Os agentes fibrinolíticos são usados em doenças trombóticas, principalmente na fase mais aguda, como acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi), infarto agudo do miocárdio (IAM) e tromboembolismo pulmonar (TEP). Eles são serinas proteases, que convertem plasminogênio em plasmina, que atua quebrando a fibrina que forma os trombos. Quanto mais recente o trombo, maior a eficácia dos agentes fibrinolíticos. São dois tipos de agentes: inespecíficos (estreptoquinase) e específicos (alteplase – tPA, tecneteplase – TNK e reteplase – rPA). A estreptoquinase foi o primeiro a ser usado em casos de IAM, e pode causar mais alergias e produção de anticorpos, sendo evitada em um segundo evento trombótico em até 6 meses; também está associada com maior incidência de eventos hemorrágicos. Atualmente, os agentes fibrino-específicos são preconizados na terapia mais aguda das 3 patologias acima citadas.
Esta segunda parte abordará o uso de fibrinolíticos em pacientes com IAM e TEP na emergência.
Veja também: Fibrinolíticos na emergência – AVEi
Objetivos e Metodologia:
A revisão destes autores foi narrativa, mas eles fizeram uma pesquisa bibliográfica semelhante a uma revisão sistemática, procurando artigos nas bases Pubmed e Google Scholar, com termos “trombólise”, “trombolíticos”, “fibrinólise” e as três patologias acima citadas. Todos os artigos incluídos continham 3 critérios:
- Investigação de uma das três doenças – AVEi, IAM e TEP;
- Tratamento primário com fibrinólise;
- Relevância para avaliação e tratamento na emergência.
Um total de 153 artigos foram selecionados para esta extensa revisão.
Infarto agudo do miocárdio
A terapia fibrinolítica é originária do uso de estreptoquinase para pacientes com IAM, há cerca de 70 anos atrás. Ocorre ruptura de placa aterosclerótica com formação de trombos em grandes vasos coronarianos – o tratamento mais eficaz é dissolver o trombo e restabelecer a circulação daquele leito vascular. Reduzir a área de infarto e a disfunção cardíaca oriunda do atordoamento do miocárdio isquêmico são os objetivos da terapia. O uso preciso de fibrinolíticos pode reduzir a mortalidade de forma relativa de 15% a 30%. Idealmente deve ser administrado em até 4 horas, e também evitado após 12 horas, porque aumenta o risco de sangramento e há menor chance de recanalização do vaso.
Os critérios para tratamento de reperfusão (seja por angioplastia ou fibrinolítico) são:
- Dor torácica típica por mais de 30 minutos e menos de 12 horas;
- Evidência no eletrocardiograma (ECG) de supradesnível do segmento ST em 2 derivações correspondentes na localização de alguma parede;
- Timing: preferir angioplastia percutânea se disponível em até 2 horas OU administrar tPA ou TNK em até 70 minutos.
A intervenção coronária percutânea (ICP) é o tratamento de primeira linha para IAM, mas os fibrinolíticos são uma alternativa se a ICP não estiver disponível em tempo hábil. Considerado para pacientes com dor no peito por pelo menos 30 minutos, mas menos de 12 horas, e evidência de IAM com supradesnivelamento do segmento ST (STEMI) se a intervenção coronária percutânea (ICP) não estiver disponível em 120 minutos. A idade avançada aumenta o risco de complicações.
A terapia concomitante com anticoagulantes (heparina de baixo peso molecular) e antiplaquetários (aspirina e/ou clopidogrel) é necessária. Devem ser iniciadas até o dia seguinte de uso de fibrinolíticos, ou mesmo dia se conseguiu realizar angioplastia percutânea. Outras terapias também são necessárias: estatinas de alta potência, beta-bloqueadores, inibidores da enzima de conversão de angiotensina ou bloqueadores de receptores de angiotensina.
Algumas dúvidas comuns são: idade elevada (acima de 75 anos) e presença de menstruação em mulheres não são contraindicações formais e pode-se usar fibrinolíticos. Os pacientes com choque cardiogênico têm preferência de tratamento invasivo com angioplastia, embora o tratamento medicamentoso não seja contraindicado (preferir somente se não é possível ida para centro com hemodinâmica). A TNK parece ter mesma eficiência que a tPA, mas com discreta redução de chance de sangramento. E mesmo após uma reperfusão com fibrinolíticos, a realização de coronariografia e possível angioplastia continuam sendo necessárias para assegurar redução de reinfarto e mortalidade.
