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Terapia Intensiva8 dezembro 2025

Ressuscitação hemodinâmica personalizada: a atualização do ANDROMEDA-SHOCK 2

Por Julia Vargas

A otimização hemodinâmica precoce no choque séptico permanece um dos maiores desafios na terapia intensiva. Ensaios recentes comparando estratégias liberal vs. restritiva de fluidos ou diferentes alvos de PAM não demonstraram benefícios claros em desfechos centrados no paciente, reforçando a necessidade de personalização da ressuscitação. Nesse contexto, o tempo de enchimento capilar (CRT) ressurge como marcador clínico simples, reprodutível e associado à perfusão tecidual.

O estudo anterior ANDROMEDA-SHOCK mostrou que estratégias direcionadas por CRT podem promover menor sobrecarga hídrica, recuperação mais rápida da disfunção orgânica e possível benefício em mortalidade quando comparadas à ressuscitação dirigida por lactato. O ANDROMEDA-SHOCK-2, publicado no JAMA em 2025, aprofunda esse conceito avaliando um protocolo personalizado, combinando CRT e sinais hemodinâmicos clássicos para guiar fluidos, vasopressores e inotrópicos na fase inicial do choque séptico.

Metodologia

Foi realizado um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, em 86 UTIs de 19 países, incluindo Américas, Europa e Ásia, no período de março/2022 a Abril/2025 e um N= 1467 pacientes com choque séptico nas primeiras 4 h. Esses pacientes foram divididos em 2 grupos: CRT-PHR (personalized hemodynamic resuscitation) e cuidado habitual.

Os resultados avaliados foram (em 28 dias): Mortalidade, duração de suporte vital e tempo de internação hospitalar.

Intervenção

Protocolo de 6 horas dividido em duas camadas (Tier 1 e Tier 2), com reavaliação
horária do CRT (meta: <3 s).

1. Tier 1

Avaliação inicial:

  • Pressão de pulso (<40 mmHg sugere hipovolemia): Avaliação de responsividade a fluidos (dinâmica).
  • Pressão arterial diastólica (<50 mmHg sugere vasoplegia): considerar vasopressores

Tier 1 separa rapidamente hipovolemia de vasoplegia: se houver responsividade a fluidos (quando PP<40mmHg), considera-se bolus controlado. Se a resposta for negativa, seguir para Tier 2. Da mesma forma, em PAD<50 mmHg a resposta negativa a vasopressores leva ao seguimento para Tier 2.

2. Tier 2

  • Ecocardiografia básica para identificar disfunção ventricular, volume, obstruções.
  • Teste de PAM (elevar PAM 80–85 mmHg por 1 h)
  • Teste de dobutamina (5 μg/kg/min por 1 h)

Reavalia-se CRT. Se <3s mantem-se monitoramento. Se CRT 3s deve-se considerar terapias avançadas.

O grupo controle recebeu ressuscitação conforme protocolos locais, sem obrigatoriedade de avaliação de responsividade ou ecocardiografia.

Resultados

O desfecho primário (mortalidade em 28 dias, duração de suporte vital e tempo de internação hospitalar) favoreceu a intervenção, com win ratio de 1,16 (IC 95% 1,02–1,33; p=0,04). Essa superioridade ocorreu principalmente pela redução na duração de suporte vital, e não por diferença na mortalidade.

A mortalidade em 28 dias foi semelhante entre os grupos (26,5% vs 26,6%). Entretanto, pacientes no grupo CRT-PHR tiveram mais dias livres de suporte vital (média 16,5 vs 15,4 dias), além de queda mais rápida no SOFA nos primeiros 7 dias, indicando recuperação orgânica mais precoce. O estudo não encontrou sinal de aumento de eventos adversos, e a adesão ao protocolo foi alta.

Conclusão

O algoritmo mostra que decisões guiadas por sinais simples (pressão de pulso, PAD, CRT) podem orientar a priorização entre fluidos, ajustes de vasopressor, inotrópicos e avaliação ecocardiográfica focada.

Com menos fluidos administrados e igual ou maior recuperação hemodinâmica, o estudo apoia o conceito de ressuscitação parcimoniosa, reduzindo congestão e seus efeitos deletérios. Utiliza também testes reversíveis (como o teste de dobutamina) por períodos curtos com avaliação objetiva da resposta, um método seguro e aplicável à beira-leito.

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Julia Vargas

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Referências bibliográficas

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