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Bradicardia é um sinal comum na prática médica e temos como dever saber diferenciar os casos fisiológicos daqueles de alto risco para complicações. Este texto trará uma abordagem prática para o médico jovem baseada na nova diretriz sobre “Bradicardia e Distúrbios de Condução” da AHA/ACC em 2018.
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A definição clássica de bradicardia nos livros texto é a FC < 60 bpm, mas é abaixo de 50 bpm onde começamos a ter problemas. O processo de investigação clínica é baseado em duas ações simultâneas: qual a causa do problema e se é um problema grave que necessite de abordagem imediata. No caso da bradicardia, o primeiro passo é determinar se há sintomas de baixo débito: lipotímia (às vezes descrita no genérico termo “tonteira” pelo paciente), síncope e sinais de má perfusão.
Cenário 1: bradicardia + sintomas baixo débito
O paciente deve ser monitorizado e ter acesso venoso e fonte de oxigênio disponíveis. O tratamento inicial recomendado é a atropina, seguida de infusão de dobutamina ou colocação de marcapasso provisório (a primeira escolha pela rapidez é o transcutâneo). Essa orientação está disponível em nossa reportagem sobre abordagem às arritmias no plantão da emergência.
A novidade da nova diretriz é que há a opção farmacológica da velha aminofilina os casos de bloqueio AV relacionados a um IAM.
A diretriz lembra ainda dos antídotos para as bradicardias por intoxicação/evento adverso:
- Betabloqueadores → glucagon
- Diltiazem/Verapamil → cálcio
- Digoxina → antídoto “Digibind” (anticorpo antidigoxina)
Cenário 2: bradicardia assintomática ou bradicardia com sintomas “leves”
É o momento de investigar o paciente. O objetivo é identificar se a arritmia é primária, por doença do tecido de condução cardíaco, ou secundária, podendo ser uma cardiopatia ou doença sistêmica. O ECG é indispensável como primeiro exame complementar.
- História: foque nas medicações e sintomas associados, em especial se está relacionada com esforço físico e/ou dor precordial. Uma bradicardia sem nenhum sintomas pode ser fisiológica em atletas treinados. Outro dado importante é se os sintomas só ocorrem à noite, pois em pacientes com apneia obstrutiva do sono as bradicardias são muito comuns. Nestes casos, o tratamento deve ser direcionado para tratar a apneia, e não sair colocando marcapasso em todo mundo.
- Família: avalie também se há casos na família, com destaque para morte súbita em parentes de primeiro grau.
- Medicações: betabloqueadores, digoxina, diltiazem/verapamil, clonidina, metildopa, amiodarona, propafenona, quinidina, sotalol, procainamida, donepezil, antieméticos, antipsicóticos, antidepressivos, fenitoína e outros.
- Exame físico: busca sinais de má perfusão e causas sistêmicas, bem como evidências de cardiopatia estrutural.
- Laboratório: não é o mais importante, mas nem por isso pode ser dispensado. O objetivo são causas reversíveis. As mais comuns são:
- Eletrólitos, com destaque para potássio, magnésio e cálcio
- TSH
- BNP e troponina
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- ECG: indispensável para identificarmos ritmo, condução AV (intervalo PR e bloqueios AV) e se há bloqueio de ramo (distúrbio de condução propriamente dito).
- Ecocardiograma transtorácico: considerado fundamental para avaliar se há cardiopatia estrutural. A diretriz deixa outros exames de imagem apenas quando suspeitamos de doença sistêmica ou miocardiopatia infiltrativa, como amiloidose, distrofias musculares, sarcoidose e miocardite.
- Holter de 24h: melhor quando os sintomas são diários, mas pela simplicidade e baixo custo, faz parte da rotina da maioria dos serviços.
Se esta investigação identificar uma causa secundária, como miocardiopatia isquêmica, o tratamento inicial é direcionado para a doença de base. O teste ergométrico irá fazer parte da sua investigação no paciente de risco para aterosclerose, nos sintomas relacionados ao esforço e na suspeita de doença do nodo sinusal (SSS, sick sinus syndrome).
Ao final, o ritmo deve ser identificado e temos três opções:
- Sinusal ou algo parecido
- Bloqueio AV, em diferentes graus
- Distúrbio de condução, leia-se bloqueio de ramo completo (≥ 120ms)
Daqui em diante falaremos da opção 1, e as opções 2 e 3 virão em texto complementar.
Doença do Nodo Sinusal (SSS)
Definição:
Presença obrigatória de sintomas associados a algum tipo de distúrbio sinusal, que pode ser:
- FC inapropriada < 50 bpm
- Ritmo atrial ectópico (não-sinusal) com FC < 50 bpm
- Bloqueio sinoatrial
- Pausas sinusais > 3 seg
- Parada sinusal (e o átrio ou algo perto assume o ritmo, em geral um ritmo juncional)
- Síndrome taqui-bradi
- Incompetência cronotrópica (COM sintomas)
- Dissociação isorítmica: o átrio contrai, mas em FC baixa, e fica dissociado do ventrículo, assumido pelo nodo AV ou feixe His.
Como investigar?
Além dos exames listados acima, solicite um teste ergométrico. A presença de sintomas com incapacidade de atingir 80% da FC máxima estimada é considerada definição de “incompetência cronotrópica”. Mas tem que haver sintoma.
Se os sintomas forem intermitentes, há opções de monitorização cardíaca prolongada, pois o objetivo é sempre tentar linkar o sintoma com uma alteração no ritmo. As opções são:
- Holter de até 72h
- Monitor de eventos
- Monitor cardíaco implantável – na diretriz, indicado quando os sintomas são raros, < 1x/mês
O estudo eletrofisiológico é raramente indicado na SSS isolada, apenas nos casos ainda suspeitos sem outras evidências de doença. Seu uso é mais comum nas doenças do nodo AV e do feixe de His, bem como nas arritmias ventriculares.
Como tratar?
O tratamento é marcapasso, mas só está indicado se houver sintomas. Nos demais casos ou nos pacientes que recusarem o MP, a teofilina oral é colocada como opção na diretriz. A diretriz enfatiza ainda o cuidado em avaliar se há cardiopatia estrutural associada, pois pode ser indicado um MP com função de ressincronização e/ou desfibrilador.
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Referências:
- 2018 ACC/AHA/HRS Guideline on the Evaluation and Management of Patients With Bradycardia and Cardiac Conduction Delay: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines, and the Heart Rhythm Society. J Am Coll Cardiol 2018;Oct 28
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