O artigo em análise apresenta uma diretriz nacional desenvolvida por sociedades britânicas e centros de referência do Reino Unido sobre o manejo de emergências em pacientes submetidos à oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). O texto propõe um algoritmo unificado e pragmaticamente aplicável, com o objetivo de padronizar a conduta de equipes multiprofissionais frente a eventos críticos, em especial parada cardiorrespiratória e falhas mecânicas no circuito de ECMO. Essa diretriz reflete a maturidade crescente do sistema britânico de ECMO, bem como a necessidade de protocolos integrados que conciliem fisiologia avançada com operacionalização prática no ambiente de terapia intensiva.
Na introdução, os autores contextualizam o papel cada vez mais relevante da ECMO como terapia de suporte vital em insuficiência cardíaca e respiratória refratária, destacando que, com o aumento da sobrevida e expansão das indicações — especialmente após a pandemia de COVID-19 —, também cresceu a incidência de emergências associadas à ECMO, como falhas mecânicas, complicações hemorrágicas e episódios de parada circulatória. Ressalta-se que as alterações fisiológicas impostas pelo circuito extracorpóreo — ausência de pulsatilidade, redução de sensibilidade de monitores e interferência nos parâmetros de capnografia — tornam os algoritmos tradicionais de suporte avançado à vida (ALS) inadequados ou insuficientes para essa população. O texto justifica, portanto, a criação de um protocolo específico para situações críticas envolvendo ECMO, baseado em consenso nacional e na adaptação de princípios do Advanced Trauma Life Support (ATLS).

Recomendações segundo a estrutura da European Society of Cardiology (ESC)
A seção de métodos descreve um processo robusto e participativo, conduzido por 14 centros britânicos de ECMO e oito sociedades médicas nacionais, incluindo cardiologia, terapia intensiva e perfusão clínica. O grupo utilizou uma abordagem de consenso Delphi modificada, fundamentada em revisão sistemática da literatura até maio de 2024, culminando na elaboração de recomendações classificadas segundo a estrutura da European Society of Cardiology (ESC) quanto à classe e nível de evidência. Essa metodologia assegura rigor científico e legitimidade institucional, representando uma prática recomendável para o desenvolvimento de protocolos nacionais em terapias extracorpóreas complexas.
A diretriz introduz o UK ECMO Emergency Algorithm, eixo central do artigo. O algoritmo estrutura-se em torno de três pilares: reconhecimento precoce da parada circulatória, divisão funcional das equipes e solução sistemática de falhas no dispositivo (troubleshooting). Inicialmente, a definição de parada cardiorrespiratória em pacientes sob ECMO é estabelecida com base em pressão arterial média (PAM) < 30 mmHg e ausência de responsividade, visto que parâmetros como pulso e capnografia podem ser enganosos devido à ausência de fluxo pulsátil e à remoção extracorpórea de CO₂. Tal critério padronizado visa reduzir atrasos diagnósticos e melhorar a prontidão da equipe de resposta.
O artigo propõe uma divisão funcional da equipe de emergência em dois subgrupos: o “time do paciente”, responsável por avaliar causas reversíveis e realizar manobras de reanimação conforme ALS adaptado; e o “time do dispositivo”, encarregado de inspecionar o circuito, verificar fluxo e integridade de conexões, corrigir torções de cânulas e ajustar parâmetros da bomba. Essa estratégia tem o propósito de reduzir a carga cognitiva durante o evento crítico e aumentar a eficiência do trabalho em equipe, sendo supervisionada por um líder designado, que mantém a visão global da ressuscitação.
Seção troubleshooting
Na subsequente seção de troubleshooting, os autores sistematizam as principais causas de falha no circuito, dividindo-as conforme o tipo de fluxo detectado: baixo fluxo (< 2 L/min) e ausência total de fluxo. Para baixo fluxo, o algoritmo orienta a redução gradual das rotações por minuto (RPM) da bomba até resolução de sucção, seguida de reposição volêmica (2,5 mL/kg de cristalóide) e reavaliação de parâmetros hemodinâmicos e de posicionamento das cânulas. Já a ausência total de fluxo requer clampeamento imediato da linha de retorno e avaliação para causas catastróficas, como embolia aérea, falha de motor, ruptura de circuito ou decanulação acidental, acionando procedimentos operacionais padrão (Standard Operating Procedures – SOPs) específicos de cada instituição. A diretriz destaca ainda a necessidade de verificação manual do fluxo de gás no oxigenador, enfatizando que muitos dispositivos carecem de alarmes automáticos para detectar interrupção de oxigênio, o que pode resultar em hipoxemia fatal não percebida.
No campo da avaliação da circulação adequada, a diretriz introduz parâmetros objetivos — PAM > 55 mmHg, fluxo > 2 L/min e saturação > 88% — para definir estabilidade hemodinâmica sob ECMO. Essa padronização permite distinguir entre estados de perfusão suficiente, intermediária ou de colapso circulatório, direcionando condutas como troca emergencial do circuito, recanulação ou reesternotomia em pacientes pós-cardiotomia com menos de dez dias. As recomendações são classificadas como Classe IIa, Nível C, reconhecendo a limitação de ensaios randomizados, mas sustentando-se no consenso de especialistas e evidências observacionais consolidadas.
A diretriz também aborda aspectos de cuidados holísticos e éticos. Destaca-se a importância da definição prévia de limites de ressuscitação e da comunicação clara com familiares, sobretudo em casos de suporte prolongado com prognóstico reservado. O texto incentiva a presença de representantes familiares durante as manobras, acompanhados por profissional experiente capaz de explicar o processo, reforçando a dimensão humanística do atendimento intensivo.
Conclusão
Na conclusão, os autores sintetizam que o protocolo nacional britânico representa um avanço substancial na padronização do manejo de emergências em ECMO, ao integrar fundamentos fisiológicos, consenso multidisciplinar e aplicabilidade clínica. A proposta confere clareza operacional a situações de extrema complexidade, orientando decisões rápidas e seguras por equipes multiprofissionais em unidades de terapia intensiva. Além disso, o modelo sugere um caminho para futuras diretrizes internacionais, capazes de harmonizar o atendimento emergencial a pacientes em suporte extracorpóreo.
Portanto, o artigo de Akhtar et al. oferece uma contribuição decisiva para a prática intensiva contemporânea, ao consolidar uma abordagem estruturada, escalonada e baseada em evidências para emergências em ECMO. Trata-se de uma diretriz que alia rigor técnico, realismo clínico e preocupação ética, configurando-se como referência para o treinamento e a segurança do paciente crítico em suporte extracorpóreo.
Autoria

Hiago Bastos
Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁ Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁ Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁ Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁ Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁ Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.
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