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Cardiologia10 março 2020

Câncer e doenças no pericárdio: o que precisamos saber?

A prevalência de comprometimento cardíaco e de pericárdio em câncer varia entre 5-20% em séries de autópsias e estudos, indicando prognóstico reservado.

A prevalência de comprometimento cardíaco e de pericárdio em neoplasias malignas varia entre 5% e 20% em séries de autópsias e estudos clínicos, sendo indicativo de prognóstico reservado. Os tumores primários do pericárdio são raros. Observa-se com mais frequência invasão pericárdica metastática, surgindo na maioria dos casos de carcinoma de pulmão e mama, malignidades hematológicas e tumores gastrointestinais.

prontuário e estetoscópio de médico cuidando de pacientes com câncer e doenças do pericárdio

Câncer e doenças do pericárdio

Foi publicado recentemente um artigo no jornal Heart, em que se revisava a prevalência e o manejo destes casos. Neste artigo, traremos os principais pontos da publicação.

Prevalência e etiologia

Foram analisados 186 artigos do Pubmed, dos quais 43 foram incluídos na revisão sistemática.

As neoplasias pericárdicas primárias, benignas (fibromas e lipomas) ou malignas (mesotelioma, angiossarcomas, fibrossarcomas), raramente ocorrem. Por outro lado, derrames pericárdicos malignos secundários ao câncer metastático são mais comuns. Um envolvimento direto do câncer no pericárdio é observado em 7% a 44% dos derrames pericárdicos.

Patofisiologia

Em pacientes com câncer, o envolvimento pericárdico resulta de vários mecanismos fisiopatológicos diferentes:

  1. Extensão direta ou disseminação metastática da doença subjacente;
  2. Complicação do tratamento sistêmico do tumor (radioterapia e/ou toxicidade quimioterapêutica);
  3. Infecção oportunista no cenário de terapias antineoplásicas; E
  4. Distúrbios metabólicos no fígado e/ou na função renal e/ou cardíaca do câncer ou da terapia do câncer (menos comum).

O tipo mais comum de envolvimento pericárdico é representado por derrames pericárdicos de moderado a grande. A prevalência de derrame associado a malignidade é de cerca de um terço em pacientes com tamponamento pericárdico, refletindo estágio avançado da doença.

Leia também: Como realizar o manejo da pericardite aguda e recorrente?

Manejo dos derrames pericárdicos

Depois que o derrame pericárdico é detectado, a investigação diagnóstica deve se concentrar sobre a causa potencial e seu impacto hemodinâmico. O tamponamento cardíaco, causando comprometimento hemodinâmico, ocorre em 50% dos pacientes com derrames pericárdicos malignos, expressão de doença terminal avançada.

Derrames pericárdicos moderados a grandes geralmente apresentam etiologias específicas em até 90% dos casos (por exemplo, neoplasias, tuberculose, doenças inflamatórias sistêmicas) e na apresentação clínica é importante suspeitarmos delas.

O que observar na abordagem inicial?

1) Considerar a presença/ausência de tamponamento cardíaco.
2) Avaliar sinais inflamatórios, incluindo proteína C reativa e / ou taxa de sedimentação de eritrócitos (ou seja, pericardite)
3) Investigar a presença de uma condição médica conhecida (em até 60% dos casos) e o tamanho da efusão.

Exame físico

O exame físico pode mostrar sinais de envolvimento pericárdico complicado com tamponamento cardíaco e / ou constrição. Lembram da famosa tríade de Beck? Então, ela é de fato bastante útil.

Tríade de Beck:

  • Hipofonese de bulhas;
  • Hipotensão arterial;
  • Turgência jugular.

 

 

O eletrocardiograma geralmente apresenta achados inespecíficos que podem estar relacionados à presença de um grande derrame pericárdico (por exemplo, baixa voltagem do QRS e alternância elétrica, ou seja, uma variação batida a batida da amplitude do QRS em um coração oscilante dentro de um derrame grande).

A radiografia de tórax pode mostrar sinais do câncer subjacente em caso de envolvimento pleuropulmonar e aumento da silhueta cardíaca para grandes derrames pericárdicos.

O ecocardiograma transtorácico é o exame de imagem de primeira linha em pacientes com suspeita de doença pericárdica porque detecta com precisão o derrame pericárdico e seu impacto hemodinâmico, bem como a função biventricular. O ecocardiograma tem vários papéis: primeira avaliação, acompanhamento e monitoramento da terapia.

A TC torácica e a ressonância magnética cardíaca têm papel complementar na caracterização de derrames pericárdicos, principalmente na presença de derrame hemorrágico, espessamento pericárdico ou na suspeita de pericardite efusivo-constritiva.

Embora o envolvimento pericárdico seja comum em pacientes com malignidade ativa conhecida, o derrame pericárdico grande também pode ser a apresentação inicial de uma malignidade oculta. Portanto, a malignidade deve ser excluída nos casos de doenças pericárdicas agudas que se apresentam como tamponamento cardíaco, mas também em derrames moderados a grandes de origem inexplicável, sem sinais inflamatórios e que não respondem à terapia anti-inflamatória empírica convencional.

De acordo com as diretrizes mais recentes da ESC, a pericardiocentese (se tecnicamente viável) é uma indicação absoluta do derrame pericárdico quando houver suspeita de envolvimento neoplásico do pericárdio.

