Psilocibina sintética para episódios depressivos maiores em pacientes bipolares
Ensaio clínico avaliou a administração de uma dose única de psilocibina de 25 mg em pacientes de 18 a 65 anos, com diagnóstico de TAB II.
Historicamente o transtorno afetivo bipolar (TAB) tipo I foi entendido como mais grave que o tipo II, mas achados recentes evidenciam um impacto funcional e risco de suicídio similar entre as duas apresentações (pacientes bipolares tem uma alta mortalidade, com 30% deles tentando suicídio e 5-15% morrendo por suicídio). A despeito do adequado tratamento, pacientes com TAB II permanecem sintomáticos a maior parte do tempo.
As evidências para tratamento de TAB II são escassas, em geral derivadas dos achados para TAB I, uma vez que os ensaios clínicos não incluem número suficiente de pacientes com diagnóstico de TAB II para que a eficácia seja avaliada neste grupo em particular.
Recentemente a psilocibina, um alcaloide derivado de cogumelos psilocibinos, que possui ação agonista do receptor 5HT2A, foi estudada para tratamento de depressão resistente em dose única. Aaronson et al. conduziram um estudo piloto, prospectivo e aberto com 15 participantes avaliando mudança nos escores de depressão 3 semanas após a administração de psilocibina associada a suporte psicológico. Além disso, a segurança da psilocibina foi avaliada, buscando sintomas de episódio maníaco ou misto, sintomas psicóticos e ideação suicida.
Métodos do estudo sobre psilocibina sintética
Ensaio clínico aberto com duração de 12 semanas com a administração de uma dose única de psilocibina de 25 mg em 15 participantes, conduzido entre 14 de abril de 2021 e 5 de janeiro de 2023.
Foram incluídos participantes entre 18-65 anos, com diagnóstico de TAB II nos registros médicos segundo os critérios do DSM-5, que também foram submetidos a Mini International Neuropsychiatric Interview versão 7.0.2 por um clínico experiente.
Os participantes deveriam ter falha terapêutica a duas intervenções no episódio depressivo atual, que deveria ter duração mínima de 3 meses e pontuar no mínimo 18 na Escala de Avaliação de Hamilton para Depressão (HRSD) e menor que 10 na Escala de Avaliação de Mania de Young (YMRS).
Foram excluídos pacientes com história de TAB I, esquizofrenia, psicoses (incluindo induzida por substâncias ou secundária a uma condição médica), delírios, transtorno esquizoafetivo, transtorno de personalidade boderline ou paranoide e qualquer transtorno por uso de substâncias nos últimos 12 meses.
As medicações em uso foram descontinuadas no mínimo 2 semanas antes da primeira administração de psilocibina. Os participantes encontraram os terapeutas antes da administração por no mínimo 3 horas para construção de vínculo terapêutico, recebendo psicoeducação e preparação para a experiência psicodélica. Os terapeutas estavam integralmente disponíveis por 8-9 horas no dia da administração. 3 sessões de integração foram realizadas, um dia, uma e duas semanas após o dia do uso. As escalas foram aplicadas na 1ª, 2ª, 3ª, 6ª, 9ª e 12ª semanas após o uso. Quando possível, pacientes foram orientados a permanecer sem usar medicações psicotrópicas nas primeiras 3 semanas após a experiência psicodélica.
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O desfecho primário foi mudança no escore total na escala de depressão de Montgomery-Åsberg (MADRS) entre o baseline e a 3ª semana de seguimento. Os desfechos secundários foram mudança no escore total, porcentagem de participantes que remitiram (MADRS ≤ 10) e que responderam (diminuição ≥ 50% na pontuação do baseline) em todas as visitas. Autoavaliação de sintomas depressivos com a self-rated Quick Inventory of Depression Symptoms-Self Rating (QIDS-SR) e qualidade de vida com a Quality of Life Enjoyment and Satisfaction Questionnaire-Short Form (Q-LES-Q-SF) foram desfechos adicionais avaliados.
Em todas as visitas os pacientes foram avaliados para indução de mania, hipomania, estados mistos e ideação suicida. Five Dimension Altered State of Consciousness Questionnaire (5D-ASC) foi aplicado após o uso para mensurar a natureza e intensidade da experiência psicodélica.
Resultados
15 pacientes foram incluídos (9 mulheres e 6 homens), idade média de 37,8 anos (DP: 11,6). A duração média do episódio depressivo atual foi 2,5 anos (DP: 2,3).
Desfecho Primário: todos as participantes tiveram redução dos escores da terceira semana (média -24,00 (DP: -9,23) paired t14 = 10,07; Cohen d = 4,08; IC 95% -29,11 a -18,89; P < ,001), correspondendo a uma redução média do baseline de 76,3% (DP: 29,3). Na terceira semana, 12 participantes tinham respondido e 11 remitido. Na décima segunda, 12 participantes tinham respondido e remitido.
MADRS foi menor em todas as avaliações pós-tratamento e não diferiu significativamente entre a primeira, terceira e décima segunda semana (sugerindo estabilidade dos efeitos pós-tratamento).
Desfechos secundários: também houve expressiva redução de sintomas depressivos no autorrelato. Os escores totais da 5D-ASC teve uma correlação estatisticamente significante com o escore da MADRS na 12ª semana (Pearson (r): -0,69, IC 95% -0,88 a -0,25, P=0,005), o que sugere que a intensidade da experiência psicodélica é preditiva dos efeitos antidepressivos de longo prazo.
Não houve aumentos dos episódios de mania ou tentativas de suicídio durante o estudo. Não ocorreram efeitos adversos relevantes. O efeito colateral mais comum foi cefaleia, com resolução dentro de 24 horas. Nove dos quinze participantes não recomeçaram antidepressivos ou estabilizados de humor durante o período do estudo. Seis reiniciaram ao menos uma medicação do seu tratamento prévio. Dos seis, um recomeçou na segunda semana e foi considerado não respondedor no estudo. Um participante que remitiu na terceira semana recaiu na sexta e saiu do estudo, sendo considerado não respondedor na 9ª e 12ª semana. Outro participante foi não respondedor nas semanas 3 e 6, recomeçando antidepressivo na 6ª semana e remitiu na 12ª semana. Os outros três participantes retomaram medicações na 6ª ou 9ª semana para profilaxia e foi considerado que responderam ou remitiram em todas as visitas.
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Limitações do estudo sobre psilocibina sintética
Desenho aberto e não controlado onde a eficácia pode se dever a um viés de seleção, a intensidade do contato terapêutico, bem como a expectativa de melhora. Tamanho amostral pequeno e tempo de seguimento que não permite afirmações sobre benefício de longo prazo. A avaliação do uso em mais de uma dose também precisa ser feita em estudos futuros.
Impactos clínicos
Estudos controlados, com amostras maiores e com seguimento de longo prazo são necessários, mas o intenso, rápido e persistente efeito antidepressivo, sem que haja instabilidade de humor ou aumento de suicídio é animador.
O uso em um cenário controlado e com suporte psicológico é muito distinto do uso recreativo.
A intensidade da experiência psicodélica foi associada com o benefício clínico, a despeito de esse ser um tópico de debate nesta área de pesquisa.
A generalização desses resultados para TAB I é prematura, uma vez que essa população possui maior risco de mania e psicose.
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