Logotipo Afya
Anúncio
Terapia Intensiva6 dezembro 2025

Incidência e mortalidade da sepse global e regional entre 1990 e 2021

Em 2017, a OMS declarou prioridade para prevenir e tratar a sepse adequadamente, e pela primeira vez, se propôs estimar a carga de doença relacionada especificamente à sepse.

A sepse é uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção, que leva à disfunção orgânica. Ela é uma causa de morte prevenível e perda de saúde global, que nas últimas duas décadas teve uma tendência de redução após a adoção de diretrizes do Surviving Sepsis Campaign e da Global Sepsis Alliance. Em 2017, a Organização Mundial de Saúde declarou prioridade para prevenir e tratar a sepse adequadamente, e quando, pela primeira vez, se programou estimar a carga de doença (burden of disease) relacionada especificamente à sepse, no intuito de identificar disparidades na incidência e na mortalidade da síndrome ao redor do mundo. Em 2020 Rudd e colegas produziram as primeiras estimativas globais da incidência e mortalidade de sepse e usaram causas intermediárias de morte para identificar as mortes relacionadas à síndrome (Lancet, 2020). Eles verificaram que quase metade de todas as mortes relacionadas à sepse eram complicações de doenças ou injúrias não comunicáveis, as quais muitas eram associadas a comorbidades. Esses autores também chamam a atenção para as disparidades pela idade e pelo local analisado. A análise deles se estendeu apenas até 2017, antes do impacto da Covid-19 no planeta. A incidência de sepse vem aumentando ao longo das últimas décadas;  hipoteticamente ocorreu devido ao aumento da idade da população, aumento de incidência de condições crônicas, identificação precoce da sepse e mudanças na codificação e nas definições de sepse também (lembrando que passamos por 2 mudanças importantes – SIRS e SOFA em 1992 e 2016, respectivamente). Por exemplo, infecções que eram referidas como causa de internação e de morte relacionadas à população em geral (exemplos como pneumonia comunitária, pielonefrite, endocardite), passaram a ser codificadas como sepse como causa de morte, tanto na causa primária quanto como causa associada. 

Métodos

O estudo atual visa fazer uma nova análise de incidência e mortalidade de sepse, utilizando estudos de resistência antimicrobiana analisadas a nível global e também dados do Global Burden of Diseases (GBD) de 2021, ou seja, a carga de doença global em 2021. A captura dos dados tentou identificar sepse como a principal causa de morte, associada a infecções ou como causa secundária associada a outras doenças agudas e comorbidades. O artigo apresenta uma análise sistemática da incidência e mortalidade global por sepse entre 1990 e 2021, incluindo o impacto da pandemia de COVID-19. Os autores utilizaram dados de múltiplas causas de morte, registros hospitalares, entre outros, para estimar a carga da sepse em níveis global, regional e nacional. Os autores também separaram as populações por idade, sexo, local/país e ano de acontecimento. Através de estimativas de fatalidade de casos de sepse conseguiu-se estimar o número de casos de sepse: para a estimativa da fração de casos de sepse, os autores utilizaram o número de mortes de 149 milhões de 4.290 locações por ano. Para o cálculo de incidência usando prontuários de hospitais, reportou-se o total de 250 milhões de internações hospitalares e 10 milhões de mortes de um total de 1.311 locações/ano. De acordo com a classificação do GBD, as causas de morte foram classificadas como imediatas, intermediárias ou associadas subjacentes. Identificou-se sepse no diagnóstico primários e secundários, além das causas de base ou diagnósticos primários. Os autores marcaram sepse como co-ocorrência de morte: explícita no qual também havia um código CID de doenças infecciosas; e como sepse implícita como qualquer morte que incluiu a doença infecciosa com o código CID de uma outra causa de morte. Todos os casos de sepse implícita também precisavam ter algum código de disfunção orgânica. Os autores mapearam as mortes relacionadas à sepse devido a outras doenças primárias em cima do número de 195 do total de 288 causas subjacentes à morte do banco de dados GBD. Para análise de doenças infecciosas subjacentes, os autores avaliaram que a sepse seria relacionada diretamente à morte se houvesse menção a sepse como causa de morte associado a códigos CID de disfunção orgânica.  

Resultados

Em 2021, foram estimados 166 milhões de casos de sepse e 21,4 milhões de mortes relacionadas à sepse em todo o mundo, o que representa 31% do total de mortes globais. A mortalidade por sepse diminuiu entre 1990 e 2019, mas houve um aumento significativo em 2020 e 2021, revertendo o progresso anterior por causa da pandemia de Covid-19. Indivíduos com 15 anos ou mais experimentaram aumentos na incidência (230%) e mortalidade (26%) por sepse desde 1990. O grupo com 70 anos ou mais teve a maior mortalidade relacionada à sepse em 2021 (9,3 milhões de mortes). A sepse como complicação de causas subjacentes não-infecciosas (como AVC, doença pulmonar obstrutiva crônica e cirrose) aumentou de 4,7 milhões em 1990 para 5,8 milhões em 2021. 

