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Terapia Intensiva20 novembro 2025

Dor e Delirium na UTI: incidência e prevalência

Revisão sistemática mostra alta prevalência de delirium e dor em UTIs, destacando impacto clínico, fatores associados e importância das diretrizes já existentes

delirium é uma disfunção cerebral global orgânica caracterizada por confusão flutuante, déficit de atenção e desorganização do pensamento. O delirium está associado à permanência mais prolongada na UTI e no hospital, e também, a maior mortalidade. Estudos mais antigos apontam uma incidência de 22% de delirium nos pacientes em algum momento da sua estadia na UTI, e que a prevalência da síndrome é em torno de 30%. O manuseio de delirium na UTI é um desafio, porque várias medicações antipsicóticas já foram testadas nas estratégias de prevenção, mas não houve sucesso. O seu tratamento é feito com essas mesmas drogas neurolépticas e consegue reduzir o tempo de delirium dos pacientes internados, mas sem efeito em mortalidade. A presença de dor pode aumentar a chance da ocorrência de delirium e de agitação. Por isso, o tratamento rápido da dor pode ser uma das estratégias de prevenção de delirium. A prevalência de dor em UTIs francesas, em estudo com mais de 1400 pacientes, mostrou que 29% dos pacientes apresentam dor e, este número cresce muito após procedimentos invasivos (até 83%). Portanto, a dor é frequentemente reportada pelos pacientes enquanto estão internados em UTIs. 

Métodos 

Os autores realizaram uma revisão sistemática para avaliar a prevalência e incidência de delirium em UTIs, assim como a prevalência de dor, tentando caracterizar a presença ou a relação de dor e delirium, em estudos realizados até 2023. A presença de delirium e de dor foram dicotomizadas como ausente ou presente. As duas ferramentas de detecção de delirium mais usadas foram o CAM-ICU e o checklist de screening de delirium IDCSC. A presença de dor foi avaliada por ferramentas como CPOT, BPS e escala visual numérica. A dor era considerada de moderada a severa se a escala visual fosse maior igual a 5 pontos, BPS maior que 5 também e CPOT maior do que 3 pontos. A incidência foi definida como o número de novos casos de delirium na população estudada sobre todos os pacientes internados no mesmo período, enquanto a prevalência foi definida como casos pré-existentes de delirium ou dor no período de início do estudo (numerador) e todos os pacientes internados naquele período (denominador).  

Os autores procuraram artigos nas plataformas de pesquisa Medline, Embase e no registro central de estudos clínicos da Cochrane.  Todos os estudos relevantes publicados até maio de 2023 foram incluídos.  Os autores analisaram também subgrupos de tipos de UTI, ferramentas de screening para delirium ou dor e país de origem do estudo. Eles analisaram ainda o subgrupo de gravidade maior de doenças predito por escores como Apache II maior que 25 pontos, escore SOFA maior que 8 pontos e SAPS 3 maior que 84 pontos. Outro objetivo secundário do estudo foi explorar a potencial influência da publicação das diretrizes sobre dor, agitação e delirium de 2013 historicamente sobre a ocorrência dos sintomas. Portanto, as taxas de prevalência e incidência anteriores a 2013 foram comparadas em média, com as mesmas taxas após o ano de 2014. A prevalência de dor também foi comparada com um estudo seminal de coorte publicado em 2007, no qual a prevalência foi em torno de 30%, com quase dois terços dos pacientes relatando dor moderada ou grave. 

Resultados 

Das mais de 8.000 referências encontradas pelos autores, 517 textos foram estudados e 213 estudos originais foram incluídos. A população reunida foi de 183.285 pacientes; 120 estudos foram publicados antes de 2018 (data da última revisão sistemática do assunto), sugerindo uma proliferação grande de estudos na área. Foram 44 estudos publicados anteriormente às diretrizes de 2013, e 169 estudos posteriores a 2014. Em relação ao design do estudo, a maior parte foi de coorte prospectiva (n = 89), seguida por coortes retrospectivas (n = 60) e estudos clínicos randomizados (n = 37). A maior parte dos estudos foi conduzida na Europa (70) e nos Estados Unidos (68). A maior parte dos estudos também foi conduzida em UTIs mistas/gerais. O delirium foi pesquisado através do CAM-ICU (70%) e também do checklist ICDSC (26%). A ferramenta que mais foi usada para o diagnosticar dor foi a CPOT (11), seguida de perto pela escala numérica visual (9) – curiosamente a escala BPS, muito usada no Brasil, foi usada em raros estudos. 

A prevalência de delirium foi de 35,7%, sendo o intervalo de confiança de 95% entre 32 e 39%, em pool de 173 estudos. O subtipo mais comum de delirium foi o hipoativo 16%, seguido do delirium misto (9%) e do delirium hiperativo (8%). A incidência de delirium foi demonstrada em 41 estudos: 28,8%, com intervalo de confiança de 23% a 35%. A prevalência de dor foi de 43,5% em 11 estudos, com intervalo de confiança entre 28 e 59%. Seis estudos relataram a taxa de dor clinicamente importante (moderada a grave) em 40% dos pacientes, com intervalo de confiança entre 20 e 63% (houve muita variação entre estes estudos). 

Em relação aos resultados secundários, a prevalência de delirium variou dependendo do tipo de UTI, sendo maior nas UTI de especialidade como neurológicas, oncológicas e de grandes queimados, e sendo menor nas cardíacas. A prevalência de delirium também foi maior nos estudos que tinham população com maior gravidade (51% vs 34% em UTI com menor média de gravidade da doença aguda). A prevalência de delirium não teve variação significativa, dependendo da ferramenta de diagnóstico usada. A incidência de delirium não foi diferente de acordo com as ferramentas de screening. A prevalência de dor não foi diferente, variando o tipo de UTI ou a ferramenta de screening para o diagnóstico da dor. 

Outro resultado interessante foi que a prevalência de delirium foi significativamente menor depois da publicação das diretrizes de 2013. Ela reduziu de 44% para 33% após 2014. A incidência de delirium também reduziu após a publicação de 2013. Em relação à dor, a referência é o estudo publicado em 2007 e a prevalência foi significativamente menor ao longo dos anos, principalmente depois da publicação das diretrizes de 2013, reduzindo de 64 para 36%. 

Embora os estudos tenham sido heterogêneos de acordo com a sua metodologia e vários deles foram observacionais com amostras pequenas de população, esta metanálise teve uma população analisada de grande monta. Os autores também não foram capazes de avaliar o tipo de analgesia e se havia redução da incidência ou da prevalência de dor de acordo com as práticas de analgesia. Outros fatores importantes ao nível do paciente também não foram devidamente estudados, como tipo de admissão e uso de ventilação mecânica. 

Mensagens para o dia a dia 

  • Delirium e dor são comuns, sugerindo que pacientes adultos admitidos na UTI têm prevalência de 35% e incidência de 30% de delirium e prevalência de dor em torno de 45%. 
  • A revisão sistemática sugere, então, que a incidência prevalência de delirium e de dor sejam continuamente pesquisadas e sejam encaradas como referência de qualidade do atendimento de pacientes críticos nos hospitais. A implementação de diretrizes é possivelmente uma boa estratégia para o controle e redução destas taxas nos pacientes e UTI. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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Referências bibliográficas

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