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Acupuntura1 dezembro 2020

Acupuntura no tratamento da dor

Acupuntura descreve um conjunto de procedimentos que envolvem estimulação de pontos anatômicos no corpo através de uma variedade de técnicas.

Por Marcus Pai

O termo acupuntura descreve um conjunto de procedimentos que envolvem a estimulação de pontos anatômicos no corpo através de uma variedade de técnicas. A técnica de acupuntura que, com mais frequência, foi estudada pela comunidade científica envolve a inserção na pele com agulhas metálicas finas e sólidas que são estimuladas pelas mãos ou por dispositivos elétricos.

A prática de acupuntura começou na China há milênios provavelmente pela necessidade do tratamento e alívio de dores. Pesquisas arqueológicas mostram que antigos moradores de regiões do centro da China já se utilizam de uma técnica de analgesia com mecanismo de contrairritação como uma forma simples e primária de tratamento. Com o passar dos anos e a evolução da tecnologia e diagnósticos, novas técnicas e teorias foram se aperfeiçoando.

A acupuntura contemporânea respeita nosso conhecimento moderno sobre anatomia neuromuscular e fisiologia da dor, ao mesmo tempo em que abrange a clássica percepção chinesa de uma rede sutil de circulação de uma força vivida denominada Qi. A inserção terapêutica de agulhas sólidas em várias combinações e padrões constitui a base da acupuntura moderna.

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A acupuntura vem sendo utilizada com cada vez mais frequência no Ocidente, e dores e distúrbios musculoesqueléticos são as patologias tratadas com mais frequência e de forma mais bem-sucedida. Entretanto a acupuntura pode ser adaptável a diversas das práticas clínicas e pode ser usada como tratamento primário ou complementar.

Desde os anos 1970, está demonstrado que a analgesia da acupuntura ativa o sistema de peptídeos opiáceos endógenos e, desta forma, influencia o sistema regulatório da dor do corpo ao alterar o processamento e a percepção das informações nocivas em vários níveis do sistema nervoso central. 

Além da acupuntura propriamente dita, e da estimulação manual das agulhas, a associação de outros métodos, como moxibustão, ventosa e estímulos elétricos (eletroacupuntura com frequência variada) pode aumentar a eficácia terapêutica.

Paciente recebendo tratamento de acupuntura.

Analgesia pela acupuntura

A eletroacupuntura consiste em aplicar correntes elétricas de diferentes tensões e frequências nas agulhas de acupuntura, com vantagem de maior estímulo local durante períodos de tempo programados, resultando em uma maior liberação de endorfinas, encefalinas e outros neurotransmissores analgésicos. A intensidade do estímulo é regulada de acordo com a natureza da doença e a tolerância dos pacientes. O estímulo elétrico costuma ser mais bem tolerado pelos pacientes que os estímulos manuais das agulhas, podendo variar na prática com estímulos de baixa frequência (2-15 Hz) e alta frequência (>100 Hz), com diferentes mecanismos de ação e analgesia.

Dois modelos de sistemas de analgesia da acupuntura foram desenvolvidos: um sistema endorfina-dependente envolvendo estimulação elétrica de alta intensidade e baixa frequência das agulhas de acupuntura (2~4 Hz), que é lento no início, generalizado ao longo do corpo e cumulativo em estimulações subsequentes; e um sistema monoamina-dependente, envolvendo estimulação elétrica de baixa intensidade e alta frequência das agulhas de acupuntura (≥70 Hz) que é rápido no início, segmentar e não cumulativo.

Combinando os modelos neuro-humorais a outras observações e especulações sobre o mecanismo do impacto exercido pela acupuntura, é criado um modelo de agulha de acupuntura ativador de múltiplos sistemas simultaneamente na fisiologia corporal.

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A acupuntura, embora praticada em todo o mundo, ainda suscita dúvidas a respeito de sua eficácia e áreas de atuação. A produção científica de estudos clínicos aumentou significativamente nos últimos anos com a inclusão de ensaios clínicos controlados randomizados de melhor qualidade metodológica, mostrando evidências da sua eficácia. As evidências, antes consideradas insuficientes em relação a algumas doenças, passaram a ser validadas com novos estudos randomizados e placebo controlados, e estudos que avaliam o efeito da acupuntura por meio de estudos em modelos animais, estudos de imagem funcionais e com marcadores biológicos.

Assim, a melhora crescente do método aplicado em pesquisas, integrada aos novos conhecimentos neurofisiológicos, são fatores que vem propiciando o aperfeiçoamento da prática desta terapia e, certamente, contribuindo para seu melhor entendimento, diferentemente de tempos atrás, quando a orientação para a escolha dos pontos de acupuntura era embasada somente em conceitos dos meridianos, em metáforas da MTC e também em métodos da antiga literatura.

