O estudo APT-Sepsis é um ensaio clínico multinacional, em clusters, concebido para enfrentar uma das causas mais persistentes de morbimortalidade materna: infecções e sepse durante a gestação, parto e puerpério, especialmente prevalentes em países de baixa e média renda. Partindo de diagnósticos prévios que identificam lacunas críticas na implementação de práticas baseadas em evidências — incluindo baixa adesão à higiene das mãos, uso inadequado de antibióticos e demora na identificação e manejo de sepsis — a investigação avaliou uma intervenção multifacetada destinada a modificar comportamentos, padronizar cuidados e reorganizar processos clínicos em unidades que oferecem atendimento obstétrico integral.
A intervenção APT-Sepsis integra três pilares estratégicos: adesão rigorosa aos padrões de higiene das mãos definidos pela Organização Mundial da Saúde; aplicação sistemática de medidas de prevenção e manejo de infecções, incluindo antibioticoprofilaxia bem indicada e preparo antisséptico adequado em cirurgias obstétricas; e identificação precoce de sepse por meio de protocolos estruturados, com acionamento imediato do conjunto terapêutico FAST-M (fluidoterapia, antibioticoterapia, controle do foco, avaliação para transferência e monitorização intensiva). A aplicação do programa envolveu capacitação multiprofissional, seleção de profissionais líderes dentro das próprias instituições, suporte educacional permanente e uso de ferramentas padronizadas, como gráficos de alerta precoce e checklists de tratamento. Importante destacar que a intervenção adicionou poucos recursos materiais externos, operando majoritariamente sobre processos e práticas clínicas.
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Estudo APT-Sepsis – Método
Foram randomizadas 59 instituições em Malawi e Uganda, abrangendo mais de 430 mil nascimentos ao longo do estudo. A análise principal, baseada no princípio de intenção de tratar, demonstrou uma redução estatisticamente significativa no desfecho composto de morte materna relacionada à infecção, near-miss por infecção e infecções graves profundas (sítio cirúrgico, perineal ou cavitária). A incidência desse desfecho foi de 1,4% nas unidades que receberam a intervenção versus 1,9% nas unidades de cuidado habitual, correspondendo a uma razão de risco de 0,68 (IC 95%, 0,55–0,83; P<0,001). O efeito foi consistente entre os países, independentemente do porte das instituições e manteve-se ou intensificou-se ao longo dos meses subsequentes à implementação, sugerindo aprendizado progressivo, maturação das práticas e incorporação institucional sustentada.
Entre os componentes individuais do desfecho primário, a maior parte da redução decorreu da diminuição de infecções profundas, que foram 32% menos frequentes nas unidades de intervenção. Embora não tenham sido observadas reduções estatisticamente significativas em mortes maternas ou near-miss isoladamente, a tendência favoreceu a intervenção. No que diz respeito aos desfechos perinatais — natimortalidade e mortalidade neonatal — não foram identificadas diferenças significativas, ainda que a intervenção tenha incluído monitorização neonatal no protocolo FAST-M.
Os desfechos de implementação reforçam a plausibilidade causal dos achados clínicos. A adesão à higiene das mãos aumentou mais do que o dobro nas instituições da intervenção (33% versus 15%), a antibioticoprofilaxia perioperatória adequada antes de cesarianas foi substantivamente ampliada (74% versus 58%) e o registro completo de sinais vitais na admissão passou de 15% para 48% nas unidades com APT-Sepsis. Entre pacientes com suspeita de sepse, observou-se incremento significativo na administração precoce de fluidos e antibióticos. Embora a adesão não tenha atingido níveis ideais — refletindo limitações estruturais persistentes — as melhorias alcançadas foram suficientes para produzir impacto clínico mensurável.
O estudo apresenta algumas limitações, como a impossibilidade de atribuir o efeito a componentes isolados da intervenção, a ausência de dados microbiológicos e o risco de viés na determinação da relação causal entre eventos e infecção, já que revisores locais conheciam o grupo de alocação. Entretanto, a utilização de critérios objetivos e a revisão central reduziram essa possibilidade. De forma semelhante, a subnotificação de eventos pós-alta é possível, embora improvável para condições graves como sepse ou infecções profundas.
Em síntese, o APT-Sepsis demonstra que intervenções multifatoriais, baseadas em diretrizes consolidadas e orientadas à modificação de processos assistenciais, podem reduzir de forma substancial a carga de infecções maternas graves em contextos de recursos limitados. Trata-se de evidência robusta para escala ampliada, com potencial significativo para influenciar políticas de saúde reprodutiva, especialmente em países de baixa e média renda, onde a sepse materna continua entre as principais causas de mortalidade evitável.
Autoria

Hiago Bastos
Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁ Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁ Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁ Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁ Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁ Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.
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