A pressão venosa central (PVC), por décadas um parâmetro hemodinâmico central na prática intensiva, foi amplamente desacreditada como ferramenta para guiar reposição volêmica após estudos demonstrarem sua baixa acurácia em prever responsividade a fluidos. No entanto, sua completa obsolescência é um mito. Em vez de ser descartada, a PVC deve ser reinterpretada com base em fundamentos fisiológicos mais sólidos e integrada ao raciocínio clínico contemporâneo.
O que as evidências mostram até agora?
A PVC representa, na prática, a pressão de enchimento do átrio direito, com implicações fisiológicas em três esferas principais:
- Gradiente de retorno venoso: segundo o modelo de Guyton, o retorno venoso é determinado pela diferença entre a pressão média de enchimento sistêmico (Pms) e a PVC. Como essa diferença é pequena (~3–5 mmHg), elevações modestas na PVC podem reduzir significativamente o retorno venoso e o débito cardíaco.
- Pressão de contrapressão para perfusão orgânica: a PVC influencia o gradiente de perfusão de órgãos, sendo o fluxo proporcional à diferença entre a PAM e a PVC. Estudos demonstram que uma PVC elevada está associada à disfunção hepática, injúria renal aguda e pior perfusão microvascular, especialmente em contextos como sepse e insuficiência cardíaca.
- Marcador de pressão de enchimento do ventrículo direito: em ventilação mecânica, a PVC transmural pode refletir a complacência e distensão do VD. Valores elevados podem sugerir sobrecarga de volume, disfunção diastólica ou mesmo falência ventricular direita, sobretudo quando associados a sinais de congestão venosa.
Limitações
Apesar da redescoberta fisiológica, a PVC ainda tem limitações. Seu valor absoluto não prediz de forma confiável a responsividade a fluidos e apresenta ampla zona cinzenta (9–12 mmHg), com sobreposição entre pacientes responsivos e não responsivos.
A interpretação dinâmica da PVC (ex: variação durante elevação passiva de pernas ou manobras respiratórias) tem sido proposta, principalmente quando utilizada de forma associada ao débito cardíaco mas sua confiabilidade clínica ainda é debatida. Além disso, embora a associação entre PVC elevada e disfunção orgânica seja consistente, o limiar para intervenções terapêuticas direcionadas à redução da PVC (ex: ultrafiltração, modulação da volemia) ainda não está bem estabelecido.
Mensagem Prática
A PVC não deve ser usada isoladamente para indicar volume, mas continua valiosa como indicador de congestão venosa e disfunção ventricular direita. Sua análise deve sempre ser contextualizada com achados clínicos, ecocardiográficos e outras variáveis hemodinâmicas. Em pacientes com suspeita de congestão (ex: oligúria, edema, fígado doloroso), uma PVC persistentemente elevada deve acender o alerta para e fluido intolerância e objetivar estratégias de derressuscitação volêmica.
Veja mais:Pressão Venosa Central (PVC) no paciente grave: dicas práticas
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.