Em relação aos sítios de infecção, as infecções da corrente sanguínea (incluindo HIV e malária) e infecções do trato respiratório inferior (incluindo COVID-19) foram as síndromes infecciosas mais proeminentes que complicaram mortes relacionadas à sepse por causas não-infecciosas em 2021. A seguir, os sítios mais frequentes são infecções intra-abdominais, pele/subcutâneo e trato urinário. Cabe aqui salientar que a abordagem dos autores é de aglutinar infecções de corrente sanguínea com malária e pacientes com HIV/AIDS – estas 2 infecções são classicamente separadas nas análises de morbi-mortalidade; portanto é possível que a infecção isoladamente considerada mais comum seja a pneumonia. 

A figura 5 do artigo é espetacular (é daquelas para se colocar em aula), reproduzindo de um lado as doenças não-infecciosas mais comumente associadas à sepse, e do outro lado a frequência decrescente do sítio de infecções associadas. 

A África Subsaariana manteve a maior taxa de mortalidade e incidência de sepse globalmente, apesar de uma redução percentual na taxa. Seguem-se à África: Europa oriental e América Latina/Caribe. 

A análise da população geral mostra que em 1990 havia 309 mortes de sepse para cada 100 mil habitantes. Essa taxa desceu para 182 por 100 mil habitantes em 2019, mas aumentou para 270 em 2021, refletindo o impacto que teve a pandemia de covid-19. Essa análise seguiu um padrão de grande aumento na mortalidade e na incidência também na população acima de 15 anos de idade. Foi muito marcante relacionada à mortalidade na população mais idosa acima de 70 anos. Na figura 1, a um quadro completo de causas de doenças que levam à morte entre 1990, 2019 e 2021 é bem marcante a manutenção das doenças respiratórias baixas como causas principais de mortes relacionadas à sepse, com a diferença que a Covid-19 ocupou o posto de primeiro lugar em 2021. As doenças diarreicas tiveram leve declínio e as doenças respiratórias baixas (pneumonia) seguiu como uma principal causa exceto no ano de 2021. As outras causas foram tuberculose, malária e HIV/AIDS. A maior mudança esteve relacionada às doenças infantis nas quais sepse neonatal, meningites, sarampo, coqueluche, pioderma e hepatite B foram as que tiveram maior declínio ao longo desse período. 

Na outra parte da figura, mostra-se as doenças não-infecciosas que mais estiveram associadas à morte pela sepse: no primeiro lugar, encontra-se o AVC, seguido de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), cirrose hepática, doença isquêmica coronariana e câncer de cólon. Outras doenças infantis tiveram um declínio importante como encefalopatia neonatal, leucemia e outras desordens neonatais. 

É curioso ver que AVC, DPOC, cirrose e doenças isquêmicas do coração, além de câncer de cólon e câncer de colo de útero permaneceram estáveis como as principais doenças associadas à sepse como evento terminal entre 1990 e 2021. De um modo geral, a sepse esteve implicada em 31% de todas as mortes no planeta!  

A incidência de sepse se manteve estável para vários países do mundo. No entanto, a sua mortalidade permanece alta em países da América do Sul, da África e da Ásia. Previamente a covid-19, a fração de mortes relacionadas à sepse de doenças não-infecciosas havia declinado de 36% em 1990 para 25% em 2019, mas em 2021 houve um aumento de quase 33%, principalmente na população adulta. A população neonatal e infantil foram as que permaneceram com mortalidade decrescente em todo o período: estas taxas refletem provavelmente a melhor tolerância das crianças à Covid-19, além possivelmente de melhores taxas de vacinação para doenças comuns da infância ao redor do mundo. 

As mortes por sepse relacionadas a doenças diarreicas, pneumonia, sarampo e tuberculose também foram reduzidas substancialmente no período de 1990 até 2021. As mortes relacionadas a HIV/AIDS diminuíram muito após o ano 2000 e a terapia antirretroviral, encontrando um declínio importante da mortalidade nos extratos analisados de 2019 e 2021. 

No entanto, quando você analisa a sepse relacionada às doenças não-infecciosas, houve um aumento de 24% ao longo das últimas 3 décadas. Enquanto as doenças cardiovasculares, câncer e diabetes estiveram relacionadas ao aumento na mortalidade por sepse, a desnutrição protéico-energética e doenças infantis e neonatais diminuíram significativamente ao longo dos 30 anos analisados. 

Limitações

O estudo tem algumas limitações, como o risco de classificação erradas e sepse devido às definições que mudaram ao longo dos últimos 30 anos e da prática de codificação pelo CID ao longo do tempo. Outra limitação é que a estimativa de sepse baseada em local e ano vieram predominantemente de países desenvolvidos e isso pode subestimar a real estimativa de sepse contida nos países de baixo desenvolvimento.  

Conclusões

O aumento da carga global de sepse em 2020 e 2021 é preocupante e destaca a necessidade de abordar a sepse como uma complicação de doenças crônicas e não-infecciosas. A pandemia de COVID-19 demonstrou um impacto substancial de um único patógeno na sepse. Não se sabe ainda se a incidência e a mortalidade retornarão aos níveis basais pré-pandemia, ou se vão se manter elevados ou mesmo aumentar nos próximos anos – tanto incidência como a mortalidade podem seguir tendências semelhantes ou díspares para estes dois desfechos. Somente um novo levantamento da organização “Global Burden of Diseases, Injuries, and Risk factors study” (GBD) pode esclarecer o futuro próximo. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Terapia Intensiva