O sangramento oriundo da terapia com tPA ou TNK tem maior chance em idosos, mulheres, história prévia de AVE, hipertensão não-controlada, indivíduos magros (mulheres abaixo de 65 kg e homens abaixo de 80 kg) e discrasia sanguínea (INR acima de 4). Os sangramentos mais comuns são gastrointestinais (~ 2%), e menos comum intracraniano (~ 1%). A chance de sangramento moderado é aproximadamente 11%.
Tromboembolismo pulmonar
Os fibrinolíticos são recomendados para EP de alto risco (instabilidade hemodinâmica) e podem ser considerados para EP de risco intermediário-alto. A mortalidade nesta população gira em torno de 22% a 32%.
Os critérios para TEP maciço incluem instabilidade hemodinâmica definida como pressão sistólica abaixo de 90 mmHg por pelo menos 15 minutos ou com necessidade de início de vasopressor ou inotrópico; também queda de mais de 40 mmHg na pressão sistólica por mais de 15 minutos; falta de pulso periférico. O TEP submaciço, ou de risco intermediário inclui estabilidade hemodinâmica mas com presença de disfunção de ventrículo direito no ecocardiograma ou marcadores de necrose miocárdica (troponina elevada).
A administração de fibrinolíticos no TEP não tem uma janela de tempo bem estabelecida (quanto antes melhor), mas está indicada de forma absoluta nos pacientes de alto risco. O tPA e o TNK são os agentes utilizados, com vários regimes de administração disponíveis: tPA 50 a 100 mg ou 0,6 mg/kg por 2 horas; TNK 0,5 mg/kg em bolus. A TNK tem o mesmo efeito e sucesso e é de administração mais fácil. Alguns estudos com doses bem menores de tPA (25 mg) por mais tempo também sugerem benefício e menor risco de sangramento, sendo talvez opção para casos de TEP submaciço – mas apenas 1 estudo experimental foi realizado (Aykan et al, 2023). Aliás, nem todos os estudos de fibrinólise em TEP submaciço apresentaram benefício de mortalidade, e seu uso é controverso, a depender de disfunção cardíaca e presença de troponina elevada.
A terapia anticoagulante deve ser retomada logo após a terapia fibrinolítica, e a incidência de sangramentos mais graves parece ser menor que nos casos de AVEi ou IAM. Talvez seja pela característica de trombofilia destes pacientes. Em casos de contraindicação formal à fibrinólise química (que são basicamente as mesmas apresentadas no comentário anterior e acima neste texto), pode se tentar a trombectomia por via percutânea no setor de hemodinâmica ou mesmo trombectomia cirúrgica. A anticoagulação é geralmente interrompida durante a administração de fibrinolíticos para reduzir o risco de sangramento.
A eficácia da trombólise no TEP é mais debatida que nos casos de IAM e AVEi. Como os estudos são menores, foram 2 meta-análises (Zuo – Cochrane 2021, com 21 estudos; e Stevens – Chest 2021, com 29 trabalhos) e que demonstraram redução de mortalidade hospitalar (cerca de redução relativa de 40%), redução de recorrência de embolia (~ 50%) porém maior incidência de sangramento grave (quase dobrando a chance em relação à anticoagulação plena). O aspecto mais surpreendente é que apenas um terço dos casos de TEP com indicação formal de fibrinolíticos recebem a terapia, e vem caindo ao longo dos últimos anos (queda de 1,5% de todos os casos de TEP entre 2018 e 2023 (Gottlieb et al, 2024).
Mensagens para o dia-a-dia:
- O papel dos fibrinolíticos no IAM está bem estabelecido: o melhor é ter a chance de angioplastia percutânea, mas se não houver no centro ou for distante/demorada, usar agentes fibrinolíticos fibrina-específicos preferencialmente em até 70 minutos;
- Além de fibrinolíticos, o paciente com IAM deve receber anticoagulantes, antiplaquetários e estatina como adjuvantes, e o paciente ainda deve ser encaminhado para o setor de hemodinâmica para o tratamento definitivo de uma lesão coronariana estenosante;
- Na embolia pulmonar, deve ser usada como primeira linha de tratamento em casos de TEP maciço (alto risco) e é duvidosa em casos de disfunção de ventrículo direito sem choque.
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