Usos terapêuticos da acupuntura

No Ocidente, a acupuntura encontrou sua maior aceitação e sucesso no tratamento da dor musculoesquelética. As lesões musculares esqueléticas agudas, como as contusões de tecido mole, espasmos musculares agudos, entorses e distensões musculotendinosas, e dor de aprisionamento agudo de nervos, estão entre os problemas abordados de forma mais frequente e bem-sucedida com acupuntura. Nestes casos, a acupuntura pode ser útil como terapia inicial.  

Os problemas crônicos de dor musculoesquelética também são frequente e adequadamente tratados com acupuntura, embora nem sempre como única abordagem. Os problemas que tendem a ser responsivos à intervenção de acupuntura incluem os distúrbios envolvendo distensões repetitivas (p. ex., síndrome do túnel do carpo, cotovelo do tenista, fascite plantar), padrões de dor miofascial (p. ex., dor temporomandibular, cefaleias por tensão muscular, dor no tecido mole cervical e torácico, dor regional no  ombro), artralgias (em particular, as de natureza osteoartrítica), doença degenerativa de disco com ou sem dor radicular, e dor subsequente à intervenção cirúrgica (musculoesquelética e visceral). 

No manejo da dor musculoesquelética crônica, a acupuntura oferece uma ampla gama de potencial valor entre os polos terapêuticos convencionais de fármacos e procedimentos invasivos. Outros problemas de dor crônica comumente responsivos à acupuntura incluem a neuralgia pós-herpética, dor neuropática periférica e cefaleias por causas diversas. 

Dose da acupuntura

Não há uma concordância coletiva em relação à dose eficaz da acupuntura para determinadas patologias. Além da complexa questão da escolha do ponto, há outras variáveis a serem considerados, tais como, o número de agulhas por tratamento, o diâmetro de cada agulha, a profundidade da estimulação (subcutânea, intramuscular ou periosteal), o tipo de estimulação ou agitação das agulhas (estimulação elétrica ou técnicas manuais variadas), e a duração da inserção.

A grande variação na “dose” da acupuntura poderia influir na sua resposta. 

Estudos de neuroimagem

O interesse em investigar os mecanismos de acupuntura com técnicas de imagem vem crescendo desde meados de 1990. Tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e imagem por ressonância magnética funcional têm sido usados. 

Muitos estudos de imagem analisam o mecanismo por trás do processamento da dor. Uma série de áreas corticais demonstrou estar envolvida, como o córtex somatossensorial primário, a ínsula, e o córtex pré-frontal. Viu-se que a acupuntura parece modular a atividade cerebral em muitas destas regiões, se comparada a um tratamento sham, uma vez que ficou demonstrada que ela mobiliza uma rede límbico — paralímbico — neocortical em múltiplos níveis.

Marcadores biológicos

A acupuntura pode afetar a síntese, liberação e ação de vários neurotransmissores (como serotonina, dopamina, acetilcolina) e neuropeptídeos (como ocitocina, colecistocinina, substância P) no sistema nervoso central e periférico. Porém, os resultados de literatura nas alterações dos neurotransmissores e neuropeptídeos são muito variáveis, podendo, inclusive serem influenciados por diferentes doenças ou parâmetros de agulhamento.

Alterações eletroneuromiográficas

Um artigo recente publicado na Brain encontrou evidências que a acupuntura poderia melhorar parâmetros da neurofisiologia do nervo mediano como a velocidade de condução, evidenciados pela eletroneuromiografia, bem como melhora na representação cortical, constatados na ressonância magnética funcional, e que havia uma correlação positiva na melhora sintomática a longo prazo com a melhora nestes parâmetros.

Evidências da eficácia da acupuntura

Vários efeitos de relevância clínica podem ser gerados pela acupuntura ou eletroacupuntura, entre eles, destacam-se os efeitos analgésicos, relaxante muscular, sedativos/hipnóticos, antiemético, ansiolítico,  antidepressivo (leve),  antissecretório (HCl),  anti-inflamatório,  indutor da imunidade, além de facilitar a reabilitação após acidentes vasculares encefálicos (AVE) e estimular a reparação e  cicatrização tecidual. A eficácia do tratamento é variável e depende de condição clínica, da técnica utilizada e do estado geral do paciente.

