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Terapia Intensiva29 dezembro 2025

Melatonina no Delirium: Por que uma ideia promissora não funcionou na prática

Estudos recentes mostram que a melatonina não reduz delirium em pacientes críticos sob ventilação mecânica.

O delirium permanece uma das manifestações mais prevalentes e clinicamente relevantes da disfunção cerebral aguda na UTI, afetando até 80% dos pacientes sob ventilação mecânica e associando-se a maior mortalidade, maior tempo de internação e déficits cognitivos persistentes após a alta. Apesar de décadas de pesquisa, nenhuma intervenção farmacológica isolada demonstrou eficácia consistente em sua prevenção. Nesse contexto, a melatonina emergiu como uma candidata atraente, combinando plausibilidade biológica, segurança e baixo custo. 

A hipótese era sustentada por diversos elementos: pacientes críticos com delirium tendem a apresentar níveis séricos mais baixos de melatonina, e o hormônio possui propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e reguladoras do ritmo circadiano que poderiam teoricamente proteger o cérebro da lesão associada ao estado inflamatório sistêmico. No entanto, evidências recentes provenientes de estudos de maior rigor metodológico alteraram esse panorama [1]. 

O que o estudo DEMEL acrescentou? 

O Estudo DEMEL [2] foi o estudo mais abrangente já conduzido para avaliar melatonina na prevenção de delirium em pacientes sob ventilação mecânica. Seu desenho incluiu uma fase inicial destinada a determinar o perfil farmacocinético ideal e, posteriormente, uma fase de eficácia. De forma inesperada, a dose menor (0,3 mg) apresentou o perfil mais fisiológico, enquanto a dose de 3 mg resultou em concentrações suprafisiológicas no período da manhã, potencialmente agravando a disrupção circadiana. 

Apesar desse cuidado metodológico, a melatonina em baixa dose não reduziu a incidência de delirium quando comparada ao placebo, e não houve impacto em nenhum dos desfechos secundários avaliados: qualidade do sono, uso de sedativos, dias livres de ventilação, tempo de internação ou mortalidade. A intervenção, embora biologicamente plausível, não se traduziu em benefício clínico. 

Esses resultados convergem com outros dois estudos recentes de alta qualidade, Pro-MEDIC [3] e MELLOW [4], que também não demonstraram eficácia da melatonina.  

Por que a melatonina falhou? 

A resposta mais provável é que delirium na UTI é multifatorial, e a disrupção circadiana representa apenas um dos seus determinantes. Tentar modificar o curso clínico dessa síndrome complexa com uma única intervenção é provavelmente insuficiente. Além disso: 

  • Apenas 50% dos pacientes no braço de 0,3 mg atingiram a meta farmacocinética definida; 
  • Não está claro se o “perfil ótimo” proposto realmente corresponde ao necessário para influenciar o delirium durante a doença crítica; 
  • Altas doses podem causar concentrações matinais suprafisiológicas, paradoxalmente agravando a desorganização circadiana. 

Assim, embora segura, barata e fisiologicamente interessante, a melatonina parece carecer do impacto clínico desejado quando usada de forma isolada. 

Mensagem prática 

 A mensagem que emerge é clara: A melatonina não deve ser utilizada rotineiramente como estratégia isolada de prevenção de delirium em pacientes críticos. A prevenção continua baseada em estratégias multimodais como aquelas contempladas no bundle ABCDEF, que abordam mobilidade, sedação, ventilação, interação com a família, dor, sono e reorientação cognitiva. A melatonina, se for considerada, deve ser vista como parte de um arsenal complementar, e não como solução independente. 

Importante também reconhecer que a ausência de benefício médio não exclui a possibilidade de subgrupos que possam se beneficiar, tema que permanece aberto para investigação futura, especialmente no que se refere a sobreviventes da UTI com distúrbios persistentes de sono e cognição. 

Autoria

Foto de Yuri Albuquerque

Yuri Albuquerque

Doutorando em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP) • Residência em Medicina Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) • Residência em Clínica Médica ano complementar (R3) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) • Residência em Clínica Médica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) • Médico intensivista rotina do hospital Samaritano Paulista • Título de Especialista em ECMO pela Extracorporeal Life Support Organization (ELSO) • Título de Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)

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Referências bibliográficas

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