Apesar do manejo de via aérea ter ênfase sempre no procedimento de intubação orotraqueal, a extubação representa uma etapa igualmente crítica, com complicações potencialmente fatais. Dados do Reino Unido e dos EUA mostram que até 28% das complicações graves ocorrem no momento da extubação. No entanto, este tema permanece pouco explorado na literatura.
A falha em reintubar de forma segura após uma extubação mal-sucedida pode acarretar hipóxia, lesão neurológica e morte. O planejamento cuidadoso, baseado em estratificação de risco e uso de técnicas avançadas, é essencial.
Principais Complicações
- Incidência de complicações respiratórias imediatas após extubação: ~13%
- Hipoxemia (SpO₂ < 90%) é a mais comum
- Reintubação precoce: 0,06%–0,1% (até 10x mais comum em pacientes de alto risco)
As complicações incluem:
- Obstrução de via aérea (por edema, lesão, laringoespasmo, macroglossia, hematoma cervical)
- Edema pulmonar pós-obstrutivo (pressão negativa)
- Aspiração, estridor, hipertensão intracraniana
- Laringoespasmo e paralisia de cordas vocais
- Ventilação e oxigenação inadequadas por sedação residual ou DPOC grave
- Incapacidade de proteger a via aérea
Estratificação de Risco
O acrônimo REVERSE (do Canadian Airway Focus Group) é sugerido para avaliar o risco antes da extubação planejada. Pacientes com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²), apneia obstrutiva do sono, edema laríngeo ou histórico de cirurgia cervical estão em maior risco:
Descrição | |
Risk | Avaliação do risco de complicações durante ou após a extubação (ex: via aérea difícil, apneia obstrutiva do sono, edema laríngeo, cirurgia cervical). |
Evaluation | Reavaliação clínica e funcional do paciente: estado hemodinâmico, ventilação, oxigenação e capacidade de proteger a via aérea. |
Ventilation | Confirmação de que o paciente pode manter ventilação espontânea eficaz sem suporte invasivo. |
Exchange plan | Planejamento para troca do tubo, se necessário, com dispositivos como cateter de troca ou videolaringoscopia. |
Readiness | Verificação de prontidão do paciente para extubação: consciência, força muscular, reflexos protetores e teste de cuff leak (se indicado). |
Strategy | Estratégia para reintubação de resgate, caso necessário: equipe, equipamentos e plano de acesso à via aérea alternativo (ex: cricotireoidotomia). |
Exit strategy | Local de recuperação e monitoramento após a extubação: sala de recuperação, UTI ou monitorização contínua em ambiente controlado. |
Extubação desperta vs. profunda
- Extubação acordada permite proteção reflexa e via aérea pérvia
- Extubação profunda evita tosse e hipertensão, mas é contraindicada em risco de aspiração ou reintubação difícil
- Em estudo com 1.005 pacientes, extubações em plano profundo apresentaram maior risco de complicações
Guideline DAS
A Difficult Airway Society (DAS) descreve que a extubação é um procedimento ativo, com potencial risco de vida, e não deve ser tratada como uma simples retirada do tubo orotraqueal. O uso sistemático dessas etapas é especialmente relevante para anestesiologistas, intensivistas e emergencistas:
Passo 1 – Planejamento:
O paciente será considerado baixo risco ou alto risco para complicações na extubação?
- História prévia de via aérea difícil?
- Riscos cirúrgicos (ex: manipulação cervical, edema, hematoma)?
- Condições clínicas (ex: obesidade, apneia obstrutiva do sono)?
Passo 2 – Preparação
Otimizar o paciente e preparar a equipe e o ambiente.
- Garantir que a função neuromuscular foi totalmente revertida (TOF ≥ 0.9).
- Oxigenação e ventilação adequadas.
- Considerar uso de corticosteroide em pacientes com risco de edema laríngeo.
- Disponibilizar materiais de reintubação, cateter de troca, videolaringoscópio, máscara laríngea e kit de acesso cirúrgico.
- Classificar o paciente como baixo risco ou em risco de falha na extubação.
Passo 3 – Execução
Baixo risco: Extubação convencional com monitoramento padrão.
Alto risco: Uso de técnicas avançadas:
- Extubação com cateter de troca (“airway exchange catheter”) mantido in situ.
- Extubação com fibroscopia ou videolaringoscopia assistida.
- Considerar extubação em plano anestésico profundo apenas em casos bem selecionados.
Técnicas como o teste de cuff leak ou ultrassonografia laríngea podem ajudar na decisão.
Passo 4 – Monitoramento Pós-Extubação
- Monitoramento contínuo em sala de recuperação, unidade de terapia intensiva ou unidade intermediária.
- Manter oxigenoterapia suplementar e suporte não invasivo (CPAP/NIV) quando indicado.
- Se um cateter de troca foi mantido, definir tempo de permanência e protocolo de reintubação.
Conclusão
A extubação traqueal é um procedimento eletivo que exige o mesmo rigor técnico que a intubação, especialmente em pacientes com via aérea difícil ou comprometimento fisiológico. A adoção de estratégias prévias, algoritmos específicos e técnicas avançadas pode reduzir significativamente eventos adversos. A traqueostomia eletiva deve ser avaliada caso o risco de falha de extubação seja inaceitavelmente alto ou se a reintubação for considerada extremamente difícil.
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