A lesão renal aguda (LRA) afeta até 50% dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI), sendo associada a um aumento de mortalidade e risco de progressão para doença renal crônica. A terapia de substituição renal (TSR) é frequentemente empregada, mas permanece controverso o momento e a forma ideal de sua utilização.
Estudos randomizados (AKIKI, IDEAL-ICU, STARRT-AKI, ELAIN) demonstram que iniciar TSR precocemente, na ausência de complicações ameaçadoras à vida, não melhora a sobrevida, mesmo em pacientes com LRA KDIGO estágio 2 ou 3. Estratégias de adiamento podem evitar a necessidade de TSR em até 50% dos casos, devido à recuperação espontânea da função renal. Por outro lado, o início precoce pode acarretar maior mortalidade em pacientes não oligo-anúricos, risco de dependência renal a longo prazo, hipofosfatemia, hipotensão e infecção associada a um cateter.
Apesar disso, atrasos excessivos (>72 horas após o início da LRA estágio 3) podem ser prejudiciais, especialmente em pacientes com oligúria persistente e ureia >112 mg/dL.
Situações com indicação imediata:
A TSR deve ser iniciada prontamente diante de:
- Hipercalemia grave (> 6,5 mmol/L) ou refratária ao tratamento clínico
- Acidose metabólica refratária (pH ≤ 7,20 não responsiva a bicarbonato).
- Sobrecarga volêmica com repercussão clínica, especialmente com hipoxemia associada.
- Síndrome urêmica (encefalopatia, pericardite, mioclonias)
O uso de ultrassonografia pode complementar o exame clínico e os dados laboratoriais na avaliação do status volêmico.
Outras situações para considerar início:
- BUN > 112 mg/dL + oligoanúria persistente
- Congestão refratária com sinais clínicos + POCUS (VCI, VEXUS) + Rx alterado
- Falha progressiva de função renal sem reversão > 72h
Escolha da modalidade: IHD vs CRRT
Não há diferença significativa de mortalidade entre hemodiálise intermitente (IHD) e terapia contínua (CRRT). A escolha depende principalmente da estabilidade hemodinâmica e do contexto clínico:
- CRRT: preferida em pacientes instáveis, sob vasopressores ou com sobrecarga volêmica significativa.
- IHD: segura em pacientes estáveis, com menor escore de gravidade (SOFA <10). Duração: 3–4 horas
Outros cuidados na prescrição:
- Dose recomendada: CRRT com depuração de 20–25 mL/kg/h.
- Anticoagulação: uso de citrato prolonga a vida útil do filtro e reduz eventos hemorrágicos em comparação à heparina.
- Modalidade de depuração: não está claro se hemofiltração (convecção) oferece vantagem sobre hemodiálise (difusão).
- Taxa de ultrafiltração: estratégias agressivas de remoção hídrica podem levar à instabilidade hemodinâmica. Ensaios clínicos estão em andamento para definir a melhor abordagem.
Conclusões e mensagem prática
A maioria dos pacientes com LRA na UTI pode se beneficiar de uma estratégia de observação ativa e adiamento da TSR, exceto em casos com complicações urgentes. A escolha da modalidade de TSR deve ser individualizada, considerando estabilidade hemodinâmica e objetivos clínicos. Estratégias precoces em pacientes sem urgência possuem maior índice de complicações e maior mortalidade.
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