A gravidade da doença crítica, a necessidade de decisões rápidas e a limitação de informações clínicas confiáveis tornam o processo diagnóstico altamente vulnerável a falhas. Além disso, o erro diagnóstico pode ocorrer tanto antes da admissão em UTI (quando o paciente ainda não era crítico) quanto dentro da unidade, perpetuando desfechos adversos e contribuindo para morbimortalidade e uso ineficiente de recursos.
Em um estudo com 2.428 adultos hospitalizados que foram transferidos à UTI ou morreram, 23% apresentaram erros diagnósticos, sendo que 17,8% resultaram em dano temporário, permanente ou morte. Para comparação, estudos com pacientes clínicos gerais reportam taxas de erro em torno de 0,7%, mostrando que a complexidade e a gravidade da doença crítica aumentam significativamente o risco.
Apesar dos avanços em imagem, monitorização e exames laboratoriais, a taxa de erros permanece estável nas últimas décadas, indicando que as soluções tecnológicas por si só não eliminaram o problema.
Os erros diagnósticos resultam da interação entre fatores do paciente, do profissional e do sistema:
- Relacionados ao paciente: gravidade da doença, apresentações atípicas, incapacidade de fornecer história clínica (por delirium, coma ou ventilação mecânica) e barreiras socioeconômicas.
- Relacionados ao profissional: viés de ancoragem (fixação no diagnóstico inicial), viés de disponibilidade (preferência por diagnósticos frequentes), fechamento prematuro do raciocínio e viés de confirmação. A autoconfiança excessiva e a negligência em reconhecer lacunas de conhecimento também são relevantes.
- Sistêmicos: falhas de comunicação, de seguimento de exames, de coordenação interprofissional e uso inadequado de prontuários eletrônicos.
Além disso, a abordagem “sindrômica” típica da terapia intensiva (por exemplo, tratar “sepse”, “SDRA” ou “delirium”) pode agrupar condições heterogêneas e mascarar causas específicas, reduzindo a precisão diagnóstica e terapêutica.

Estratégias de prevenção
- Educação e treinamento: ensino de raciocínio crítico e viés cognitivo, incentivo ao raciocínio baseado em sintomas e diagnósticos diferenciais amplos.
- Processos estruturados: implementação de checklists diagnósticos, protocolos padronizados de passagem de plantão e revisões multidisciplinares de casos (como “segundas opiniões” e discussões diárias em equipe).
- Feedback e aprendizado contínuo: unidades de seguimento pós-UTI podem identificar discrepâncias diagnósticas e dar feedback à equipe.
- Ferramentas de monitoramento: uso de instrumentos automatizados para padronizar a detecção e a análise de erros diagnósticos.
- Inteligência artificial: sistemas de suporte à decisão baseados em IA podem reduzir vieses cognitivos e auxiliar na priorização de hipóteses diagnósticas, embora ainda existam limitações práticas e éticas.
- Cultura de segurança: promover um ambiente não punitivo, que incentive a identificação e discussão de erros como oportunidade de aprendizado coletivo.
Conclusão e aplicabilidade prática
Erros diagnósticos na UTI são frequentes, potencialmente fatais e subdiagnosticados. A prevenção requer não apenas aprimoramento técnico, mas também mudança cultural e sistêmica.
Para o intensivista, destaca-se a importância de manter o raciocínio diagnóstico dinâmico e revisável ao longo da internação, equilibrar o uso de tecnologia e da anamnese, do exame físico e do julgamento clínico, incentivar discussões interdisciplinares e auditorias diagnósticas e apoiar políticas institucionais que reforcem staffing adequado e cultura justa.
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