Atualmente, existem centenas de revisões sistemáticas sobre o uso da acupuntura. Revisões do Instituto Cochrane, concluíram que há evidência positiva da eficácia da acupuntura em: náuseas/vômitos induzidos por quimioterapia, enurese em crianças, náuseas/vômitos no pós-operatório, cefaleia idiopática, dor pélvica e lombar na gestação, prevenção de enxaqueca, tratamento de cefaleia temporal e também de dores cervicais. 

Apesar de a maioria das revisões Cochrane não encontrarem evidências conclusivas da eficácia da acupuntura para várias condições clínicas, na medida em que novos ensaios clínicos de melhor qualidade forem incluídos, as conclusões podem ser revistas, como no caso da cefaleia tensional, em que a revisão de 2009 foi inconclusiva, e a mais recente de 2016 encontrou evidências moderadas da eficácia da acupuntura.

A maior metanálise publicada sobre acupuntura para dor crônica de origens variadas foi publicada por Vickers et al. avaliaram os dados individuais de 17.922 pacientes de 29 ensaios clínicos randomizados. O estudo encontrou que o efeito analgésico da acupuntura real foi estatisticamente significativo se comparado à acupuntura sham no tratamento de lombalgias, cervicalgias, osteoartrite e cefaleias crônicas, indicando que a acupuntura é mais do que apenas um efeito placebo.

Martin et al. em estudo controlado, randomizado, encontraram evidências de que a acupuntura alivia significativamente não somente a dor, mas também os sintomas relacionados da fibromialgia, sobretudo a ansiedade e fadiga. 

Targino et al. consideraram que a adição da acupuntura ao tratamento padrão para fibromialgia trouxe benefícios no alívio álgico e na qualidade de vida, por um período avaliado de três meses após o fim do tratamento.

Estudo prospectivo, randomizado com 60 pacientes, realizado no Centro de Dor do HC-FMUSP encontrou que a acupuntura isoladamente ou associada ao método Rolfing foi eficaz no alívio de dor, nos aspectos afetivos como ansiedade e depressão e melhora da qualidade de vida, mostrando-se útil como terapia adjuvante.

Em várias revisões sistemáticas com metanálises, a acupuntura foi eficaz na redução da dor pós-cirúrgica em comparação com a acupuntura simulada, controles e cuidados usuais com redução da necessidade de opioides (21% de redução de opioides em 8 horas, 23% em 24 horas e 29% em 72 horas após a cirurgia) com incidência reduzida de efeitos colaterais relacionados aos opioides, como náuseas, tonturas, sedação, prurido e retenção urinária.

Segurança da acupuntura

A acupuntura apresenta baixo risco de eventos adversos.

Em 2006, realizou-se uma meta-análise quanto a segurança da ACP. O autor apresentou os resultados de dois estudos prospectivos realizados na Grã-Bretanha. 66.229 tratamentos realizados em várias clínicas por terapeutas diferentes foram revisados. Este alto número de tratamentos não implicou em qualquer reação adversa grave na pesquisa.

Na análise dos acontecimentos mais frequentemente relatados, o autor enumerou:

  •   Sensação de fraqueza ou cansaço – 3%;
  •   Pequenos sangramentos ou hematoma – 3%;
  •   Agravamento dos sintomas – 2%;
  •   Dor relacionada com punção – 1%.

No mesmo artigo, o autor também analisou os resultados de outros artigos descrevendo a segurança de acupuntura. Ocorreram 11 efeitos adversos graves relatados em 4.441.103 tratamentos. O efeito colateral grave mais frequente foi pneumotórax (7 em 4.441.103 tratamentos) e quebra da agulha dentro do corpo do paciente (2 em 4.441.103 tratamentos). Estes números tornam a acupuntura como um dos procedimentos mais seguros conhecidos na medicina contemporânea.

Quando o perfil de segurança da acupuntura é comparado com sérios efeitos adversos de fármacos como anti-inflamatórios não esteroides e a quantidade de efeitos adversos graves e até óbitos relacionados com a sua aplicação, a segurança da acupuntura torna-se ainda mais evidente.

Conclusões

A introdução do tratamento com acupuntura, como mais um recurso do arsenal terapêutico multidisciplinar, abre uma perspectiva de melhora da qualidade de vida para os pacientes, mormente os portadores de dores crônicas. Esta técnica oferece um leque de benefícios como analgesia, relaxamento muscular, efeito anti-inflamatório, ansiolítico, antidepressivo e melhora da imunidade. Os efeitos aparecem de forma conjunta, podendo interromper o ciclo de perpetuação da dor, transtornos emocionais, piora da qualidade de vida e piora do quadro clínico.

A acupuntura é também uma técnica segura, minimamente invasiva, com raros efeitos adversos, se efetuada corretamente por um profissional habilitado e capaz.

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