O uso de fluidos intravenosos apesar de corriqueiro na terapia intensiva, deve ser encarada como um fármaco, com indicações específicas e potenciais riscos. Sabe-se que a sobrecarga hídrica pode agravar disfunções orgânicas, especialmente por meio de congestão pulmonar ou sistêmica. Nesse cenário, a ultrassonografia à beira leito (Point of care ultrasound – POCUS) torna-se uma ferramenta fundamental para avaliar riscos e benefícios antes da infusão de fluidos, particularmente nas fases de estabilização e otimização do paciente crítico.
Os três pilares do POCUS são:
- Ecocardiografia em terapia intensiva (ECO)
- Ultrassom pulmonar (LUS)
- Ultrassom de congestão venosa (VExUS)
Esses pilares buscam responder, de forma sistematizada, cinco perguntas-chave para orientar a conduta frente à necessidade de fluidos:
- Há hipovolemia franca?
O ECO pode identificar redução do volume diastólico, cavidade ventricular esquerda obliterada em sístole (“kissing walls”) ou veia cava inferior (IVC) reduzida /colabada, indicando hipovolemia significativa, situação em que a reposição deve ser imediata.
2. Existem condições cardíacas críticas?
Avaliação de disfunções de VE ou VD, valvulopatias graves ou pressões de enchimento elevadas. Critérios como E/e’ > 8 e e’ ≤ 8 cm/s sugerem aumento de pressão de enchimento ventricular esquerdo.
3. Há congestão pulmonar?
O LUS permite discriminar risco de congestão hídrica. Perfis A (sem linhas B significativas) indicam baixo risco, enquanto presença de linhas B bilaterais sugerem edema pulmonar (hidrostático ou de permeabilidade), alertando para possível agravamento com fluidos.
4. Há congestão sistêmica?
O escore VExUS integra achados de IVC dilatada, fluxo reverso ou interrompido em veias hepáticas, portais e renais, refletindo sobrecarga de pressão venosa com impacto potencial na perfusão tecidual.
5. Qual a eficácia esperada de um bolus de fluidos?
A avaliação de responsividade volêmica, preferencialmente pelo aumento do VTI no trato de saída do VE após manobras funcionais (ex.: elevação passiva de pernas, oclusões inspiratórias/expiratórias), estima o benefício hemodinâmico esperado para a reposição volêmica.
Os fluidos só devem ser indicados diante de sinais de hipoperfusão tecidual, e a decisão deve sempre equilibrar eficácia esperada com risco de congestão.
Pacientes sem disfunção grave de VE, sem sinais de pressões de enchimento elevadas ou congestão sistêmica/pulmonar, em geral, toleram bem a expansão volêmica. Já nos casos de risco aumentado, deve-se avaliar cuidadosamente antes de infundir fluidos, utilizando todas as ferramentas disponíveis para esta tomada de decisão.
A individualização da reposição volêmica pode ser alcançada tratando fluidos como intervenções terapêuticas de risco-benefício variável. O uso combinado de ECO, LUS e VExUS fornece dados para guiar decisões no leito, permitindo identificar tanto situações de urgência para reposição imediata quanto cenários em que a sobrecarga hídrica pode ser prejudicial.
É importante ressaltar que a ultrassonografia não substitui a avaliação clínica global, mas complementa outros marcadores de perfusão, como tempo de enchimento capilar, clearance de lactato e débito urinário. A acurácia da ultrassonografia depende da experiência do operador, das condições técnicas e do modo ventilatório do paciente (espontâneo vs. controlado).
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