A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais comum, e sua incidência aumenta com a idade, afetando cerca de 20% dos pacientes com mais de 80 anos. Pacientes mais idosos, especialmente aqueles com maior carga de comorbidades, apresentam risco aumentado de AVC ou eventos embólicos sistêmicos (EES), bem como de complicações hemorrágicas graves, como hemorragia maior e hemorragia intracraniana (HIC). Nesses pacientes, a fragilidade aumenta tanto o risco de sangramento quanto de eventos isquêmicos e está independentemente associada a maiores taxas de não prescrição de anticoagulação e de descontinuação de anticoagulação oral. Como resultado, pacientes idosos frágeis com FA representam um grupo particularmente desafiador de manejar, e o subuso de anticoagulantes pode chegar a 50%, com taxas de descontinuação quase 3 vezes maiores do que em pacientes não frágeis.
Indivíduos frágeis com FA estão em risco particularmente elevado de eventos isquêmicos, hemorrágicos e morte. Contudo, a avaliação formal e prospectivamente definida de fragilidade não foi realizada nos grandes ensaios de FA que compararam DOACs e varfarina (antagonistas da vitamina K – AVK). Em vez disso, diversas análises de subgrupos utilizaram substitutos de fragilidade, como presença de múltiplas comorbidades, alto risco de quedas, polifarmácia ou combinação de características de alto risco. Todas essas análises em populações frágeis demonstraram desfechos semelhantes ou mais favoráveis com DOACs em comparação à varfarina, em relação aos resultados gerais dos ensaios.
Em contraste, o ensaio aberto FRAIL-AF, que testou a troca de AVK por DOAC ou continuar em AVK foi foi interrompido precocemente por futilidade, pois houve aumento significativo de sangramento maior ou clinicamente relevante não maior (CRNM), principalmente gastrointestinal, nos pacientes que trocaram para DOAC..
Para fornecer mais dados em uma população randomizada maior e com acompanhamento mais longo, essa metanálise recentemente publicada no JACC utilizou o banco de dados COMBINE-AF para identificar pacientes “semelhantes ao FRAIL-AF” (ou seja, idosos frágeis já expostos a AVK) e comparar a eficácia e segurança de trocar para DOAC em dose padrão (SD-DOAC) versus permanecer em AVK (varfarina).
Métodos
Foram incluídos 71.683 pacientes incluídos nos 4 ensaios pivotais de DOACs versus varfarina em FA. A fragilidade foi avaliada como estado de acúmulo de déficits de saúde, utilizando o índice de fragilidade (FI). No COMBINE-AF, foi desenvolvido o FI-18, composto por 18 condições crônicas relacionadas à idade, atribuindo 1 ponto para cada condição. Pacientes foram categorizados como frágeis se apresentassem ≥ 6 características de fragilidade (FI-18 ≥ 6 ou FI ≥ 0,33).
O desfecho primário de eficácia foi o composto de AVC ou EES. Desfechos secundários incluíram morte por todas as causas, morte cardiovascular, AVC hemorrágico, AVC isquêmico e EES. O desfecho primário de segurança foi sangramento maior. Desfechos secundários incluíram sangramento fatal, qualquer sangramento, HIC e sangramento gastrointestinal. Também foram avaliados dois desfechos clínicos líquidos (NCOs): um primário (AVC/EES, sangramento maior e morte) e um secundário (AVC/EES, HIC e morte).
Resultados
Foram incluídos dados individuais de 58.634 pacientes randomizados para receber DOAC em dose padrão (SD-DOAC) ou varfarina, acompanhados por uma mediana de 26,7 meses. Entre eles, 29.362 foram randomizados para SD-DOAC e 29.272 para varfarina. Do total, 27.615 pacientes (47,1%) tinham experiência prévia com antagonista da vitamina K (AVK), dos quais 10.905 (39,5%) tinham 75 anos ou mais. Nesse grupo de idosos com experiência em AVK, 5.913 pacientes (54,2%) foram classificados como frágeis e constituíram a população de interesse para esta análise: 3.005 foram randomizados para SD-DOAC e 2.908 para varfarina. As características basais entre SD-DOAC e varfarina nesse subgrupo foram semelhantes, com idade média de 79,8 versus 79,7 anos, 41,2% versus 41,6% de mulheres, e escore CHA₂DS₂-VASc mediano de 5 em ambos os grupos.
