A Sepse é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em todo mundo. A sua detecção rápida e o tratamento iniciado nas primeiras horas são determinantes para a melhora na mortalidade.
Um dos estudos mais importantes. elaborado por Rivers e colaboradores em 2001, no qual houve uma redução dramática da mortalidade quando um protocolo de ressuscitação hemodinâmica, guiado por metas, foi aplicado para pacientes graves logo após chegar na emergência. Este protocolo continha o início do antibiótico e de reposição volêmica, além de aumentar a oferta de oxigênio com uso eventual de dobutamina e transfusão de hemácias e o controle de medidas seriadas da saturação venosa central de oxigênio, controle do débito urinário e da pressão arterial média.
No entanto, outros três estudos realizados 15 anos depois, mostraram que não há benefícios nesse protocolo, desde que o início de antibiótico e outras medidas mais simples sejam adotadas mais precocemente. Estes estudos mais contemporâneos usaram a reposição volêmica com cristaloides na dose de 30 ml/kg, nas primeiras 3 horas, e aparentemente houve benefício nos doentes que tinham hipoperfusão e ou hipotensão induzida por sepse (que constituíam o grupo controle dos 3 estudos). Esta reposição volêmica foi baseada em nível de evidência menor, principalmente devido à falta de controle de dados e à escassez de estudos randomizados controlados sobre a reposição volêmica.
As diretrizes elaboradas pela Surviving Sepsis Campaign recomendam que a reposição volêmica seja realizada na dose de 30 ml /kg de soluções cristaloides administrado nas primeiras 3 horas do início do diagnóstico, porém não especifica se o início dos fluidos é parte do tratamento do pacote de 1 hora ou pode ser realizado posteriormente e também não especifica se há benefício ou malefício na reposição de maiores volumes, no prazo maior que 3-6 horas. O Colégio Americano de Médicos de Emergência (ACEP) não recomenda um volume específico de líquido para todos os pacientes. Eles apenas preconizam que 500 a 1000 ml de cristalóide é comumente feito e parece ser uma prática razoável, mas também não se detalha a dose, nem por quanto tempo essa reposição volêmica deve ser feita.
Métodos
Os 3 autores desta revisão sistemática realizaram uma procura de artigos em população adulta, nas bases de dados Pubmed, Scopus, Cochrane e Google Scholar, entre janeiro de 2000 e novembro de 2024. O objetivo primário deles foi examinar o impacto da ressuscitação volêmica precoce, ou seja, em até 8 horas do início da sepse, na mortalidade de pacientes adultos com sepse ou sepse severa, de acordo com as definições mais antigas e novas de Sepse. Eles elaboraram três perguntas principais: a primeira pergunta era sobre o timing de início de reposição volêmica; a segunda sobre a velocidade de completude do bolus de fluidos e de volumes especificados, tipicamente entre 20 e 30 ml /kg; também pesquisaram se o período de reposição polêmica era de até 3 horas ou além deste período. E por fim, a terceira pergunta sobre a análise de subgrupos nos quais algumas populações vulneráveis à sobrecarga de volume foram estudadas, por exemplo insuficiência cardíaca congestiva e insuficiência renal. Os estudos incluídos poderiam ser randomizados e controlados ou observacionais, desde que eles detalhassem a mortalidade através da razão de chances (odds ratio).
Estudos experimentais em animais e estudos que primariamente avaliaram a administração de coloides ou hemocomponentes foram excluídos, assim como estudos que avaliaram exclusivamente as condições sensíveis a volume, como insuficiência cardíaca, doença renal terminal, hepatopatia e pacientes com injúria pulmonar aguda. Também foram excluídos estudos provenientes de países pobres, pela razão que nem sempre o paciente grave pode ser atendido em uma UTI.
Desta forma, os autores elaboraram 4 pontos principais para serem analisados:
- Impacto de protocolos de ressuscitação usando estratégias mais restritivas versus mais liberais de reposição volêmica;
- Dose de reposição polêmica comparando volumes baixos, ou seja, abaixo de 20 ml/kg com volumes maiores que esta dose;
- Impacto de doses maiores de reposição volêmica, ou seja, maior que 45 ml/kg;
- E finalmente, o impacto do timing da administração de fluidos – se havia influência da administração em até 3 horas ou após esse período.
Resultados
A procura encontrou mais de 2.900 citações, e os autores avaliaram 34 referências, para selecionar 30 estudos, incluindo um total de 119.583 pacientes, com mortalidade mediana de 26,7% (variou entre 20% e 37%).
