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Anestesiologia17 maio 2018

Analgesia de parto: estado de arte ou medicina baseada em evidências?

Em um contexto no qual a anestesia obstétrica é uma rotina, quando não exclusiva, ao menos semanal, de grande parte dos colegas, é fundamental a (no mínimo) familiaridade com alguma técnica de analgesia de parto.

Por Hugo Siqueira

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Todo ano, centenas de novos anestesiologistas, formados em um dos 84 centros de ensino e treinamento espalhados pelo país, entram no mercado de trabalho para atender a uma grande variedade de clínicas. Muitas vezes, afortunadamente, eles seguirão uma linha de cuidado semelhante à que viveram durante os três anos de especialização. Muitas vezes, não, e o melhor caminho para desenvolver a melhor assistência é adquirir boas referências, através de busca ativa por uma bibliografia adequada ou através da opinião de colegas mais experientes.

Em um contexto no qual a anestesia obstétrica é uma rotina, quando não exclusiva, ao menos semanal, de grande parte dos colegas, é fundamental a (no mínimo) familiaridade com alguma técnica de analgesia de parto. O parto vaginal, ao contrário de sua via cirúrgica, não depende de um profissional anestesiologista para ocorrer, o que leva a um baixo índice de solicitações deste profissional, mesmo quando existe a disponibilidade, e, consequentemente, as oportunidades de se aumentar conforto e segurança para as gestantes são reduzidas. Um período de aprendizado rico em cesarianas, mas pobre em analgesia de parto torna o anestesiologista experiente em obstetrícia, mas pode trazer resultados ruins quando ele, por inexperiência, interrompe o trabalho de parto ou aumenta o grau de sofrimento das pacientes, através de procedimentos dolorosos ou eventos adversos relacionados a drogas administradas no processo.

Tendo em vista as melhores práticas anestésicas, diferentes escolas sumarizam basicamente quatro vias não exclusivas de analgesia de parto: espinhal, epidural, venosa e inalatória.

A Sociedade Americana de Anestesiologia, através de seu próprio sítio virtual, exibe uma publicação com diretrizes para anestesia obstétrica, publicada em 2016, e pode ser uma orientação inicial para o profissional inexperiente, pois traça todas as possibilidades de atuação nos diferentes momentos do parto. Essa publicação endossa como padrão-ouro de analgesia a via epidural, seja com a presença constante do médico que aplica, seja através da administração controlada pelo paciente, especialmente, no período inicial e na fase ativa, porém, com eficácia diminuída no período expulsivo, quando pode ser indicada a via espinhal de analgesia, em decorrência da dilatação cervical que a mesma promove.

Historicamente, o neuroeixo é a via de preferência para assistência a esses procedimentos, porém, apesar da eficácia em reduzir ou abolir a dor, tanto a via espinhal quanto a epidural podem interromper a progressão do trabalho de parto, pois este depende de uma complexa interação entre liberação hormonal, musculatura lisa uterina e musculatura esquelética, especialmente de membros inferiores. Ao produzir diminuição de força ou bloqueio motor nessas fibras, essa interação pode ser prejudicada tão intensamente a ponto de causar parada de progressão do feto e comprometer a atuação da futura mãe no processo, o que, consequentemente, leva à alteração da via vaginal pela cirúrgica. Tendo em vista este potencial, além dos riscos subjacentes aos bloqueios, alguns autores estudaram as seguintes vias alternativas de analgesia: inalatória e venosa.

A via inalatória com Óxido Nitroso foi estudada com sucesso, principalmente na fase ativa do trabalho de parto, com resultados de eficácia inferiores à epidural contínua, e maior incidência de náuseas e vômitos, porém com menor taxa de conversão para cesariana, sendo pouco indicada no período expulsivo, apesar de ser superior ao placebo nesse contexto. Essa técnica é realizada através da inalação de mistura não hipóxica (concentração de oxigênio mínima de 25%) de óxido nitroso e oxigênio, de maneira contínua ou de válvulas de auto-demanda pela paciente e pode ocorrer tanto no ambiente de centro cirúrgico ou na acomodação de internação, sendo que o uso de dispositivos que liberam uma concentração fixa não hipóxica foram avaliados quanto à sua segurança e foram aprovados para uso sem a necessidade de monitorização hemodinâmica contínua.

A via venosa de administração é frequentemente utilizada pelos próprios obstetras, para veicular medicações como escopolamina e dipirona, que podem atenuar as dores do processo, e são úteis no contexto em que o profissional responsável pela analgesia não está disponível, mas pode ser utilizada para administração de opioides, que são especialmente mais eficazes em produzir analgesia. Poucos estudos consideraram fentanil e sufentanil venosos com esta finalidade, mas o remifentanil, pelo seu perfil farmacológico, tornou-se uma opção francamente viável e foi estudado isoladamente ou em comparação com a via epidural de administração. Foi avaliado no contexto de analgesia controlada pela paciente e também o uso anestésico, isoladamente ou em comparação com diferentes vias e drogas e concluiu-se que ele pode apresentar eficácia similar à epidural, na fase inicial, na fase ativa e no período expulsivo, com um perfil baixo de eventos adversos, menor taxa de conversão para cesarianas, mas a taxa de satisfação das gestantes em comparação com epidural foi conflitante, melhor em alguns estudos e pior em outros. Estudos maiores explorando segurança e eficácia ainda são extremamente necessários para a inclusão desta via como consagrada ao lado da tradicional.

Quando o jovem profissional se depara com o desafio de precisar realizar analgesia de parto e inevitavelmente apresentar pouca ou nenhuma experiência, o natural é ser orientado por colegas mais antigos ou mesmo pelo próprio obstetra que indicou o procedimento, e, invariavelmente, concluir que é mais prático realizar o bloqueio espinhal com baixo volume e concentração de anestésico local, associado ou não a fentanil no período próximo ao período expulsivo e torcer para que o bloqueio motor seja pequeno e não comprometa essa fase. Porém, o arsenal disponível para a ocasião pode ser bastante amplo, e decidir a via mais adequada demanda o conhecimento dos limites da instituição, da equipe, da paciente, além de estudo aprofundado sobre o tema e, logicamente, experiência com esse cuidado.

As informações que geram evidências em medicina devem ser interpretadas com cuidado antes de serem adaptadas à prática diária, e a pouca valorização delas em prol da experiência pessoal pode tornar qualquer debate técnico em um “como eu faço”, que, se por um lado, pode perder em validade científica, é rico em detalhes que só o estado de arte pode promover. Por esta razão que o bom anestesiologista deve sempre se preocupar em avaliar a qualidade do serviço que ele oferece, seja por refino bibliográfico ou próprio.

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Referências:

  • Sociedade Americana de Anestesiologia (www.asahq.or), em Practice Guidelines for Obstetric Anesthesia
  • Sociedade Brasileira de Anestesiologia (www.sbahq.org)
  • Acta Anesthesiol Scand. 2005 Aug; 49 (7): 1023-9
  • Anaesthesia. 2017 Sep; 72 (9): 1155-1156
  • Electron Physician. 2017 Dec 25; 9 (12): 6002-6009
  • Clinical Medicine Insights (Efficacy and Safety of Remifentanil as an Alternative Labor Analgesic).
  • Rev Bras Anestesiol 2010; 60: 3: 334-346
  • Korean J Anesthesiol 2017 August 70(4): 412-419
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