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Terapia Intensiva5 novembro 2025

Tratamento antimicrobiano contra bactérias gram-negativas multirresistentes

SBI lança diretriz inédita para tratamento de infecções por bacilos Gram-negativos multirresistentes, padronizando condutas e combatendo a resistência antimicrobiana no Brasil.
Por Hiago Bastos

O trabalho científico elaborado pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) apresenta uma diretriz nacional inédita para o tratamento de infecções causadas por bacilos Gramnegativos multirresistentes (MDR-GNB), com o objetivo de padronizar condutas terapêuticas diante de um cenário de crescente resistência antimicrobiana no Brasil. Trata-se de um documento de consenso multidisciplinar que reconhece as limitações do contexto nacional — especialmente quanto à heterogeneidade de acesso a antibióticos, variações regionais de prevalência de patógenos e desigualdades nos recursos laboratoriais — e busca orientar clínicos e infectologistas na escolha racional de terapias efetivas para infecções de alta complexidade. 

Em primeiro plano, na introdução, os autores descrevem o contexto epidemiológico alarmante do país, destacando dados recentes da ANVISA (2023) que evidenciam altas taxas de resistência a carbapenêmicos entre os principais patógenos hospitalares: Acinetobacter spp. (78,8%), Klebsiella pneumoniae (58,3%) e Pseudomonas aeruginosa (40,5%). O documento enfatiza que essas espécies, especialmente os Enterobacterales resistentes a carbapenêmicos (CRE), representam um grave problema de saúde pública, dada a limitação terapêutica e o impacto sobre a mortalidade hospitalar. Os autores defendem que, embora existam diretrizes internacionais — como as da IDSAESCMID e OMS —, a realidade brasileira demanda recomendações locais adaptadas às condições epidemiológicas e de infraestrutura sanitária do país. 

A seção de metodologia detalha o processo de desenvolvimento da diretriz, baseado em consenso formal (Delphi modificado), revisão de literatura recente e ampla representatividade geográfica dos participantes. O painel incluiu especialistas de diversas regiões do Brasil, garantindo que o documento refletisse as diferenças epidemiológicas e assistenciais regionais. As recomendações foram apresentadas publicamente durante o 23º Congresso Brasileiro de Infectologia, submetidas à consulta pública e posteriormente aprovadas por consenso. O rigor metodológico assegura que as recomendações tenham validade científica e aplicabilidade clínica, representando um marco na sistematização da conduta frente a MDR-GNB no país. 

Em seu corpo central, o artigo organiza as recomendações terapêuticas segundo o agente etiológico e o sítio de infecção, abrangendo infecções respiratórias, de pele e partes moles, corrente sanguínea, intra-abdominais e do trato urinário. São discutidos, com base em evidências recentes, os principais mecanismos de resistência e a farmacologia de novos agentes antimicrobianos. A diretriz destaca a importância de individualizar o tratamento, levando em conta não apenas o resultado do teste de sensibilidade (AST), mas também parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos (PK/PD), toxicidade e disponibilidade do fármaco. 

O documento analisa de forma aprofundada as resistências específicas de cada patógeno de importância clínica. No caso dos Enterobacterales resistentes a carbapenêmicoso mecanismo predominante é a produção de carbapenemases das classes A (KPC), B (NDM, VIM) e D (OXA-48 e variantes)Para esses casos, as combinações de β-lactâmico/β-lactamase inibidor (BL/BLI) — como ceftazidima-avibactam ou imipenem-relebactam — são as terapias preferenciais. Quando há produção de metalo-β-lactamases (classe B), recomenda-se o uso combinado de ceftazidima-avibactam com aztreonam, estratégia que restaura a atividade in vitro contra isolados resistentes. A diretriz é enfática em evitar o uso de monoterapia com polimixinas, incentivando esquemas combinados com base em suscetibilidade e toxicidade aceitável. 

Acinetobacter baumannii 

Em relação ao Acinetobacter baumannii resistente a carbapenêmicos (CRAB), o documento reconhece a gravidade desse patógeno como um dos mais letais no ambiente hospitalar. As opções terapêuticas são limitadas e baseiam-se em combinações de polimixinas com ampicilina-sulbactam ou tigeciclina, sendo este último preferido quando há resistência às polimixinas e a concentração inibitória mínima (MIC) for ≤ 0,5 mg/L. A diretriz recomenda atenção rigorosa à toxicidade renal associada às polimixinas e aos aminoglicosídeos, e enfatiza que a escolha do regime deve considerar o perfil de suscetibilidade local e o potencial de sinergismo farmacodinâmico. 

Pseudomonas aeruginosa 

Para o Pseudomonas aeruginosa resistente a carbapenêmicos (CRPA), o artigo reconhece múltiplos mecanismos de resistência — incluindo alteração da porina OprD, hiperexpressão de bombas de efluxo e produção de metalo-β-lactamases. Recomenda-se o uso preferencial de ceftolozano-tazobactam ou ceftazidima-avibactam em infecções graves, enquanto agentes de espectro mais estreito, como cefepime ou piperacilina-tazobactam, podem ser empregados em infecções menos severas. O texto ressalta que o uso de monoterapia deve ser restrito a casos com boa resposta clínica e isolamento de cepas com suscetibilidade comprovada. 

A diretriz também dedica seções específicas a patógenos de importância emergente, como Stenotrophomonas maltophilia e Burkholderia cepacia complex, cuja resistência intrínseca múltipla limita significativamente as opções terapêuticas. Para S. maltophilia, o trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) permanece a droga de escolha, com alternativas como levofloxacino e ceftazidima-avibactam/aztreonam em casos de resistência ou intolerância. Já para B. cepacia, os autores indicam esquemas baseados em ceftazidima-avibactammeropenem e minociclina, dependendo do perfil de sensibilidade. 

Interpretação dos testes de suscetibilidade antimicrobiana (BrCAST/EUCAST) 

Ademais, um ponto relevante do artigo é a abordagem sobre a interpretação dos testes de suscetibilidade antimicrobiana (BrCAST/EUCAST), destacando a adoção da nova categoria “Suscetível, Exposição Aumentada (I)”, que redefine a leitura dos resultados laboratoriais e a adequação posológica. O texto alerta que, para carbapenêmicos, a simples categorização como “I” não implica uso seguro em monoterapia, especialmente frente a isolados produtores de carbapenemases. A diretriz, portanto, reforça a necessidade de integração entre microbiologia, farmacologia e clínica para a tomada de decisão terapêutica. 

Conclusão 

Portanto, o artigo da Sociedade Brasileira de Infectologia consolida-se como referência nacional no manejo de infecções por Gram-negativos multirresistentes, articulando evidências científicas atualizadas, expertise clínica e aplicabilidade prática. Sua contribuição extrapola o âmbito técnico, configurando-se como instrumento de política de saúde e educação médica continuada, indispensável para o combate à resistência antimicrobiana no Brasil. O documento reafirma que o sucesso terapêutico depende não apenas da escolha adequada do antimicrobiano, mas também da estratégia integrada de controle de infecção, uso racional de antibióticos e fortalecimento da vigilância microbiológica. 

 

Autoria

Foto de Hiago Bastos

Hiago Bastos

Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁  Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁  Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁  Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁  Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁  Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.

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Referências bibliográficas

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