Um diagnóstico definitivo requer análise do líquido citológico e exame citopatológico em pacientes submetidos à drenagem pericárdica. A avaliação citológica é o padrão-ouro para o diagnóstico de derrame pericárdico neoplásico com sensibilidade de 71% a 92,1% e especificidade de quase 100%, conforme relatado em diferentes estudos. A sensibilidade e especificidade da citologia são marcadamente superiores à sensibilidade (55% a 64%) e especificidade (85%) relatada para biópsia pericárdica.

Um ponto que chama atenção na revisão foi a citação de um estudo recente de Rooper e colaboradores, que demonstraram que o volume de líquido submetido à citologia exerce profunda influência no diagnóstico de malignidade. Em particular, a sensibilidade da citologia de efusão para fluidos de 60 mL ou menos foi de 70,0%, um pouco pior que a da biópsia pericárdica, enquanto a sensibilidade com >60 mL de líquido pericárdico atingiu 91,7%.

Recomenda-se coletar a maior quantidade possível de líquido pericárdico para análise citológica sempre que um diagnóstico citológico for solicitado.

Após a drenagem do líquido pericárdico, as amostras são enviadas aos laboratórios de microbiologia e patologia para cultura, testes químicos e testes de marcadores neoplásicos. O fluido restante deve ser enviado imediatamente ao laboratório de patologia para centrifugação e diagnóstico citológico ou refrigerado a 4 ° C. As análises de fluido de laboratório devem incluir parâmetros bioquímicos básicos (gravidade específica, teor de proteínas, glicose, ureia, lactato desidrogenase, colesterol), citologia, culturas bacterianas e análise por PCR para identificação de agentes infecciosos de acordo com suspeita clínica e disponibilidade de tratamentos específicos a serem oferecidos após o diagnóstico. Marcadores imuno-histoquímicos devem ser realizados principalmente para confirmar a presença de células malignas e para distingui-las das células mesoteliais reativas.

Em conclusão, o uso de ambas as modalidades, citologia e biópsia pericárdica, pode fornecer o maior rendimento diagnóstico.

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Tratamento

Os possíveis cenários de tratamento variam de pericardiocentese e pericardiotomia com balão a cirurgia cardiotorácica. Além disso, o tratamento da doença neoplásica local é aconselhável com o objetivo de prolongar a sobrevida, com base no estado clínico e no prognóstico do paciente. Na presença de malignidade, o tratamento ideal do derrame pericárdico neoplásico deve equilibrar a eficácia do tratamento com a expectativa de vida.

A radioterapia ou quimioterapia sistêmica deve ser reservada a tumores radiossensíveis e quimiossensíveis (como linfomas e câncer de mama). Para a prevenção a longo prazo de recorrências, várias abordagens foram propostas de acordo com as diretrizes da ESC de 2015, e outras recomendações: pericardiocentese com drenagem prolongada; janela pleuropericárdica ou pleuroperitoneal por pericardiotomia percutânea com balão ou por cirurgia; instilação intrapericárdica de agentes citostáticos ou esclerosantes; quimioterapia local e/ou sistêmica e radioterapia.

Em derrames pericárdicos malignos, a combinação de quimioterapia sistêmica com janela pericárdica é provavelmente a opção de tratamento mais eficaz para a prevenção de recorrências.

Mais da autora: Coronavírus: quais as orientações para o manejo dos pacientes críticos?

Take-home message

  • Os tumores primários do pericárdio são raros. Observa-se com mais frequência Invasão pericárdica metastática, surgindo na maioria dos casos de carcinoma de pulmão e mama, malignidades hematológicas e tumores gastrointestinais. Devemos ter em mente as possíveis etiologias para direcionarmos a investigação.
  • Na abordagem inicial, fique atento aos sinais de tamponamento cardíaco. No exame físico, não podemos esquecer da Tríade de Beck;
  • A avaliação citológica é o padrão ouro para o diagnóstico de derrame pericárdico neoplásico. O uso de várias modalidades, citologia e biópsia pericárdica, pode fornecer o maior rendimento diagnóstico.
  • Recomenda-se coletar a maior quantidade possível de líquido pericárdico para análise citológica sempre que um diagnóstico citológico for solicitado (> 60 mL);
  • Os possíveis cenários de tratamento variam de pericardiocentese e pericardiotomia com balão a cirurgia cardiotorácica. Além disso, o tratamento da doença neoplásica local é aconselhável com o objetivo de prolongar a sobrevida, com base no estado clínico e no prognóstico do paciente;
  • Em derrames pericárdicos malignos, a combinação de quimioterapia sistêmica com janela pericárdica é provavelmente a opção de tratamento mais eficaz para a prevenção de recorrências.

Referências bibliográficas:

  • Imazio M, Colopi M, De Ferrari GM Pericardial diseases in patients with cancer: contemporary prevalence, management and outcomes Heart Published Online First: 24 January 2020. doi: 10.1136/heartjnl-2019-315852
  • Rooper LM, Ali SZ, Olson MT A minimum volume of more than 60 mL is necessary for adequate cytologic diagnosis of malignant pericardial effusions. Am J Clin Pathol2016;145:101–6.doi:10.1093/ajcp/aqv021

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