Doses de reposição volêmica
Dezoito estudos analisaram o efeito da dose da reposição de volume. Três estudos randomizados e controlados examinaram estratégias restritivas versus liberais de reposição volêmica com um total de 3.003 pacientes. Não mostraram impacto significativo na mortalidade: Clovers, Refresh e Process; a estratégia restritiva de reposição variou entre 30 até 59 ml/kg, enquanto a estratégia liberal variou entre 43 até 72 ml/kg de cristaloides. A mortalidade nestes três estudos foi de 14%, 8% e 19%, respectivamente. O intuito de todos eles era incluir pacientes bem no início da sepse em setor de emergência, de modo que esta população se mostrou de menor gravidade. O risco relativo de morte foi de 1,0 variando entre 0,8 e 1,2, ou seja, não há efeito sobre a mortalidade. Estes três estudos tiveram uma taxa baixa de heterogeneidade entre si.
Impacto de doses baixas de fluidos na mortalidade
Foram 13 estudos observacionais, nos quais 11 deles mostraram que havia o maior risco de mortalidade no grupo de pacientes que usou dose baixa de volume. Em muitos desses estudos, o grupo com dose baixa recebeu doses em média 10 ml/kg. O nível de certeza de evidências foi baixo, porque eram estudos observacionais com pouco controle de confundidores, e diferentes doses de fluidos também. De qualquer forma, uma reposição volêmica em doses pequenas parece ser prejudicial.
Impacto de doses altas de reposição volêmica
Doses elevadas de cristaloides, ou seja, maior que 45 ml/kg foram avaliadas em 2 estudos randomizados controlados e 9 estudos observacionais. Os estudos randomizados controlados não observaram impacto na mortalidade (o grupo controle destes estudos também recebeu doses mais elevadas que 30 ml/kg…), porém 6 estudos observacionais observaram maior mortalidade no grupo que usou altos volumes de reposição. O grau de evidência foi muito baixo, principalmente porque os estudos observacionais tinham vieses de controle dos casos, de modo que a conclusão da revisão sistemática é que parece não haver efeito na mortalidade, mas ainda se carece de evidência científica confiável.
É possível que pacientes com insuficiência cardíaca, insuficiência renal, SARA ou outras condições que são sensíveis à hiper-hidratação estivessem misturados ao grupo de população desses estudos.
Os autores puderam separar os grupos mais sensíveis a reposição volêmica (doença renal terminal, insuficiência cardíaca, SARA, hepatopatia) em 17 estudos, que pormenorizaram estes diagnósticos, e aparentemente não houve influência da reposição volêmica na mortalidade, mesmo que se usasse a dose de 30ml/kg de cristaloides. No entanto, 2 estudos africanos da Zâmbia mostraram prejuízo em relação a reposição volêmica, com protocolo usando fluidos, dopamina e hemotransfusão; havia alta prevalência de pacientes com tuberculose, AIDS e malária e também nem todos os pacientes eram tratados em unidades fechadas. Portanto, estes estudos africanos podem ter um viés de observação, no qual a mortalidade é influenciada por outros fatores, além da reposição volêmica.
Timing de reposição volêmica
A última questão foi sobre o timing de reposição volêmica, na qual eles avaliaram 4 estudos. Parece haver benefício de sobrevida quando a dose de 30 ml/kg de cristaloide foi administrada no intervalo menor que 3 horas. Neste quesito, o nível de evidências foi baixo, principalmente porque foram estudos observacionais e mal controlados. No entanto, parece haver um efeito dose-resposta, no qual quando a administração lenta de fluidos, principalmente acima de 6 a 8 horas, está associada à maior chance de morte. Ao contrário, quando você tem uma dose de cristalóide de 30 ml/kg, que é administrada em até 3 horas, parece haver benefício em termos de mortalidade. Destes 4 estudos, houve um efeito dose-resposta, com malefício a partir da 3a hora. O maior malefício parece realmente ocorrer quando a repulsão volêmica é completada após 6 horas e em até 24 horas.
Limitações
Uma crítica em relação à revisão de todos esses estudos é que nos estudos observacionais havia uma variação da mortalidade grande, de acordo com o tempo de início da reposição volêmica. Os estudos nos quais a reposição polêmica era iniciada em até 3 horas tinham mortalidade que não passava de 28%, enquanto que os estudos nos quais a reposição volêmica era iniciada após 6 horas tinham taxas de mortalidade bem maiores (entre 27 e 50%). Este fato pode ser tanto pelo atraso no início da reposição polêmica, mas também na evolução com maior gravidade dos pacientes na medida que o tempo passa (sabemos que a sepse é uma doença tempo-dependente).
Mensagens para o dia-a-dia
- As recomendações da SSC de 30 mL/kg em 3 horas fazem sentido e devem ser a base do tratamento; menos que 20 e mais que 40 ml/kg podem ser prejudiciais.
- As recomendações em diretrizes são gerais e portanto uma reanimação volêmica ideal provavelmente é melhor adaptada a cada paciente.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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