizar os desfechos desses pacientes, bem como investigar os mecanismos subjacentes que contribuem para o aumento da mortalidade.

Autoria

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Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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