Nos desfechos de eficácia, o hazard ratio para o desfecho primário de acidente vascular cerebral ou evento embólico sistêmico em pacientes frágeis, idosos e com experiência em AVK randomizados para SD-DOAC versus varfarina foi de 0,83 (IC95%: 0,65–1,07), valor semelhante ao observado no grupo de comparação (HR: 0,81; IC95%: 0,73–0,89; P de interação = 0,75). Destaca-se, entretanto, que o SD-DOAC reduziu significativamente o risco de acidente vascular cerebral hemorrágico, tanto no grupo de teste quanto no grupo comparador.
Nos desfechos de segurança, para o sangramento maior, houve heterogeneidade significativa entre os grupos. No subgrupo de pacientes frágeis, idosos e com experiência em AVK, não houve diferença entre SD-DOAC e varfarina, enquanto no grupo comparador o SD-DOAC reduziu significativamente o risco. Em contrapartida, o SD-DOAC aumentou significativamente o risco de sangramento gastrointestinal em ambos os subgrupos, mas com magnitude maior nos pacientes frágeis, idosos e com experiência em comparação ao grupo de referência. Importante ressaltar que o SD-DOAC reduziu significativamente a incidência de sangramento fatal e de hemorragia intracraniana, com reduções semelhantes entre os dois grupos.
Vale destacar a importância da função renal: em pacientes com clearance de creatinina < 50 mL/min houve tendência a menor sangramento maior com SD-DOAC (HR: 0,82; IC95%: 0,63–1,06), enquanto em pacientes com clearance ≥ 50 mL/min observou-se aumento significativo (HR: 1,27; IC95%: 1,02–1,59).
Discussão: troca de varfarina por DOAC
O dado mais relevante é que, nessa população vulnerável (idosos frágeis), a troca para SD-DOAC reduziu significativamente os tipos mais graves de sangramento, incluindo hemorragia intracraniana, acidente vascular cerebral hemorrágico e sangramento fatal, alinhando-se aos principais achados da meta-análise COMBINE-AF. Em contrapartida, houve aumento significativo do risco de sangramento gastrointestinal, ainda mais acentuado nos pacientes frágeis, idosos e com experiência em AVK, o que levou a taxas menos favoráveis de sangramento extracraniano, maior e clinicamente relevante não maior quando comparados à varfarina. Como resultado, os desfechos clínicos líquidos nessa população foram semelhantes entre SD-DOAC e varfarina, diferentemente dos pacientes que não preenchiam os três critérios, em que SD-DOACs reduziram de forma significativa o desfecho líquido primário.
No estudo aberto FRAIL-AF, com 1.330 pacientes idosos frágeis em uso prolongado de antagonista da vitamina K (AVK), os investigadores relataram que a troca para um DOAC aumentou significativamente o desfecho primário composto de sangramento maior ou clinicamente relevante não maior (CRNM) após mediana de 344 dias de seguimento. Esses resultados foram impulsionados por excesso de eventos de sangramento gastrointestinal maior (9 vs 1), gastrointestinal CRNM (8 vs 3), urogenital (20 vs 11) e cutâneo (23 vs 10).
Embora uma comparação direta entre os resultados desses dois estudos não fosse o objetivo, as análises de subgrupos no presente trabalho oferecem algumas explicações para as divergências entre os achados. No estudo atual, a fragilidade foi avaliada como um estado de acúmulo de déficits de saúde (condições clínicas), resultando em piores desfechos, e utilizada para construir o índice de fragilidade (FI). Já o FRAIL-AF utilizou o Groningen Frailty Indicator (GFI), uma das ferramentas disponíveis para identificar fragilidade como uma síndrome, baseado em questionário que avalia seis domínios de saúde: mobilidade, visão e audição, nutrição, comorbidades, capacidade física e cognição/psicossocial. Esses dois métodos distintos podem identificar subpopulações diferentes de indivíduos frágeis. Na ausência de consenso sobre como a fragilidade deve ser definida e mensurada, ambas as abordagens são amplamente utilizadas na pesquisa em fragilidade para identificar indivíduos vulneráveis a desfechos adversos.
