Os bloqueadores neuromusculares (BNMs) têm indicações específicas na unidade de terapia intensiva (UTI), sendo mais frequentemente utilizados para facilitar a intubação orotraqueal, otimizar a ventilação mecânica em situações de grave desconforto respiratório, controlar a assincronia paciente-ventilador e suprimir tremores em pacientes submetidos à terapia de controle de temperatura (TTM) após parada cardíaca.
Na intubação de pacientes críticos, as diretrizes recomendam fortemente o uso de BNMs em combinação com agentes sedativos para aumentar a taxa de sucesso da primeira tentativa e reduzir complicações.
A heterogeneidade dos pacientes críticos — com sepse, disfunção orgânica múltipla e uso concomitante de muitos fármacos — altera significativamente a farmacocinética e a farmacodinâmica dos BNM.
Além disso, há crescente ênfase no monitoramento objetivo do bloqueio neuromuscular, dada a preocupação com bloqueio residual e eventos adversos.
Entre os riscos associados ao uso de BNMs na UTI estão a fraqueza muscular adquirida, prolongamento do bloqueio neuromuscular, atrofia muscular por desuso e, em casos de TTM, risco aumentado de convulsões não reconhecidas devido à supressão dos sinais motores.
Farmacologia dos BNM
- Despolarizantes
- Succinilcolina: ação rápida e curta.
- Usada em intubação de sequência rápida (ISR).
- Efeitos adversos: hiperpotassemia, hipertermia maligna, aumento de PIO/PIA/PIC.
- Contraindicada em lesões neuromusculares, queimados e pacientes críticos com upregulation de receptores nicotínicos.
- Não-despolarizantes
- Aminosteroides: rocurônio, vecurônio, pancurônio.
- Rocurônio é alternativa à succinilcolina para ISR.
- Efeitos vagolíticos mais marcados com pancurônio.
- Metabolismo hepático e excreção renal — risco de acumulação em falência orgânica.
- Benzoilisoquinolinas: atracúrio, cisatracúrio, mivacúrio.
- Atracúrio e cisatracúrio sofrem eliminação por degradação de Hofmann e esterases plasmáticas — menos dependentes de função hepática/renal.
- Cisatracúrio associado a menor liberação de histamina e potencial efeito anti-inflamatório em SARA.
Monitoramento do Bloqueio Neuromuscular
- Monitoramento clínico isolado é pouco confiável na UTI.
- Métodos qualitativos: TOF (Train-of-Four) por estimulação nervosa periférica.
- Métodos quantitativos:
- Aceleromiografia (AMG), eletromiografia (EMG), mecanomiografia (MMG).
A SCCM recomenda usar TOF como parte de uma avaliação multimodal.
Agentes de Reversão
- Anticolinesterásicos (neostigmina, edrofônio, piridostigmina):
- Aumentam acetilcolina para competir com BNM.
- Limitados em bloqueios profundos.
- Associados a efeitos muscarínicos — requerem anticolinérgicos (atropina, glicopirrolato).
- Sugamadex:
- Liga-se especificamente a rocurônio e vecurônio.
- Reversão rápida e previsível, até mesmo de bloqueio profundo.
- Dose: 2 mg/kg para bloqueio moderado, 4 mg/kg para profundo, até 16 mg/kg para reversão de emergência.
Populações Especiais
- Disfunção hepática/renal:
- Preferir atracúrio/cisatracúrio (eliminação independente).
- Aminosteroides têm meia-vida prolongada.
- Obesidade:
- Doses calculadas por peso ideal ou peso ajustado.
- Pancurônio deve ser evitado em obesos mórbidos.
- Sugamadex: possível subdosagem se baseado apenas no peso ideal.
- Distúrbios ácido-base e eletrólitos:
- Acidose potencia bloqueio de não-despolarizantes.
- Alcalose o diminui.
- Succinilcolina tem padrão oposto.
Situações Clínicas Específicas
- SARA/ARDS
- Dados conflitantes:
- Estudo ACURASYS mostrou benefício com cisatracúrio em infusão contínua por 48 h.
- PETAL/ROSE não confirmou redução de mortalidade.
- Meta-análises apontam melhora na oxigenação e redução de barotrauma, sem impacto consistente em mortalidade em 90 dias.
- Sugere-se uso restrito:
- Pacientes com SARA moderada a grave (PaO2/FiO2 <150).
- Preferencialmente até 48 horas.
- Foco em reduzir assincronia paciente-ventilador.
- Pressão intracraniana elevada
- Evidência limitada e heterogênea.
- Atracúrio e cisatracúrio potencialmente seguros; succinilcolina pode aumentar a PIC.
- Hipertensão intra-abdominal (HIA)
- BNM podem reduzir a pressão abdominal ao relaxar musculatura.
- Uso recomendado como medida temporária em HIA refratária.
- ISR (Intubação de Sequência Rápida)
- Succinilcolina (1–1.2 mg/kg) ou rocurônio (1–1.2 mg/kg).
- Rocurônio preferível quando risco de hiperpotassemia ou hipertermia maligna.
- Em falha de intubação, sugamadex 16 mg/kg permite reversão imediata de rocurônio.
Conclusões
Uso de BNM na UTI deve ser individualizado, considerando comorbidades, farmacocinética e farmacodinâmica. O monitoramento objetivo é fundamental para reduzir bloqueio residual e mais estudos são necessários para definir protocolos padronizados para a UTI.
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