A hipotermia perioperatória é definida como a redução da temperatura corporal do paciente para menos de 36 °C durante o período cirúrgico, sendo considerada uma complicação anestésica frequente mais comumente encontrada durante a anestesia geral, mas podendo ocorrer em qualquer tipo de técnica anestésica.
A hipotermia perioperatória ocorre principalmente devido a três mecanismos distintos: redistribuição térmica, perda de calor para o ambiente e diminuição da produção de calor.
- Redistribuição térmica: Após a indução da anestesia, devido a ação das medicações anestésicas, ocorre uma vasodilatação sistêmica que acaba por deslocar o calor do centro para a periferia.
- Perda de calor para o ambiente: Cirurgias prolongadas de grande porte realizadas em salas cirúrgicas resfriadas, junto ao uso de infusões intravenosas com líquidos não aquecidos contribuem de forma ativa para o resfriamento do paciente.
- Diminuição da produção de calor: A anestesia acaba determinando uma diminuição do metabolismo basal, fazendo com que o corpo retenha menos calor, contribuindo para a instalação da hipotermia.
Existem algumas situações onde ocorre maior risco para o desenvolvimento da hipotermia perioperatória como tempo cirúrgico prolongado, especialmente procedimentos com mais de duas horas de duração, extremos da idade como pacientes idosos e neonatos que possuem uma maior relação superfície corporal e massa e com sistema de regulação térmica central alterado, técnica anestésica que leva a uma vasodilatação e redução da termorregulação como nos casos de anestesias gerais, infusão de líquidos ou hemoderivados não aquecidos e exposição excessiva do paciente ao ambiente altamente refrigerado.
Repercussões clínicas da hipotermia perioperatória
A principal consequência da hipotermia perioperatória é o aparecimento de complicações inerentes a essa situação, complicações que podem comprometer vários órgãos e sistemas durante e após o procedimento, e aumentar a morbimortalidade do procedimento. Dentre as principais complicações podemos citar:
- Distúrbios cardiovasculares com aumento do risco de arritmias e instabilidade hemodinâmica, aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio e desenvolvimento de vasoconstrição compensatória, podendo levar a picos de hipertensão. Em pacientes cardiopatas e idosos, essas alterações podem ser muito prejudiciais e graves;
- Distúrbios de coagulação com redução da função plaquetária e da cascata de coagulação aumentando o risco de sangramento perioperatório. Fator importante principalmente em cirurgias de grande porte e de alta complexidade com possibilidade de sangramento inicial;
- Alterações metabólicas com desenvolvimento de acidose metabólica e redução do metabolismo hepático alterando a metabolização e excreção das drogas anestésicas;
- Comprometimento do sistema imunológico com redução da resposta imune e aumento da incidência de infecções no período pós-operatório;
- Recuperação anestésica prolongada devido a diminuição do metabolismo e excreção das medicações e aumento da incidência de tremores (shivering) que promovem um grande consumo de oxigênio.
A hipotermia perioperatória, apesar de muitas vezes poder levar a complicações graves principalmente em pacientes de risco, pode ser evitada com o manejo e controle dos fatores de risco. Para se evitar quadros de hipotermia no período operatório deve-se manter os pacientes em monitorização contínua da temperatura corporal, principalmente pacientes no extremo da vida e em pacientes submetidos a cirurgias com mais de duas horas de duração. Além disso deve-se ter um cuidado com o aquecimento dos pacientes antes, durante e depois do procedimento utilizando cobertores térmicos, dispositivos de aquecimento corporal, mantendo os líquidos intravenosos infundidos aquecidos, assim como a sala cirúrgica, utilizando sempre temperaturas adequadas no ambiente cirúrgico.
Evidências
Alguns estudos já demonstraram esses desfechos como, por exemplo, um estudo realizado com 40 pacientes escalados para realização de cirurgia de artroplastia total de quadril, cirurgia de grande porte com significativo sangramento e perda de calor. Nesse estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos onde um grupo recebia aquecimento durante 30 minutos antes da indução e o outro não recebia nenhuma forma de aquecimento. As temperaturas corpóreas eram anotadas periodicamente nos dois grupos, assim como a evolução dos pacientes no pós-operatório.
No grupo que não recebeu aquecimento, notou-se que a temperatura corpórea caiu de forma significativamente mais rápida e intensamente durante a primeira hora de cirurgia comparado ao grupo que recebeu aquecimento adequado. Além disso a recuperação funcional pós-operatória no grupo que recebeu aquecimento foi significativamente mais rápida, com altas mais precoces que os pacientes do outro grupo.
Considerações finais
A hipotermia perioperatória é uma complicação comum, porém evitável e o controle adequado da temperatura corpórea dos pacientes reduz riscos de sangramento, infecções pós-operatórias e episódios de instabilidade hemodinâmica, melhorando os desfechos cirúrgicos e acelerando a recuperação do paciente.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.