Comparada à população do FRAIL-AF, a população analisada nesse estudo apresentava maior carga de fatores de risco para AVC (escores CHA₂DS₂-VASc mais altos, maior frequência de AVC ou AIT prévios) e para sangramento (histórico mais frequente de sangramento maior), com exceção da idade. Na análise de subgrupo restrita a pacientes com mais de 80 anos (idade mediana de 83 anos), os desfechos de eficácia e segurança com SD-DOAC versus varfarina foram qualitativamente semelhantes à coorte principal. Pesquisas anteriores comparando diferentes instrumentos de avaliação de fragilidade reforçam as observações de que a população frágil identificada no COMBINE-AF apresentava risco mais elevado do que aquela incluída no FRAIL-AF.
Além disso, duas análises de sensibilidade sobre a influência da escolha do DOAC apontam outro fator que provavelmente contribuiu para as divergências entre os estudos. No FRAIL-AF, mais da metade dos pacientes randomizados para DOAC recebeu rivaroxabana, enquanto no COMBINE-AF apenas 18% receberam rivaroxabana, sendo a maioria tratada com apixabana ou edoxabana, fármacos com perfil de segurança mais favorável em idosos frágeis. Na análise de sensibilidade que modelou a mesma distribuição de DOACs usada no FRAIL-AF, os HRs para sangramento maior e para sangramento maior ou CRNM foram significativamente aumentados, menos favoráveis aos DOACs. Já a análise restrita a apixabana e edoxabana mostrou desfechos de sangramento relativamente mais favoráveis em comparação à varfarina, com reduções significativas de sangramento maior e de sangramento maior ou CRNM, além de aumento menos acentuado e não significativo de sangramento gastrointestinal.
Esses achados sugerem que pacientes idosos frágeis com experiência em AVK que trocam para DOAC podem apresentar diferenças nos desfechos de sangramento dependendo do fármaco selecionado. O presente estudo indica que a troca para SD-DOAC é uma estratégia razoável para pacientes idosos frágeis previamente expostos a AVK, particularmente pela redução de AVC, embolia sistêmica, morte e dos tipos mais graves de sangramento, como hemorragia intracraniana e sangramento fatal. Esses resultados fornecem evidências relevantes para a recomendação da Diretriz Europeia de FA de 2024, que sugere considerar a manutenção de AVK em pacientes ≥ 75 anos em uso estável e terapêutico de AVK, com polifarmácia, a fim de prevenir risco excessivo de sangramento. Os achados atuais justificam avaliação adicional em estudos futuros e consideração em futuras diretrizes.
Entre os pontos fortes desta análise do COMBINE-AF destacam-se o grande tamanho amostral (4,5 vezes maior que o FRAIL-AF), maior tempo de seguimento (> 2 vezes superior), desenho metodológico mais robusto e adjudicação independente e cega dos desfechos por comitê especializado. Entretanto, as limitações incluem a natureza pós-hoc da análise de subgrupo, a definição retrospectiva de fragilidade e a ausência de informações sobre aspectos como isolamento social, incapacidade funcional e comprometimento cognitivo, que foram considerados no FRAIL-AF. Assim, as duas abordagens provavelmente identificam subgrupos sobrepostos, mas não equivalentes. Além disso, alguns eventos foram pouco frequentes, reduzindo o poder estatístico, e não houve ajustes para múltiplas comparações.
Conclusões
Em pacientes frágeis, idosos e já em uso de AVK, a troca para SD-DOAC mostrou resultados de AVC e mortalidade semelhantes aos da população geral dos grandes ensaios. As taxas de sangramento maior e do desfecho líquido primário não diferiram entre DOAC e varfarina nesse grupo. Observou-se aumento relevante de sangramento gastrointestinal nos frágeis idosos mas redução consistente dos eventos hemorrágicos mais graves, como AVC hemorrágico, hemorragia intracraniana e sangramento fatal. Assim, o SD-DOAC pode ser considerado uma opção razoável, após decisão compartilhada, para reduzir tromboembolismo, mortalidade e sangramentos graves nessa população. Lembrar que edoxabana e apixabana têm um perfil de segurança melhor nessa população.
A diretriz brasileira recentemente publicada destaca que “pacientes estáveis em uso de varfarina podem ser mantidos em uso de varfarina, mas, particularmente em pacientes idosos e frágeis, o uso de DOAC pode constituir alternativa segura e eficaz”.
Autoria

Juliana Avelar
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
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