Os anticoagulantes orais de ação direta (DOACs) têm ganhado cada vez mais espaço na prática clínica, estando consolidados na profilaxia de eventos cardioembólicos na fibrilação atrial não valvar e no tratamento de eventos tromboembólicos venosos em sítios usuais e não relacionados à síndrome antifosfolípides.
Entretanto, à luz das atuais evidências, podem ser considerados seguros e eficazes no tratamento da trombose venosa esplâncnica (TVE)?
A TVE é uma condição potencialmente grave e caracterizada pela formação de coágulos no sistema venoso abdominal, contemplando desde a área de drenagem do esôfago distal até os dois terços proximais do reto.
Veja também: Lipoproteína A alta e AAS: há espaço para prevenção primária?
De acordo com o sítio anatômico envolvido, a TVE pode ser subdivida em:
Em termos cronológicos, a TV portal pode ser subdividida em aguda, quando presumidamente presente há menos de seis meses; ou crônica, quando ultrapassar o referido limiar ou for identificada a sua transformação cavernomatosa.
Os objetivos do tratamento da TV portal aguda incluem a recanalização e prevenção da extensão do coágulo, minimizando o risco de isquemia mesentérica e hipertensão portal. O sucesso terapêutico está intimamente relacionado à instituição precoce do tratamento, que deverá ser mantido por pelo menos três a seis meses. Entretanto, a anticoagulação deve ser considerada por prazo indeterminado, principalmente quando são identificados os fatores pró-trombóticos.
Por sua vez, na TV portal crônica, embora o benefício da anticoagulação seja menos claro, geralmente mantém-se a recomendação terapêutica. Nesses casos, contudo, a conduta deve ser precedida pela instituição de profilaxia de sangramento relacionado à hipertensão portal.
Os estudos que avaliaram o emprego de DOAC na TV portal entre não cirróticos são predominantemente de natureza retrospectiva, com número limitado de pacientes e tempo de seguimento curto, com grande heterogeneidade quanto ao DOAC utilizado, bem como as doses empregadas e o tempo de tratamento instituído.
Apesar das limitações metodológicas, a tendência dos DOACs é de não inferioridade em relação à enoxaparina e superioridade em termos de taxa de recanalização e segurança relacionada a sangramentos quando comparados aos VKAs.
Leia ainda: Diagnóstico e tratamento de doenças da aorta ascendente: o que devemos saber
A maioria dos estudos que envolvem os DOACs na TV portal cirrótica são retrospectivos, com número limitado de pacientes e heterogêneos no que se refere à classificação da entidade, aos fármacos e doses utilizados e à duração do tratamento. De todo modo, os DOACs podem representar uma alternativa viável à anticoagulação convencional, embora estudos randomizados controlados se façam necessários.
- Trombose venosa portal, quando acomete a veia porta, a veia mesentérica superior e/ou a veia esplênica;
- Síndrome de Budd-Chiari, quando compromete a drenagem venosa hepática por acometimento das veias hepáticas, veia cava inferior ou do próprio átrio direito.
Trombose de veia porta não-cirrótica
A TV portal, na ausência de doença hepática crônica avançada, geralmente tem como substrato etiológico a trombofilia, seja adquirida ou hereditária, ou a presença de fatores locais desencadeadores.Grupos etiológicos da trombose venosa portal não cirrótica
Trombofilias adquiridas (50%) |
|
Trombofilias hereditárias (20%) |
|
Fatores locais (20%) |
|
Causa não identificada (15-40%) |
Trombose de veia porta cirrótica
A história natural da TV portal entre os cirróticos pode ser de recanalização e melhora espontânea em cerca de um terço dos casos ou progressão do trombo em um quarto deles. O consenso de Baveno VII traz as seguintes recomendações de anticoagulação na TV portal:- TV portal aguda (< 6 meses);
- TV portal oclusiva (envolvimento > 50% da luz do tronco principal da veia portal);
- TV portal sintomática;
- TV portal entre os candidatos ao transplante hepático, com o intuito de facilitar as anastomoses vasculares.
Uso dos DOACs na DHCA | |
Child A |
Considerado seguro |
Child B |
Deve ser individualizado e cauteloso |
Child C |
Contraindicado. |
Síndrome de Budd-Chiari
Na síndrome de Budd-Chiari destacamos o papel etiológico das doenças mieloproliferativas, presentes entre 30 e 57% dos casos; bem como da hemoglobinúria paroxística noturna e a síndrome de Behçet, que em conjunto podem responder por 12% dos casos, ficando clara a necessidade de tratar especificamente as condições de base por vezes identificadas. A combinação de fatores de risco pode ser encontrada em quase metade dos casos de Budd-Chiari, enquanto a ausência de gatilhos claros é observada em até 29% dos deles. De toda forma, a anticoagulação por longo prazo é recomendada. O papel do emprego de DOACs nesse cenário é bem menos estudado do que na TV portal. Em um estudo australiano multicêntrico, envolvendo 41 pacientes, o uso de DOACS (22 pacientes) foi comparado com a anticoagulação tradicional (19 pacientes), tendo-se observado maior taxa de recanalização completa (64%) e sobrevida livre de transplante em 5 anos (92%) entre os usuários de DOACs. Os DOACs parecem seguros e eficazes na síndrome de Budd-Chiari, sendo opções terapêuticas permitidas pelas diretrizes internacionais, embora estudos prospectivos se façam necessários para que a adoção em larga escala possa ser respaldada. Saiba mais: Tratamento antiarrítmico na insuficiência cardíacaConclusão e mensagens práticas
- A trombose venosa esplâncnica (TVE) inclui a formação de coágulos nas veias hepáticas, cava inferior, porta, mesentérica superior e esplênica.
- Entre os pacientes não cirróticos, as trombofilias (adquiridas ou hereditárias) e fatores locais frequentemente estão implicados, com destaque para as doenças mieloproliferativas.
- Entre os cirróticos, é esperada a trombose da veia porta, que se desenvolve em 25% dos casos ao longo de 5 anos.
- O pilar do tratamento da TVE é a anticoagulação tradicional: heparina de baixo peso molecular na fase aguda, seguida por manutenção com antagonistas da vitamina K.
- O emprego dos anticoagulantes de ação direta (DOACs) nesse cenário, embora promissor, carece de estudos prospectivos randomizados, sendo que a evidência atual é pautada principalmente em estudos retrospectivos, pequenos e com grande heterogeneidade.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.